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Éramos da mesma idade mas de gerações diferentes. Ela chegou antes a vários lugares – a muitos livros e intuições. Tereza Coelho, que agora partiu, não foi apenas uma das nossas melhores jornalistas da área da cultura; foi também uma editora que mudou o mundo à sua volta. No ano passado morreram dois editores invulgares, corajosos e cultíssimos, que transformaram o mundo da edição, Rogério de Moura (Livros Horizonte) e Figueiredo de Magalhães (o genial criador da Ulisseia). De algum modo, é uma parte do mundo da edição que desaparece e fica mais pobre. Não podia ser de outra maneira: editar não é publicar livros. É chegar antes a vários lugares; aos livros, mas sobretudo aos livros que fazem falta a alguém que não é como nós. É escolher. É imaginar. Imaginar o mundo.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
[Foto de Margarida Ferra, no Bibliotecário de Babel]
Morreu José Manuel Rodrigues da Silva, 69 anos, editor do JL, jornalista que conhecia há muito, do Diário Popular, do Diário de Lisboa ou de O Jornal. Doente há algum tempo, prometia resistir mesmo quando desanimava. Era um homem de outro tempo, rodeado de livros e de cinema. Vai, agora, encontrar-se com outros amigos para continuar conversas interrompidas.
Viajante, ensaísta, memorialista (Peregrinação Interior), editor (na Moraes), ficcionista (O Riso de Deus) – o António Alçada era sobretudo um conversador e um sedutor. Ele seduzia as pessoas com quem se cruzava ao longo da vida, e seduzia os seus leitores com aquele tom suave, como é a inocência da sua obra. Estabeleceu uma ponte entre os dois regimes, em 1974 (as suas Conversas com Marcelo Caetano foram uma última tentativa de ler o regime e O Tempo e o Modo uma forma de o mudar). Tinha uma inteligência muito intuitiva, o que o levava a pensar com leveza sobre coisas profundas. E chegava antes dos outros a conclusões que poucos hoje lhe atribuem. Isso fazia dele um homem generoso de quem era difícil não gostar. Muita gente lhe deve muita coisa.
O poeta Ramiro Fonte (que era, também, director do Instituto Cervantes de Lisboa) morreu em Barcelona este fim-de-semana.
[Ramiro Fonte em Barcelona,
em Junho deste ano]
PROMESA
Quizá fuesen mejores
Nuestros corazones cuando eran frágiles
Y algún golpe de mar, o la noche de julio
Pudieran abrirles las calladas heridas
Que ahora, y para siempre, llamaremos nostalgias.
Quizá fuesen mejores cuando eran
Cual regatos ligeros o lluviosas tardes
Que mojaban la infancia y partían
Un dominio común; un valle abierto,
Inmensos arenales, aquel balcón
Detenido en la presencia de pulidos geranios.
No eligieron barcos para partir lejos;
Ni la brisa liviana de un verano
Para que los apagase, con su fuego insumiso.
Semejantes a los hombres, desearon
A los árboles antiguos de esta tierra.
Adeus, Dinis. Até amanhã, entre fumo e histórias — as de futebol e andorinhas, as que nos enchiam de riso e as que havemos de contar ainda.
Dinis Machado, o autor de O Que Diz Molero, morreu hoje, sexta-feira. Ele era, também, Dennis McShade.
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Dinis Machado é o autor de um dos livros que, se fôssemos mais tocados pela palavra «gratidão», elogiaríamos com mais frequência: O Que Diz Molero, publicado quando a ficção portuguesa não sabia que era portuguesa e ignorava que tinha de trocar de bandeiras, por volta de 1977. O Que Diz Molero, o livro que não envelhece, foi o primeiro grande best-seller de ficção portuguesa depois da revolução e transportava uma imensa alegria nas suas páginas. Ora, na época em que a chamada «literatura policial» não se escrevia em nome próprio (até porque, no Portugal de Salazar, não havia razões para que os romances se ocupassem de crimes lusitanos – que «não existiam»), Dinis Machado inventou um personagem admirável, o assassino Peter Maynard (devedor de Pierre Ménard, a quem Jorge Luis Borges atribui a proeza de reescrever o Quijote palavra a palavra), e um pseudónimo adequado para figurar como autor: Dennis McShade. [Do Editorial da LER 72]
Fotografias de Pedro Ornelas.
Morrem mais de mágoa, na tradução portuguesa do livro de Bellow — só para dizer que isto não fica assim. Só agora soube (pelo Ivan) que morreu o Pedro Ornelas, autor de um dos meus blogs preferidos.
O desaparecimento de Alexandre Soljenitsine não significa hoje grande coisa para a maior parte das pessoas, mas a verdade é que o escritor que denunciou tão abertamente os campos de morte soviéticos poderia ter outro destino se não fosse o Gulag. Soljenitsine foi odiado pela esquerda que continuou a proteger, mesmo depois da ‘perestroika’, o direito de o socialismo matar e condenar milhões à fome e ao terror. Tal como Tolstoi, foi um moralista e um homem religioso; como muitos outros, nunca conseguiu sobreviver longe da ‘mãe Rússia’, ocupada pelo comunismo primeiro e pelos gangsters do capitalismo depois. A velha Rússia de Tolstoi, de Gogol, de Akhmatova ou de Brodsky, foi para si uma lenda amável e dolorosa. Mas os que o condenaram ao Gulag e ao silêncio não lhe sobreviveram.
[Da coluna do Correio da Manhã.]
Trabalhei com ele. Li os seus livros. Almoçávamos de tempos a tempos. Apresentou um dos meus livros. Apresentei um dos dele. Tinha por Alfredo Saramago um grande respeito, uma amizade cúmplice e malandra -- e a gratidão pelos charutos que trocámos. Outro dos grandes homens cultos da minha terra que desaparece. Aos setenta anos a poeira da terra saberá reconhecê-lo.
Maio está a ser muito pesado para mim.
Nunca se devia dizer nada, nunca se devia chorar desta maneira. Torcato Sepúlveda, amigo de muitas horas, de muitas conversas, meu companheiro de tanta literatura gasta e por gastar, a voz, a fúria, a zanga, os livros, a memória de muitas páginas, o leitor amável, o leitor furioso, o céptico entusiasta, os bancos de jardim, o Jardim da Parada logo de manhã, os jornais, as estantes, os bares, as varandas sobre a planície. Nunca se devia chorar desta maneira a quem nunca se dirá adeus, adeus, adeus, mesmo que essa palavra exista, mesmo que essa palavra não exista lá, para onde vais.
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