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O Hamas.

por FJV, em 04.01.09


Imagens reais: «Membros do Hamas chacinam os líderes da Administração da Fatah (OLP) em Gaza, após tomarem o poder pela força em Junho de 2007» (Via C.A.A., Blasfémias)

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Memórias de 2007. (3) Salman Rushdie.

por FJV, em 13.12.07


Salman Rushdie foi feito cavaleiro pela rainha de Inglaterra em Junho de 2007. É um facto importante, não pela ordem atribuída mas porque Rushdie é uma das primeiras vítimas do
terrorismo. Salman Rushdie podia ter-nos explicado, com antecedência, como as coisas se passam nesta matéria da liberdade. Uma boa faixa de intelectuais e de gente da política, apesar de tudo, encontra sempre motivos para compreender essas razões, ou pelo menos as razões que levaram à fatwa que condenava Salman Rushdie à morte -- e, por arrastamento, os seus editores e tradutores. Vamos e venhamos, trata-se de uma coisa selvagem condenar alguém à morte por blasfémia. Um ou outro escritor inglês, na altura da fatwa lançada por Khomeini contra Rushdie, apareceu a dizer que o autor dos Versículos Satânicos merecia a ordem para matar decretada em Teerão; ele não teria nada que se meter com o profeta, com o Alcorão ou com os imãs, e, portanto, devia ser punido por isso. Havia uma certa inveja literária, certamente, mas de vez em quando o monstro acorda entre nós, cheio de medo, invocando valores culturais e heranças espirituais: em nome desses valores desculpabiliza-se a tortura, a humilhação de mulheres ou de adúlteros, a excisão feminina, o apedrejamento de homossexuais ou a mutilação de adolescentes que praticaram sexo à margem da lei.
Rushdie deixou de ser o «escritor perseguido» para passar a vestir a pele de autor culpado pela morte de alguns tradutores do seu livro, de atentados contra editores do livro e pessoal da edição e livrarias em todo o mundo. Por que não culpar os comandos islâmicos que, efectivamente, tinham sido os autores desses atentados? Por duas razões: em primeiro lugar, o «carácter» de Rushdie (a sua antipatia, a sua vaidade, o facto de escrever bem); em segundo lugar, aí está, porque Rushdie «não tinha nada que se meter com o Islão».
Um dos escritores cujos livros mais admiro, John Le Carré, foi, então, muito claro na sua condenação de Rushdie. Mas pouco ou nada claro na identificação dos seus próprios argumentos: em primeiro lugar, misturando no libelo as tradicionais acusações de «colonialismo» dirigidas a um inglês de ascendência oriental que tratou mal os muçulmanos (porque se rendera, supõe-se, aos encantos do Ocidente, da liberdade de expressão e do sistema de direitos de autor); em segundo lugar, porque Rushdie era um tremendo egoísta que punha em risco, por causa do seu livro, a vida de editores, tradutores, livreiros, funcionários dos correios e leitores anónimos que não se manifestaram em Londres — em 1988, e aproveitando os direitos à liberdade de expressão e de manifestação — defendendo a eliminação sumária de um escritor (aqui, a palavra «escritor» pode ser substituída por qualquer outra, evidentemente); finalmente, assinalaria Le Carré, porque ninguém teria o direito de insultar uma grande religião.
O caso de Rushdie e das respostas de Le Carré e de outros autores ocidentais, criados em liberdade política e religiosa, mas que não resistiram aos encantos do servilismo e à «questão colonial e religiosa», é sintomático do caminho que podem levar as perversões no campo intelectual. É «correcto» defender a liberdade de um escritor (e, quem fala de Rushdie, fala também de Soyinka, ou dos censurados nas escolas e bibliotecas puritanas da América)? Ou é «correcto» defender os que, em nome de um direito de resposta à agressão secular do colonialismo e da agressão económica e religiosa, acabam por ver com bons olhos a legitimidade da «fatwa», só porque o Ocidente é malvado e ainda mais perverso?
Na altura da distinção atribuída a Rushdie, uns cavalheiros do Paquistão não gostaram e acham que se trata de mais uma forma de incentivar o terrorismo; a solução seria retirar a distinção ao escritor para não ofender o Islão. No Irão, um conselho qualquer dizia que isto não ficava assim e que Rushdie só terá paz quando for assassinado. Como se recordam, já tivemos um ministro que compreendia estas cousas, que não passam de reacções contra a licenciosidade.

Memórias de 2007.(1) O rugby. (2) A miséria estudantil.

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Memórias de 2007. (2) A miséria estudantil.

por FJV, em 13.12.07


Um dos momentos de 2007 foi a divulgação do estudo «Inquérito aos estudantes da Universidade de Coimbra: consumos culturais, participação associativa e orientações perante a vida», realizado por Elíseo Estanque e Rui Bebiano. Vale a pena retomar o comentário, da época, escrito por Rui Bebiano no seu blog:
«Cerca de 18,3% dos inquiridos revelou jamais ler livros. Destes, 7,3% pertencem às Artes e Letras, 10,9% ao Direito e 13% às Ciências Sociais, áreas que estão num dos extremos da escala. No outro, quase 48% de Desporto e 40% dos alunos das diversas Engenharias afirmaram jamais pegarem em tais objectos. Do conjunto, para cada rapariga que declarou não ler livros, existem três rapazes que nunca o fazem. Partindo do princípio - não provado, mas que me parece admissível - de acordo com o qual muitos dos inquiridos terão, por pudor ou incerteza, entendido que raramente lêem quando de facto nunca lêem, os valores reais poderão ser ainda mais desoladores.»
Haver vinte por cento de estudantes de Letras que declararam que jamais lêem livros parece-me um dado aterrador. Os inquéritos internacionais ou nacionais sobre aproveitamento escolar e aquisição de conhecimentos (entre eles o PISA) podem revelar o estado da escola. Mas o estudo de Elíseo Estanque e do Rui é devastador para quem se preocupe com o estado das coisas. 44% dos inquiridos revelou ler sobretudo os diários nacionais (entre estes, 23% indicou o jornal Público e 21% os jornais desportivos).
Inquérito anterior, reproduzido no Expresso, mostrava que 64% dos estudantes do secundário frequentava os centros comerciais como local de lazer. Brava democracia que tais filhos produz. A culpa é nossa; não soubemos lidar com isto. É uma das coisas que não podemos esquecer, de ano para ano.

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Memórias de 2007. (1) O rugby.

por FJV, em 13.12.07


Um jornal americano chamou-lhes Pavarottis. A imagem percorreu o mundo, não sei se nos encheu de orgulho, mas olhámo-la com comoção – a forma como a rapaziada cantava o hino nacional antes de cada jogo chegava-nos de França como uma espécie de reabilitação da pátria, a velha pátria em chuteiras, medricas e faceira, habituada a ver jogadores de futebol a dar cambalhotas mal lhes tocam no cotovelo ou na armação da marrafa.

Tão cedo não os esqueceremos. Nem os seus nomes nem a pequena glória de terem afrontado os All Blacks daquela forma fatal, íntegra, nobre, olhando-os nos olhos, dançando curto (evidentemente) mas sem alguma vez evitar o confronto ou a ousadia. Um ensaio que fosse valia a pena. Uma fuga que ficasse registada seria inscrita no livro das glórias.

O pequeno país que gosta daquele dicionário de indignidades do futebol, tomou-lhe o gosto. No futebol, habituou-se a ouvir coisas como «falta inteligente», «conseguiu um penalty», «brilhante atitude defensiva». Colocado patrioticamente diante da televisão para ver o melhor rugby do mundo, o adepto lusitano encontrou um grupo de almas diabólicas, ou tomadas pelo diabo, com cara de homens, com físico de homens, capazes de correr e de placar, de fugir e de perseguir, de se arrastarem no chão ou de voarem em busca da bola – como há muito tempo não viam no futebol mariquinhas e de efeito fácil, onde toda a gente finge que se lesiona.

Vimo-los todos, jogo a jogo. Jogo a jogo, a pátria pendurava a chuteiras prateadas e sentava-se para ver o jogo da tribo. Jogo a jogo crescia a admiração por aqueles rapazes, desde o primeiro ensaio português em Mundiais, assinado por Pedro Carvalho. Aliás, se o Criador quisesse dar uma prova da sua existência, depois de ter aberto um sulco nas águas do Mar Vermelho – há muito tempo –, teria escolhido o minuto 44 do jogo contra a Escócia, quando um português deixou para trás os escoceses e rasgou pelo estádio fora na direcção de um ensaio fabuloso. Com isso, provaria a sua existência, indicaria que era fã dos Lobos, e mostrar-se-ia justo. Porque nesse primeiro ensaio em Mundiais estava representado todo o esquadrão de batalhadores que se atreveu a enfrentar equipas profissionais. Mas não só: eles enfrentaram também a ignorância dos snobes modernos, a impreparação do cidadão comum e o desprezo dos mariquinhas do futebol.

Foi um gozo puro. Perderam todos os jogos. Nunca uma equipa tão derrotada foi tão comentada no mundo inteiro, com a imprensa neozelandesa, inglesa, americana e sul-africana falando de uma «great story» da «lovely performance of the newcomers». Laurent Bénézech, no L'Équipe, valorizava a coragem e o coração dos portugueses. O mais difícil dos comentadores da ESPN americana não se cansou de distinguir «the great spirit» do bando de portugueses que se atreveu a discutir, metro a metro, o campo que lhe tinha sido entregue.

Há quem ache que isto era pouco. Paciência. Num país de plástico e de vedetas, os Lobos mostraram-nos como, à sua maneira, desvalorizaram os nossos próprios limites e lutaram contra a nossa condição. Eles ultrapassaram o seu destino. Merecem um lugar de destaque nos nossos aplausos.


{Referências neste blog.}

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