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Informação & conspiração, 1.

por FJV, em 03.02.08
Não partilho a ideia da superioridade moral do jornalismo, e considero que José António Cerejo é um bom jornalista que criou justificados anti-corpos no PS. Entrevistei J. A. Cerejo no longínquo «Falatório» (RTP-2, 1997; às sextas à noite era dedicado aos média), no dia a seguir à demissão de António Vitorino provocada pelo seu artigo no Público. Era uma emissão com os média da semana, que antecedeu o «Primeira Página», que era diário. Lembro-me do corredor que dava para o estúdio; eu tinha escrito no meu bloco as primeiras perguntas a José António Cerejo, o jornalista que tinha levado o vice-primeiro-ministro e ministro da defesa à demissão. Foi já no estúdio que decidi alterar o guião; em vez de começar pelas perguntas da ordem (como se sente por ter provocado esta demissão?, quando começou a sua investigação em Almodovar?, etc.), disse «boa noite, J.A. Cerejo, tem os seus impostos em dia?» Lembro-me da resposta de Cerejo, resumida: «Mas eu não sou um político.» Era um facto. Mas era bom saber-se se um jornalista que investiga um suposto deslize fiscal de um político deve estar, ou não, sujeito ao mesmo escrutínio. Pessoalmente, penso que os jornalistas devem fazer as suas declarações de interesses e devemos conhecê-las para não desconfiarmos (enquanto cidadãos) do que escrevem. Talvez se acabasse com a ideia dos inconfessáveis interesses dos jornalistas, ou de um jornalista de cada vez. É exactamente a falta dessa declaração de interesses que tem mantido a ideia de que o jornalismo deve ser bacteriologicamente puro.
Acontece que a atitude de António Vitorino foi a de demitir-se, mesmo garantindo que estava inocente e que não tinha cometido qualquer ilícito fiscal. Claro, houve zunzuns sobre o apetite de Vitorino sobre o governo: que não lhe apetecia estar lá e que aproveitou a oportunidade. Não acredito, apesar de tudo.
A ideia de que o Público imprimiu estes artigos sobre José Sócrates movido pelo interesse da Sonae em derrubar o primeiro-ministro parece-me zunzum igual. Devemos desconfiar, sim; devemos sempre desconfiar. Mas convinha esclarecer o assunto, ou não? Devia o Público abster-se de publicar as notícias apenas porque o patrão é um grupo económico distribuído por telecomunicações, madeiras & hipermercados?
Vamos e venhamos: 1) primeira parte: do ponto de vista do rigor da informação, a primeira peça de Cerejo sobre as assinaturas de favor é inatacável; são factos; 2) segunda parte: tem interesse público o conhecimento desses factos? Essa é outra matéria. Não é crime, já se sabe, fazer aquilo que Sócrates fez, se o fez; mas não é nada ético. Sinceramente, e sem querer fazer piada, é um beco sem saída: se o fez, é mau; se elaborou os estudos e os projectos daquelas casas, é ainda pior. No primeiro caso, é mau politicamente. No segundo caso, é mau em geral. Interessa, à opinião pública, conhecer estes aspectos da vida anterior de José Sócrates? Não estamos a falar da sua vida pessoal;  não estamos a entrar na esfera da privacidade; são factos públicos. Provando-se que são factos, têm eles interesse político? Servem para avaliar o comportamento político de José Sócrates ou, até, do primeiro-ministro? Estas são as questões essenciais. As outras relevam do puro comentário e, aí sim, da teoria da conspiração e do combate político.
Fazer juízos de ordem moral é fácil, mas não é apenas isso que está em causa (ah, porque sim, porque estamos todos a fazer juízos de ordem moral, agora ou noutras circunstâncias), independentemente dos supostos «inconfessáveis interesses» do Público. Uma coisa é desconfiar das afirmações dos políticos; outra é desconfiar de todas as perguntas aos políticos.
Há uns anos, num dos seus textos, Agustina Bessa-Luís falava do novo exemplar de homem político; que seria o homem comum. Infelizmente, referia-se a Santana Lopes. Viu-se.

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