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Caro José: depois da nossa conversa de ontem, lá na SIC Notícias, tenho o gosto de lhe enviar esta capa para confirmar o que ambos dissemos. De facto. Nem o tradicionalmente alinhado A Bola conseguiu tanto.
Ricardo Quaresma não é apenas um jogador do FC Porto – ele é um artista no meio do futebol de régua e esquadro que os burocratas querem promover a todo o custo. Inconstante, extravagante, mau-feitio – e muito perto do talento puro, o do bandoleiro que de repente começa a dançar no meio do relvado e consegue passes estranhos, trivelas fantásticas. Esse mau-feitio prejudica-o, tal como a ambição fora de tempo. Nada disso o impede de figurar no quadro de honra. Jogadores como ele sentem-se bem no palco da tragédia, que é o do jogo de vida e morte. É um prazer vê-lo jogar; basta dar-lhe um mínimo de confiança. No flamenco, ele é um bailador que também canta, ora a solo, ora em coro mesmo quando desobedece. Vê-lo escondido, no balneário, de castigo – é um desaforo que não mereço.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
O miúdo Ronaldo devia ter vergonha na cara, mas o império da FIFA dá-lhe razão. Ele acha que está a ser tratado ‘como escravo’ no Manchester e quer ir para Madrid, onde fica mais perto não se sabe bem de quê – mas o leitor sabe (sim, há escravos ricos – mas não exibem a sua fortuna). Se tivesse um agente à altura, ele estava quietinho em Manchester, de mordaça, com o pé em repouso e a ver repetições do Bonanza. O problema dos talentos portugueses que andam nas primeiras páginas dos tablóides é que não conseguem sequer os mínimos olímpicos da sensatez. Ronaldo está talhado para o quadro de honra do futebol mas, como outras estrelas que se perderam, sofre daquela maravilhosa tentação pela estupidez. Não é o seu talento que é imbecil – é a cabeça, que às vezes até marca golos.
No futebol, a Natalie Wood volta sempre ou por que razão Pacheco Pereira fala de futebol com o lado errado do cérebro. A crónica de Ferreira Fernandes no DN de hoje.
O Vitória de Setúbal ganhou a Taça da Liga; foi uma vitória contra o “destino português”. Recuei no tempo e lembrei-me de Nandinho, o capitão do Vitória de Setúbal em Dezembro de 2005, a assumir “a corrida ao título”. Evidentemente que era um excesso. Ninguém compreendia uma equipa que estava em terceiro lugar, a dois pontos do FC Porto, com salários de quatro meses em atraso. Um jornalista perguntou-lhe então: “Mas sente que têm condições para correr para o título?” Nandinho nem sorriu: “Não. Condições não temos.” A isto chama-se contornar o destino num país em que “as condições” nunca estão reunidas. A carreira do Vitória de Setúbal (o clube com orçamento mais baixo no campeonato português) e a história do trabalho de Carlos Carvalhal e daqueles jogadores deviam reconfortar-nos e servir-nos de lição. Nem tudo se vence com dinheiro e “condições”. Há um brilho de vontade e de desafio nesta vitória do Setúbal. Assim se portasse a pátria, mesmo sem chuteiras. Uma lição.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
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