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Agualusa no Washington Post.

por FJV, em 20.10.08

Recensão do Washington Post ao The Book of Chameleons (tradução, na Simon & Schuster, de O Vendedor de Passados), de José Eduardo Agualusa.

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Agualusa em LA.

por FJV, em 22.06.08

No o Los Angeles Times

«Agualusa weaves a gorgeous and intricate story about a man who trades in memories, selling people pasts to help reinvent their futures. Set in Angola, the tale darts to and fro with the swiftness of a step over by soccer player Cristiano Ronaldo. [...]  He's a young master.»

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Agualusa em NY.

por FJV, em 21.06.08

Aqui está a crítica ao The Book of Chameleons, de José Eduardo Agualusa (trata-se da tradução de O Vendedor de Passados), na Time Out de Nova Iorque, desta semana.

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por FJV, em 20.06.07
||| Agualusa na Casa Fernando Pessoa.








Hoje, quarta-feira, 20, na passagem para o Verão, lançamento do novo romance de José Eduardo Agualusa (As Mulheres do Meu Pai) na Casa Fernando Pessoa, a partir das 21h30. Primeiro, a apresentação do livro, propriamente dita; depois, festa africana com Elvis Veiguinha no DjSet, além de projecção das fotografias (de Jordi Burch) da viagem que está na base do livro, de Luanda à Ilha de Moçambique, sempre pela costa.
No jardim da Casa, cervejas brancas, ruivas e pretas, incluindo amostras de N’Gola e de Cuca, acabadinhas de chegar de Luanda.

Entrevista com José Eduardo Agualusa, na Antena Um.
Pré-publicação de As Mulheres do Meu Pai.
Capítulo 1, Parte I ||| Capítulo 1, Parte II ||| Capítulo 2, Parte I
[FJV]

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por FJV, em 31.05.07
||| PRÉ-PUBLICAÇÃO: As Mulheres do Meu Pai, de José Eduardo Agualusa.









(Os sonhos cheiram melhor do que a realidade.)


O meu pai é um homem de paixões. Durante alguns anos dedicou-se à fotografia e ao cinema. Comprou uma câmara de filmar, Super 8, que levava para toda a parte. Foi por causa dele e do seu entusiasmo, e por causa também daquela velha câmara, hoje minha, que me tornei documentarista. Lembro-me, eu era adolescente, em Lisboa, de Dário armar um pequeno écran na sala de visitas, e de projectar slides, ou filmes, sobre Lourenço Marques ou a Ilha de Moçambique. Num deles estou eu, com pouco mais de um ano, numa piscina, dentro de uma bóia com o formato de um pato, a bater na água com ambas as mãos. Ao fundo, o imenso mar anil. Noutro filme aparece a minha mãe com uma cana de pesca nas mãos. Dário via as imagens em silêncio, saboreando um Martíni. No fim, suspirava:
– Ah, Moçambique! Foram anos felizes. Às vezes sonho com aquele tempo. Depois acordo e ainda sinto nos lençóis o cheiro de África. Quem não sabe o que é o cheiro de África não sabe a que cheira a vida!...
Quando o avião aterrou em Luanda e abriram as portas, parei um instante no cimo das escadas e enchi os pulmões de ar. Queria sentir o cheiro de África. Mandume abanou a cabeça, infeliz:
– Merda de calor!
Enfureci-me:
– Ainda nem pisámos em terra e tu já protestas. Não sabes apreciar as coisas boas?
– Que coisas boas?
– Sei lá, o cheiro, por exemplo. O cheiro de África!
Mandume olhou-me, perplexo:
– O cheiro de África?! Cheira a xixi, caramba!...
Fiquei calada. Cheirava mesmo.

///


A verdade é que não sei ainda se a amo ou se a odeio. Falo de Luanda. A vivenda do general N'Gola fica no centro de um pequeno jardim tropical, com palmeiras, bananeiras, um lago redondo com repuxo e peixes vermelhos. Havia diversas mesas de ferro dispostas ao redor de uma piscina muito bonita. As pessoas conversavam tranquilamente. Bebiam e comiam. À mesa em que nos sentaram estava um jovem empresário – "importo vinhos e bebidas espirituosas", disse-me, ao apresentar-se – acompanhado pela mulher, uma rapariga gordinha, com um rosto perfeito, recém-formada em economia no Rio de Janeiro. Estava ainda um rapaz alto, de ombros largos, que me cumprimentou com alegre irreverência:
– Tia Laurentina, acertei?, a avó contou-me. Houve quem tivesse feito apostas sobre quantos filhos do avô Faustino, filhos desconhecidos, claro, iriam aparecer no funeral. Apareceram dois, você e um militar, lá do Sul...
Devo ter corado. Ele percebeu o meu desconforto:
– O que é isso? Não se zangue. Você faz parte da família. Lamento que não tenha conhecido o velho em vida. Ele era uma pessoa extraordinária. Estamos todos felizes por você ter aparecido. Eu, em particular, que ganhei uma tia tão bonita. Ainda não me apresentei? Perdão, chamo-me Bartolomeu, Bartolomeu Falcato, e sou o filho mais velho da Cuca...
Mandume interrompeu-o:
– Quantos filhos teve o seu avô?
Bartolomeu riu-se. Riram-se com ele o empresário e a mulher.
– Segundo o avô dizia, 18. Sete mulheres e 18 filhos.
– Era um homem africano – o empresário piscou-me o olho cúmplice. – Aqui em África ainda sabemos fazer filhos, não é como vocês lá na Europa. Quem está a salvar a Europa da implosão demográfica são os imigrantes africanos. Os europeus deixaram de fazer filhos. Têm, presumo eu, outras coisas com que se ocupar...
– Quantos filhos tem você?
– Eu?! Só um, mas eu ainda sou muito novo...
– Muito novo? Tens 33, meu camba. Aqui na terra já és cota. – Bartolomeu dizia isto às gargalhadas. – Lembra-te que a esperança de vida em Angola é de 42 anos. Já uma criança que nasça em Portugal pode viver 77 anos. Um angolano de 33 anos equivale a um português de 68. A tia tem razão, enquanto africano tu és uma fraude!
– E você, quantos filhos tem?
– Nenhum, tia. Sou uma fraude completa. Para começar, tenho esta cor, que não me dá credibilidade nenhuma enquanto africano. O mês passado fui a Durban a um encontro de escritores. Havia escritores de vários países da chamada África Negra, além de um americano, um indiano e uma jovem indonésia, por sinal linda de morrer. Alguns escritores não esconderam o espanto quando me apresentei, "Bartolomeu Falcato, angolano". Dois quiseram saber se viajava com passaporte português. A terceira pessoa que me fez essa pergunta, a jovem indonésia, teve pouca sorte. Explodi. Disse-lhe que no meu país só os polícias de fronteira é que costumam pedir-me o passaporte. Ainda lhe perguntei se trabalhava para os serviços de emigração. Ganhei uma bela inimiga, claro. Quer ver o meu Bilhete de Identidade, tia? Leia aqui, onde diz raça, consegue ver? Está escrito branco. Já o meu irmão mais velho, ali naquela mesa, sim, esse, o escurinho, foi classificado como negro. Irmão do mesmo pai e da mesma mãe. Pelo menos da mesma mãe é de certeza...
– Como é então, Bartolomeu?! – Ralhou o jovem empresário. – Vamos lá a mostrar mais respeito pelos cotas!
Bartolomeu riu-se. Dir-se-ia que estávamos numa festa de aniversário, embora eu tenha surpreendido uma ou outra senhora a limpar com o lenço uma lágrima furtiva. Dona Anacleta, não. Presidia à maior das mesas, muito direita, muito digna, comandando as empregadas com a simples autoridade do olhar. Bartolomeu pousou a mão no meu braço:
– Soube que é documentarista...
– Sim, sobrinho, venho sendo.
– Então já temos mais alguma coisa em comum, além do parentesco. Eu trabalho para a Televisão. Aqui podemos dizer apenas a televisão. Só há uma. Tirei um curso de cinema em Cuba. Além disso, escrevo. Publiquei dois romances.
Mandume reparou na mão dele. Não disse nada. Bartolomeu continuou:
– Também soube que pretende realizar um documentário sobre esta viagem que faz.
– Como soube?
– Neste país tudo se sabe. Tenho uma proposta. Talvez lhe interesse...
– Só admito propostas honestas...
– Esta é honesta, tia. Gostaria de filmar contigo, vamos tratar-nos por tu, está bem? Gostaria de filmar contigo um documentário sobre a vida do velho Faustino. Um road movie. A minha ideia seria partir de Luanda, com um bom jipe, e parar em todas as cidades onde ele viveu: Benguela, Mossâmedes, Cape Town, Maputo, Quelimane e Ilha de Moçambique. Entrevistaríamos as pessoas que o conheceram, músicos que trabalharam com ele. O Hugh Masekela, por exemplo, sabias que o velho tocou com o grande Hugh Masekela?...
Eu não sabia. Escrevo estas notas no quarto onde estamos instalados, no hotel Panorama, um edifício elegante, erguido sobre as areias da ilha. Tem o mar à frente e o mar atrás. Através da janela vejo as luzes da cidade reflectidas no espelho preto da baía. À noite, vista daqui, Luanda parece uma metrópole imensa e desenvolvida. A escuridão oculta o lixo e o caos. Penso no meu pai. Quis saber o que achava Mandume acerca da proposta de Bartolomeu.
– Uma completa estupidez! – gritou-me. – A nossa ideia era apenas filmar o encontro com a tua família. Ficamos mais duas semanas, conforme o combinado, e depois regressamos a Portugal.
Tentei argumentar. Quanto mais penso no projecto do meu jovem sobrinho mais me entusiasmo. Disse-lhe que me parecia uma excelente ideia e que me faria bem. Ajudar-me-ia a descobrir o meu pai. E em Moçambique poderia procurar Alima, a minha mãe biológica.
Imagine-se – e se eu encontrar a minha mãe?
– Sim, se a encontrares, o que é que lhe dizes?! – Mandume irónico. – Olha mamã, sou a tua filha. A filha que tu pensaste que tinha morrido no parto...
Irritei-me. Gritei:
– Já estou farta de ti!
Mandume saiu do quarto furioso. Bateu com a porta.
Passa da 1h da manhã e ainda não regressou.

Capítulo 1, Parte I
||| Capítulo 1, Parte II


[FJV]

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por FJV, em 30.05.07

||| PRÉ-PUBLICAÇÃO: As Mulheres do Meu Pai, de José Eduardo Agualusa.


(Capítulo 1) [PARTE I]

(Capítulo 1) [PARTE II]

[FJV]

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por FJV, em 30.05.07
||| PRÉ-PUBLICAÇÃO: As Mulheres do Meu Pai, de José Eduardo Agualusa [Edição Dom Quixote].
(Capítulo 1)

Oncócua, Sul de Angola. [Leandro, a partir daqui começamos em página branca]
Domingo, 6 de novembro de 2005.


Acordei suspenso numa luz oblíqua. Sonhava com Laurentina. Ela conversava com o pai, o qual, vá-se lá saber porquê, tinha a cara do Nelson Mandela. Era o Nelson Mandela, e era o pai dela, e no meu sonho tudo isso parecia absolutamente natural. Estavam sentados ao redor duma mesa de madeira escura, numa cozinha idêntica em tudo à do meu apartamento na Lapa, em Lisboa. Sonhei também com uma frase. Acontece-me frequentemente. Eis a frase:
– De quantas verdades se faz uma mentira?
A luz, filtrada primeiro por uma rede muito fina, presa à janela, e uma outra vez pelo mosquiteiro, a envolver a cama, deslizava puríssima, numa torrente incrédula, contaminando a realidade com a sua própria descrença. Virei a cabeça e dei com o rosto de Karen. Dormia. A dormir Karen volta a ser jovem, como suponho que era antes da doença (da maldição).
Estamos em Oncócua, num pequeno posto médico gerido por uma organização não-governamental alemã. Oncócua, como tantas outras vilas de Angola, foi desenhada com largas avenidas, para ser no futuro uma grande cidade. O futuro, todavia, atrasou-se. Talvez nunca chegue. Levantei-me com cuidado e espreitei pela janela. Uma enorme montanha, com o formato de um cone perfeito, flutuava no horizonte. Duas mulheres mucubais avançavam sem ruído. A mulher mais alta não devia ter mais de 16 anos, cintura estreita, pulseiras coloridas nos finos pulsos dourados; lembrei-me, ao vê-la, de um verso de Ruy Duarte de Carvalho – os seios: frágeis acúleos na placa do peito. Ruy Duarte escreveu belos versos sobre os seios das meninas mucubais. Compreendo-o bem. Se eu fosse poeta não teria outro tema. A segunda mulher cobria o tronco com um pano verde e amarelo. Mancava um pouco.
– São bonitas, não são?...
Karen estava sentada na cama, o cabelo castanho em desalinho. Disse-lhe:
– Sonhei com a Laurentina...
– A sério? Isso é bom. As personagens começam a existir no momento em que nos aparecem em sonhos.
– No meu sonho ela era indiana. Uma rapariga de cabelo liso, olhos grandes, pele muito escura.
– Não pode ser. Talvez meio indiana, não te esqueças que o pai é português...
– O pai? Qual deles?...
– Boa pergunta. O Faustino Manso era luandense, mulato ou negro. O que a adoptou era português, e o biológico...
– Não pensámos nisso...
– Tens razão, não pensámos nisso. Quem diabo era o verdadeiro pai de Laurentina?...

(Mentiras primordiais.)

Fecho os olhos e no mesmo instante regresso à tarde em que a minha mãe morreu. O meu pai recebeu-me à porta do quarto:
– Ela está muito agitada – murmurou. Tenta acalmá-la.
Entrei. Vi-lhe os olhos acessos na penumbra:
– Filha.
Colocou-me na mão um envelope:
– Chamam-me. Tenho de ir. Isto é para ti, Laurentina. Perdoa-me...
Não voltou a falar. Mais tarde apareceu Mandume. Lembro-me de o ver ajoelhado aos pés da cama, segurando a mão da minha mãe. O meu pai, em pé, de costas para nós. O meu pai, ou melhor, o homem que até àquela tarde eu acreditava que fosse o meu pai. Está agora sentado diante de mim. Tem um rosto seco, anguloso, com as maçãs do rosto salientes. A cabeleira é farta, grisalha, penteada para trás. Deve ter ensaiado a pergunta noites a fio na solidão do seu quarto de viúvo:
– De quantas verdades se faz uma mentira?
Fica calado um momento, o olhar perdido em algum ponto atrás de mim, depois acrescenta com ênfase:
– Muitas, Laurentina, muitas! Uma mentira, para que funcione, há-de ser composta por muitas verdades.
Olhos brilhantes, húmidos. Sorri tristemente:
– Era uma boa mentira, a nossa, uma mentira composta por muitas verdades, e todas elas felizes. Por exemplo, o amor que Doroteia tinha por ti era realmente um amor de mãe. Tu sabes disso, não sabes?
Olho-o atordoada. Levanto-me e vou até à janela. Posso ver dali o pátio iluminado pelo sol. A figueira que salvei, há anos, tirando-a de uma pequena jarra quebrada, numa lixeira, e plantando-a num enorme vaso de barro, está a dar-se bem junto à enorme chaminé em tijolo que divide o pátio. Cresceu muito, e muito torta, como é próprio da natureza das figueiras. A buganvília, ao fundo, já perdeu todas as flores. Janeiro declina. Um mês mau para se morrer, mesmo em Lisboa, onde até no inverno surgem com frequência, desgarrados e sonolentos, como papoilas dispersas num campo de trigo, dois ou três esplêndidos dias de verão.
O meu pai teria gostado que eu fosse um rapaz. Até aos 12 anos, ignorando os protestos da minha mãe, comprava-me calções, e boinas, e jogava à bola comigo. Temos uma ligação muito forte. Tivemos sempre.
– A ilha, papá, como é o tempo em Moçambique, nesta época?
A pergunta não o surpreende. Julgo que se sente aliviado por poder mudar de assunto. Suspira. “Em Janeiro”, diz, “costuma fazer muito calor na ilha. O mar é de um verde luminoso, a água quente, filha, chega aos 35 graus, uma sopa de esmeraldas”. Tira uma moeda do bolso, “Lembras-te?”, eu lembro-me, claro. Seguro na moeda. Vinte reis. Está muito gasta, mas ainda assim consigo ler a data sem dificuldade: “1824”. O meu pai encontrou a moeda numa praia da ilha, no primeiro dia em que lá chegou, o mesmo em que conheceu a minha mãe. Doroteia fazia 15 anos; Dário, 49. Foi, portanto, a 18 de dezembro de 1973. Nasci dois anos depois. Penso nisto, no meu nascimento, e uma revolta súbita toma conta de mim. Tenho consciência de que a minha voz se torna mais aguda e de que estou a ponto de chorar. Não quero chorar[1]:
– Estou aqui a tentar compreender como é que vocês foram capazes de me esconder uma coisa dessas durante tantos anos! Podes explicar-me?...



[1] Choro muito. Choro no cinema, nos casamentos, choro a ler qualquer coisa, eu sei lá, O amor nos tempos da cólera. Comovem-me os desastres ou as alegrias de amor dos outros, mas não me lembro de ter chorado alguma vez em razão dos meus próprios desaires.


[FJV]

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por FJV, em 29.05.07
||| As Mulheres do Meu Pai, de José Eduardo Agualusa.















A partir de amanhã, neste blog, pré-publicação de As Mulheres do Meu Pai, o novo romance de José Eduardo Agualusa. Aí ao lado está a capa da edição portuguesa (a da edição brasileira, da Língua Geral, já foi mostrada aqui), desenho de Henrique Cayatte, edição Dom Quixote. O lançamento é a 20 de Junho, mas depois de amanhã, na Casa Fernando Pessoa -- durante os Livros do Desassossego, de Carlos Vaz Marques --, Agualusa falará do livro e lerá uma passagem.
[FJV]

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