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Desconfiar.

por FJV, em 02.09.08

Somos controlados pela Via Verde, pelo Cartão Único, pelo trajecto dos cartões de crédito, pelos cartões magnéticos dos hotéis, pelo acesso às nossas contas e impostos, pelos registos nas cartas de condução, pelas fichas clínicas (que não são sigilosas), pela ficha de cliente de uma loja – e agora também pelo chip electrónico na matrícula dos automóveis. A nossa vida está na mão de pessoas que não conhecemos mas que nos conhecem bem e que se escondem nos arquivos do Estado. Não é uma invenção da China, do Dr. Salazar ou da velha URSS – é um sistema de vigilância criado pelas ‘democracias liberais’. Há quem argumente que ‘quem não deve, não teme’, lema dos pobres de espírito para quem a vida não vale nada. Entrámos na era da desconfiança. Também nós devemos desconfiar.

[Da coluna do Correio da Manhã.]

 

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O que anda à solta na net.

por FJV, em 14.06.08

Eu já tive outra opinião. Notícias como esta merecem atenção porque configuram uma nova realidade na net ou, se quiserem, na web 2.0. Aviso que estou cada vez mais céptico em relação às suas maravilhas; atribuo o problema à idade e evito discutir o assunto, mas acho, na mesma, que o código genético da web 2.0 não oferece todas as garantias. Penso que é um tema que nos devia ocupar.

 

Há uns meses rir-me-ia das excessivas cautelas de Andrew Keen, neste livro (O Culto do Amadorismo. Como a Internet está a Matar a Nossa Cultura e a Assaltar a Nossa Economia, edição Guerra e Paz). Hoje penso que os danos colaterais da web 2.0 estão a ser cada vez mais prejudiciais para a nossa cultura, para a nossa liberdade e para o nosso trabalho. Releio George Steiner para não cair em tentação.

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Uma boa notícia em Guantánamo.

por FJV, em 12.06.08

«O Supremo Tribunal dos EUA decidiu hoje que os suspeitos de terrorismo detidos na base militar de Guantánamo, em Cuba, têm o direito de recorrer aos tribunais federais para contestar a sua detenção.» (Notícia aqui) Um sinal do que está a mudar, finalmente, e do que deve mudar.

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Uma sociedade livre sem liberais.

por FJV, em 19.05.08

Escreve Henrique Raposo no Expresso: «É impressionante o silêncio em redor da criação do secretário-geral do sistema integrado de segurança interna. Esta personagem controlará todas as polícias do país e despachará directamente com o primeiro-ministro. Mais: esta figura sinistra será nomeada pelo próprio primeiro-ministro. Como é evidente, esta concentração de poderes é inaceitável. Não é uma questão de opinião. É uma questão de facto: numa democracia liberal, não pode existir intimidade entre governo e polícia. Quando digo isto não estou a entrar no mercado da indignação; estou apenas a ser analítico, ou seja, estou somente a relembrar que os governos democráticos não podem ter um superpolícia no bolso.»

[Via Atlântico.]

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O caso «temor reverencial».

por FJV, em 08.04.08
Osvaldo Silvestre sobre a polémica provocada pela entrevista de J. E. Agualusa em Angola, no Os Livros Ardem Mal. Luís Januário no A Natureza do Mal. Rui Bebiano no A Terceira Noite.

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Literatura sob alçada criminal.

por FJV, em 06.04.08
Ainda a propósito desta polémica, o oficial Jornal de Angola encetou uma campanha para a canonização absoluta de Agostinho Neto. Compreende-se. Mas neste outro artigo, sobre «Literatura e Identidade Política», a coisa vai mais longe, até ao «exercício de cidadania», depois «da “insolente” entrevista do Escritor José Eduardo Agualusa, sobre a poesia de Neto». Como preâmbulo não está mal: «Ao escritor importa narrar, verdades ou inverdades, mas cabe aos professores, intelectuais ou sábios ensinarem o que é verdadeiro, científico, afastando os embustes, malabarismos; e aos políticos servirem em nome do bem comum
A seguir, a canonização: «A escrita não pode servir para humilhar, banalizar, diabolizar os ícones, heróis, mitos, deuses ou divindades; Neto é Kilamba, kituta, kiximbi; sendo-o é intérprete das divindades aquáticas do Kwanza, é o antropónino de crianças que nascem com poderes especiais, segundo o antropólogo Virgílio Coelho (1989).» Note-se que «quem o ataca, ataca a razão da utopia – a Independência de Angola».
Mais adiante: «Exige-se respeito, veneração, solenidade aos heróis, escritores, mesmo quando os gostos estéticos diferem. É uma questão de temor reverencial, seja sobre Neto ou qualquer outro escritor que retrata da nossa identidade [...]

Chamo especial atenção para esta passagem, em que o autor (que ensina Ciência Política e Direito Público) pede a criminalização de José Eduardo Agualusa:

«[...] deve haver responsabilidade criminal e civil por estarem reunidos todos requisitos do ultraje à moral pública (ofendeu a moral cultural ou intelectual dos angolanos), previsto e punido no Artigo 420º do Código Penal. É preciso moralizar, sob pena de banalizar a figura mais importância da nossa memória colectiva contemporânea.»

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Guerras antigas de Angola.

por FJV, em 28.03.08

Tudo começou com uma entrevista de José Eduardo Agualusa ao Angolense. Nela, Agualusa dizia isto: «Uma pessoa que ache que o Agostinho Neto, por exemplo, foi um extraordinário poeta é porque não conhece rigorosamente nada de poesia. Agostinho Neto foi um poeta medíocre. O mesmo se pode dizer de António Cardoso ou de António Jacinto. Foram todos eles grandes figuras do nacionalismo angolano, e eventualmente muito boas pessoas, não sei, não conheci nenhum deles, mas eram fracos poetas. Ruy Duarte de Carvalho é um bom poeta. Ana Paula Tavares tem um trabalho muito interessante. David Mestre merecia ser mais conhecido a nível internacional.»

Quem não gostou foi o Jornal de Angola, que publicou um editorial sobre o assunto: Agualusa procurava «humilhar figuras de relevo da História e da Literatura Nacional». Antes disso, Artur Queiroz, também no Jornal de Angola, protestava pela genialidade da poesia de Neto – mas alongava-se, tranformando a entrevista de J.E. Agualusa num problema de regime: «A grandeza da obra literária de Agostinho Neto foi reconhecida em todo o mundo por académicos, professores, críticos literários e confrades. Vem agora uma flatulência retardada do colonial fascismo sujar a sua memória com uma tentativa de assassinato de carácter.» No mínimo, duvidoso; mas não original, porque não é a primeira vez que este género de reacções tem perseguido escritores que não estiveram do lado certo em Luanda, de David Mestre a Sousa Jamba, passando, claro, pelo ódio de estimação a José Eduardo Agualusa.

Entretanto, Sousa Jamba publicou, no Angolense, um texto em defesa de Agualusa, a que se juntou outro de Justino Pinto de Andrade, logo depois de o director do Inald (Instituto Nacional do Livro e do Disco) ter declarado, para a posteridade, a genialidade da literatura angolana, e de o Jornal de Angola ter retomado o ataque a Agualusa («Agualusa foi longe demais ao atacar grandes figuras emblemáticas da literatura nacional, nomeadamente: Agostinho Neto, António Cardoso e António Jacinto. Afinal em que critério se baseia o agrónomo para fazer tal juízo do mais velho “Kilamba”? Agualusa precisa preparar um trabalho melhor elaborado para refutar todos os ensaístas que escreveram sobre Neto.»).

Guerras antigas de Angola. Convém estar atento, para que não pensem que ninguém ouve.


 

Entretanto, este é o texto de José Eduardo Agualusa publicado este fim-de-semana no jornal A Capital, de Luanda.

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Pedro e o Lobo.

por FJV, em 13.01.08
Como se esperava, a reacção teria de ser essa. Na altura dos acontecimentos da Covilhã escrevi uma crónica sobre Pedro e o Lobo. A vaga de designações era a mesma de sempre: ditadura, fascismo, censura e perseguições. E olha por quem, na maior parte das vezes. Quando chegam outras ameaças mais sérias (a «qualidade» da democracia, a ameaça aos direitos individuais, a fúria legislativa e regulamentar, a coligação entre os interesses do Estado e os interesses das grandes corporações), a ideia é que «isso são protestos da classe média». Não é caso para dizer «pobre país», evidentemente. Mas é caso para relembrar que a liberdade não existe sem liberais, ou seja, sem pessoas que prezem a liberdade. Ou seja, quando é a sério, ninguém liga. Mas o mais grave nem é isso. É estarem a adormecer cada vez mais pessoas, e ao mesmo tempo.

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Informação e Liberdade. Como será a democracia sem jornalismo?

por FJV, em 03.01.08

No próximo dia 15, em Lisboa, haverá um jantar em que os jornalistas portugueses debaterão a auto-regulação da profissão. O tema é mais do que adequado: como será a democracia sem jornalismo? Inscrições aqui, como de costume.

O preço da inscrição deverá ficar em 10€.

No site do Movimento Informação é Liberdade está indicada, por lapso, a data de 8; o jantar será a 15.

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Agrião, nabo e cenoura.

por FJV, em 01.01.08


Definitivo, o post de Rui Bebiano no A Terceira Noite; onde se dá conta de que é impossível «a defesa de uma política equilibrada, capaz de combinar os interesses de todas as partes», diante do halo de modernidade que gosta de criar guetos, excluídos e perseguidos, em nome de uma «minoria de fanáticos e exaltados que entende ser a sua maneira de viver a única irrepreensível e aquela que merece todos os direitos de cidadania.» Assino por baixo. Obrigado, Rui.

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Informação e Liberdade. Como será a democracia sem jornalismo?

por FJV, em 29.12.07


No próximo dia 15, em Lisboa, haverá um jantar em que os jornalistas portugueses debaterão a auto-regulação da profissão. O tema é mais do que adequado: como será a democracia sem jornalismo? Inscrições aqui, como de costume.

O preço da inscrição deverá ficar em 10€.

No site do Movimento Informação é Liberdade está indicada, por lapso, a data de 8; o jantar será a 15.

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Tabaco no parlamento.

por FJV, em 20.12.07


Exactamente. Como escrevi várias vezes neste blog, a maior parte das medidas previstas neste pacote legislativo sobre o fumo em lugares públicos já estava prevista nas leis anteriores. A legislação que entra em vigor em Janeiro, basicamente, apenas actualiza essas leis anteriores em matéria de restaurantes, bares & discotecas (ainda assim, e felizmente, fazendo valer o direito de escolha, fundamental) e no conceito de «edifício público». Como também já se disse, o problema é que a vontade de legislar é imensa e imoderada e alastra como uma febre. Portanto, a lei anterior já previa que não se fumasse no parlamento, com excepção das áreas em que era autorizado.
A grande questão é o preâmbulo evangelizador desta lei. As leis são leis; não é preciso justificar tudo, o bem público e a nossa saúde. Já sabemos. Venha a lei mas não se ponham com macaquices.

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Sant Jordi punido.

por FJV, em 16.12.07

Em matéria de futebol espanhol, sou do Real. Mas causa impressão esta desfiguração do escudo do Barça, justificada com problemas de marketing no mundo islâmico. Pessoalmente, ainda, acho que o dia de Sant Jordi (cuja cruz está mo escudo do Barcelona) é uma comemoração feliz: dia dos namorados, dia das rosas e dia dos livros. É um problema do Barça mas, a breve prazo, será um problema de todos nós, mesmo dos que (como eu) não apreciam cruzes. Enfim, como dizia um célebre ministro português, temos de ser compreensivos quando nos atacam, não podemos ofender mesmo sem saber, e não podemos favorecer a licenciosidade.

[Via O Insurgente.]

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A não perder.

por FJV, em 25.11.07









A não perder, sob nenhum pretexto, a crónica de António Barreto no Público de hoje: «Eles estão doidos!»
«Os cozinheiros que faziam no domicílio pratos e “petiscos” a fim de os vender no café ao lado e que resistiram a toneladas de batatas fritas e de gordura reciclada, podem rezar as últimas orações. Todos os que cozinhavam em casa e forneciam diariamente aos cafés e restaurantes de bairro sopas, doces, compotas, rissóis e croquetes, podem sonhar com outros negócios. Os artesãos que comercializavam produtos confeccionados à sua maneira vão ser liquidados.
A solução final vem aí. Com a lei, as políticas, as polícias, os inspectores, os fiscais, a imprensa e a televisão. Ninguém, deste velho mundo, sobrará. Quem não quer funcionar como uma empresa, quem não usa os computadores tão generosamente distribuídos pelo país, que não aceita as receitas harmonizadas, quem recusa fornecer-se de produtos e matérias-primas industriais e quem não quer ser igual a toda a gente está condenado.
Esses exércitos de liquidação são poderosíssimos: têm estado-maior em Bruxelas e regulam-se pelas directivas europeias elaboradas pelos mais qualificados cientistas do mundo; organizam-se no governo nacional, sob tutela carismática do ministro da Economia e da Inovação, Manuel Pinho; e agem através do pessoal da ASAE, a organização mais falada e odiada do país, mas certamente a mais amada pelas multinacionais na gordura, pelo cartel da ração e pelos impérios do açúcar.
[...]
Nas esplanadas, a partir de Janeiro, é proibido beber café em chávenas de louça, ou vinho, águas, refrigerantes e cerveja em copos de vidro. Tem de ser em copos de plástico.
Vender, nas praias ou nas romarias, bolas-de-berlim ou pastéis de nata que não sejam industriais e embalados? Proibido. Nas feiras e mercados, tanto em Lisboa e Porto como em Vinhais ou Estremoz, os exércitos dos zeladores da nossa saúde e da nossa virtude fazem razias semanais e levam tudo quanto é artesanal: azeitonas, queijos, compotas, pão e enchidos.
Na província, um restaurante artesanal é gerido por uma família que tem, ao lado, a sua horta, donde retira produtos como alfaces, feijão verde, coentros, galinhas e ovos? Proibido.
Embrulhar castanhas em papel de jornal? Proibido.
Trazer da terra, na estação, cerejas e morangos? Proibido.
[...]

Vender, no seu restaurante, produtos da sua quinta, azeite e azeitonas, alfaces e tomate, ovos e queijos, acabou. Está proibido.
Comprar um bolo-rei com fava e brinde porque os miúdos acham graça? Acabou. É proibido.
[...]
Servir areias, biscoitos, queijinhos de amêndoa e brigadeiros feitos pela vizinha, uma excelente cozinheira que faz isto há trinta anos? Proibido.
As regras, cujo cumprimento leva a multas pessadas e ao encerramento do estabelecimento, são tantas que centenas de páginas não chegam para as descrever.
[...]
Tudo isto, como é evidente, para nosso bem. Para proteger a nossa saúde. Para modernizar a economia. Para apostar no futuro. Para estarmos na linha da frente. E não tenhamos dúvidas: um dia destes, as brigadas vêm, com estas regras, fiscalizar e ordenar as nossas casas. Para nosso bem, pois claro.»
[FJV]

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por FJV, em 08.10.07
||| A frente comum.
Os bons espíritos encontram-se no paraíso.
[FJV]

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por FJV, em 07.10.07
||| Os livros, como sabemos, fazem mal. Devem ser banidos. Eles adoram queimar, outra versão. [Actualizado.]












Chama-se Happy Endings Foundation e trata de defender que as crianças só devem ler livros com final feliz [«only let their children read books with happy endings»]. Os outros devem ser banidos das salas de leitura [«Children's books that don't have happy endings should be banned»]. Vigiam os livros e as bibliotecas escolares e já elaboraram uma lista de livros que devem ser retirados das escolas; entre eles estão Villette, de Charlotte Brontë, Um Vasto Mar e Sargaços, de Jean Rhys ou A Pequena Sereia, de Hans Christian Andersen.
Na próxima semana, a fundação sugere um apetitoso programa para as famílias britânicas: «The Happy Ending Foundation is planning a series of Bad Book Bonfires for later this month, when parents will be encouraged to burn novels with negative endings.» De resto, um dos seus objectivos maiores é o de «eradicate sad thoughts from all literature».

O site indica também as canções felizes (entre elas, tremam, «Walking on Sunshine», de Katrina & the Waves, «Holiday», de Madonna e, podem fugir, «Favourite Things», de Música no Coração, com Julie Andrews), e os passeios recomendáveis (Cadbury World, em Birmingham, o Zoo de Londres, o Eastnor Castle, em Ledbury, o National Railway Museum, York, ou a caça ao monstro do Loch Ness).

Livros felizes ficam; os outros queimam-se. Burn novels with negative endings.
O caso da Happy Ending Foundation: «So if you have a bad book in out home, library or school bag, bring it along and see if it burns. Fire is bright and fire is clean…» Via Blue.

[O Pedro Figueiredo sugeriu-me o link].
[FJV]

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por FJV, em 27.09.07

||| Liberdade e libertinagem.
O essencial do artigo de Marinho e Pinto (Público de ontem) sobre o tratamento do «caso Maddie» (referido por Vital Moreira) na imprensa está correcto. Discordo totalmente do apelo «ao combate contra a libertinagem de imprensa». Talvez seja matéria linguística apenas, mas o que é «apenas» matéria linguística há-de acabar por ser também matéria de facto. Há uns tempos, o Prof. Freitas do Amaral mostrou o que era a «libertinagem» a propósito do caso das «caricaturas do Profeta»; ou seja, indicou o caminho para os fariseus (outra questão linguística). Quando se condena «a libertinagem» para se defender «a liberdade» estamos no limite de um labirinto e de um perigo real. O livro de Ian Buruma sobre Theo Van Gogh «e os limites da tolerância» mostra uma parte do problema; Van Gogh seria apedrejado em Coimbra ou impedido de ir à televisão e à rádio. O problema do caso Maddie não é o da «libertinagem» da imprensa – mas o do horror à investigação, ao jornalismo e à verdade; e, naturalmente, o triunfo das teorias da conspiração, da desinformação policial, da maldade e do machismo lusitano. Isso combate-se. A libertinagem só se combate colocando a liberdade em perigo.

[FJV]

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por FJV, em 09.09.07
||| Buruma: sobre os limites da tolerância.














O livro de Ian Buruma merece ser lido com muita atenção: A Morte de Theo Van Gogh e os Limites da Tolerância (edição da Presença) é uma reportagem/documentário sobre a morte de Van Gogh (e de Pim Fortuiyn), o «multiculturalismo holandês» misturado com o calvinismo (e saltemos até Com os Holandeses, de José Rentes de Carvalho, por exemplo), o medo ocidental e a explicação do remorso. Ou de como, por detrás da tranquilidade dos melhores bairros de Amesterdão e Haia, há muito mais para compreender. O retrato de Theo Van Gogh é muito bem desenhado, reproduz a sua grosseria e a sua fé liberal, os seus excessos grotescos e aquilo que ele fez de admirável. Ian Buruma (que vive em Nova Iorque) vai visitando os holandeses de hoje, o bairro onde passou a adolescência, os protagonistas (de Bolkestein aos amigos de Theo, passando por dissidentes e apóstatas vindos do Islão, até defensores da Europa islâmica), e o livro tem som, movimento, música, olhares profundos. É muito bem escrito (infelizmente, com ruídos de tradução; a edição original é da Penguin americana), muito bem planeado, feito de raccords perfeitos, de delicadeza (a forma como descreve a relação com Ayaan Hirsi Ali), mas também de crueldade e de excelentes evocações (políticas, pessoais, históricas). Buruma apresenta Theo Van Gogh como um holandês «perfeito» (fatal, a sua descrição dos regentem): ríspido, irónico (curiosíssimas as suas observações sobre a ironia holandesa: é um valor em si, com certeza, mas é também um instrumento para não se fazer nada), directo, provocador. Ou seja, insuportável para Mohammed B., o seu assassino. A descrição da morte de Theo Van Gogh é fria, como um golpe de luz num retrato sombrio; é a partir dessa descrição que Buruma parte em busca da falta da identidade europeia e da natureza do Islão na Europa e naquele pequeno país onde toda a gente se conhecia.
[FJV]

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por FJV, em 17.08.07
||| Quando somos alguma destas coisas, 2.











Para conduzir um carro precisamos de estar sóbrios. Condutores alcoolizados enojam-me. Alcoolizados em geral, também. O meu pai definiu bem a coisa; ele detestava gente que não bebia e gente que se embebedava. Mas para conduzir um carro precisamos de estar sóbrios. Conduzir sob o efeito de álcool ou de drogas parece-me crime, mas é a minha impressão. Dois amigos meus morreram por isso e não estou para admitir desculpas. A coberto disso, começou a cata aos vestígios, com testes de despistagem rápida, verificações, análises ao sangue -- modos de apurar o estado de embriaguez e deliquescência dos condutores. Tenham cuidado, no entanto, com os limites: um dia, à porta do emprego, vão fazer o mesmo. Um dia vão «criminalizar-nos» pelo Xanax ou pelo Guronsan. Um dia seremos alguma destas coisas. Abençoados os que vivem no «reyno da perfeiçom»
[FJV]

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por FJV, em 16.08.07
||| Quando somos alguma destas nossas coisas.











Sabem de nós coisas estranhas que nós não sabemos. O que deixamos num lugar de uma biblioteca, num cartão multibanco, no cartão magnético de um hotel. Quando alugamos uma bicicleta ou preenchemos um papel insignificante acerca da rua onde moramos. Os retratos dos filhos, dos avós, dos netos, dos amigos, se mandamos emoldurar as fotografias. Os telefonemas que nos ouvem. Sabem de nós coisas estranhas. Quando pedem a nossa declaração de IRS em lugares comuns e fáceis. Quando passamos numa auto-estrada, compramos um bilhete para o cinema, ou dizemos os filmes da nossa vida, os livros que levamos para uma ilha – sabem tudo de nós. Sabem de nós coisas estranhas que nós não sabemos. Quando passamos numa fronteira, quando assinamos um papel, vamos ao banco, matriculamos os filhos numa escola, compramos um carro. Todos nos pedem a identificação. Sabem de nós coisas estranhas que nós não sabemos.
[FJV]

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