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O país anda metido com o Verão à beira dos Jogos Olímpicos e entrou em Agosto com uma comunicação que lhe fez o Presidente da República – mas, algures numa estrada algarvia (a notícia vinha no Correio da Manhã), longe das primeiras páginas, que também mencionam o ataque que o fisco vai lançar por toda a Pátria, um pai abandona os seus dois filhos gémeos de 11 anos. Repare-se: não os entrega a alguém. Não. Deixa-os numa estrada do Algarve, de noite, entregues a si mesmos e à mais severa das solidões. Casos assim multiplicam-se, parece. O gérmen da maldade manifesta-se de muitas formas, mas imagino a solidão e a dor dos dois miúdos de onze anos que o pai acaba de expulsar do carro, a meio da noite – e acho que uma onda de pânico devia tomar conta de nós e mostrar-nos como perdemos a vergonha. Morremos aos poucos.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
O Verão não nos liga ao vazio mas à reflexão. Como estão as auto-estradas, os aeroportos e os hotéis? Como está a lotação dos restaurantes? Como está a ocupação do metro quadrado de praia? Para os “economistas comuns”, boas taxas de “cumprimento de férias” significam que a crise ainda não chegou, à semelhança do que pensava António Guterres com a sua observação pouco criteriosa sobre o número de telemóveis e a ida de portugueses para o Algarve. Isso significaria que andava dinheiro a circular. No entanto, há outra fórmula de cálculo, mais perversa e subtil, que parte do princípio de que as sociedades em vésperas da grande crise gastam o que não têm e esperam o que nunca há-de vir. É tremendo, mas tem sentido – mesmo que não agrade nas secretarias e à propaganda.
Vai uma grande orgia pelas praias algarvias. Famílias inteiras, entregues ao prazer do sol e do mar, abandonam-se também – em pleno ‘espaço público’ – a massagens que podem ser perniciosas para o pudor da Pátria. Não sou eu quem o diz: é o comandante da Zona Marítima do Sul, que eu ouvi numa reportagem da TSF. Segundo o comandante sabe-se como uma massagem começa mas nunca se sabe como acaba – o leitor que imagine o despautério e a desvergonha. Uma coisa leva à outra e o comando marítimo tem de zelar pela nossa integridade física, pelo pudor das quinas e da esfera armilar. O Allgarve pode ser cosmopolita mas há massagens e massagens e nunca se sabe como reage esta gente que se estende ao sol para ser friccionada com bálsamo e arnica. Vai uma grande orgia nestas cabecinhas.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
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