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Manuel Jorge Marmelo no programa «Libro Aberto», da televisão galega, entrevistado sobre o seu novo romance, As Sereias do Mindelo.
Há uma coisa interessante no adeus de João Bénard da Costa na Cinemateca: dois coros de assobios. Um deles, habitual em todas as actividades, é o coro de ressentimentos contra quem ocupou um lugar só porque esteve na Cinemateca depois de Luís de Pina, um dos nossos outros «apaixonados pelo cinema» (sem ironia nenhum); o outro, mais estranho, é o das «conjunções adversativas» – Bénard era muito bom «mas» dirigiu a coisa como se estivesse em casa. Verdade que ele estava em casa. Graças a ele e às suas equipas a Cinemateca foi o que foi: um lugar para ver cinema, para ir protegendo os clássicos (coisa fundamental, como se esquecem com alguma frequência) e para se falar de cinema. Bénard da Costa esteve lá muito tempo? Sim. Conhecendo o saco de gatos que é cada «área da cultura», melhor que fosse Bénard, respeitado e com história, do que um «moderno» que estivesse na disposição de tanto modernizar a Cinemateca que ela deixaria de fazer sentido e estaria a concorrer com as salas comerciais ou com os ciclos de vídeo. A Cinemateca, desculpem lá, deve ser um museu e, já agora, um museu do cinema; o destaque essencial e quase absoluto deve ir para os clássicos e para o património do cinema – apesar de muita gente ignorar o trabalho subterrâneo da Cinemateca em matéria de preservação e restauro, por exemplo. Pessoalmente, e das pessoas que conheço (uma delas é minha amiga), só vejo duas ou três com perfil para dirigi-la neste sentido. Bénard imprimiu um gosto pessoal à programação da Cinemateca? Sim. E estranhava-se o contrário.
Mas agora há outra coisa perigosa. Chama-se Pedro Mexia. O João Gonçalves acha que o ciclo vicioso vai continuar. Eu escrevi «Pedro Mexia é um nome capaz de renovar a casa», coisa que me pareceu inocente, e o João atribui a esta afirmação a suspeita de Mexia se estar a transformar em «outro sério candidato à eternidade e a novo cortejo de amigos» (do qual eu faço parte, portanto, o que é estranho porque não tenho nada a ver com o assunto nem frequento os «interesses do cinema»). Percebo isso noutras pessoas, mas aborrece-me que o despeito cresça e que a suspeita se multiplique, sobretudo a partir de pessoas que prezo muito, como o João. Acontece que o Pedro Mexia (que, quando apareceu nos blogs e nos jornais, era tratado como um vagabundo «de extrema-direita», «jovem turco», «jovem velho», etc.) é uma das pessoas mais talentosas quer para escrever sobre cinema, quer para falar sobre literatura, quer para fazer o que lhe apetecer, excepto, salvo erro, ser um burocrata da política e da cultura ou lidar com ele próprio (o que faz dele uma pessoa ainda mais séria). Tenho uma grande admiração pelo Pedro Mexia, que não deriva, apenas, de ser amigo dele – num mundo de ignorantes e de meias leituras, de nababos experimentais e de gente sem humor, o Pedro Mexia nem precisava de muito esforço para se distinguir. Mas, como é uma pessoa séria (mesmo que não se concorde com ele nisto ou naquilo), ele trabalha muito, não diz as coisas por dizer e não precisa de um partido político para ser quem é. Num mundo de pequenos sevandijas incultos, isto não faz apenas uma pequena diferença; faz toda a diferença. Portanto, caro João, eu não faço parte de um «novo cortejo de amigos» de Pedro Mexia; eu faço parte do «velho cortejo de amigos» do Pedro Mexia; e isso aplica-se a outros amigos, em cujos «velhos cortejos» me incluo e dos quais só sairei muito dificilmente. Sei distinguir o que é pura amizade da admiração intelectual, e suponho que sei distinguir aquilo que é o «valor intelectual» da «capacidade para exercer um cargo» (sendo que há pessoas com grande «capacidade para exercer o cargo» que não têm «valor intelectual» substantivo). Acontece que o Pedro Mexia tem ambas as coisas, embora ele suponha que não tem a segunda delas e nunca se pôs em bicos de pés para chamar a atenção para a primeira.
Suponho, também, que de entre as pessoas capazes de gerir a Cinemateca (e entre as quais estão essas «duas ou três com perfil») é preciso procurar alguém capaz de manter um «perfil clássico» para a instituição. Porque é esse o seu papel. Num país onde tudo tem de ser «novo», «moderno», «atrevido», «divertido», «inovador», «fracturante» e, até, pasme-se, «jovem», tem de haver instituições que mantêm o seu perfil clássico, conservador, de museu, tranquilo, e até regular. A Cinemateca, até porque o cinema está sempre a fazer-se, é uma delas.
PS - Disto isto, há ainda o seguinte: não conheço pessoalmente Bénard da Costa. Li os seus livros e acompanhei, como toda a gente, a programação da Cinemateca. A única vez que falámos, num festival de cinema algures, ele cravou-me um cigarro e eu ouvi-o, deliciado, a falar sobre, repito, as mamas de Jane Russell, que nesse dia tinha chegado a Lisboa e matéria sobre a qual tinha escrito um artigo no O Independente.
Lançamento de Amor e Ódio, de Filipe Nunes Vicente na Bertrand/Dolce Vita, em Coimbra. Sala cheia de amigos e leitores, apresentação de Paulo Mota Pinto. Tudo até bem tarde, como convém.
Hoje, 9 de Dezembro, na Livraria Bertrand do C.C. Dolce Vita, em Coimbra, pelas 21.30h, vamos estar com o Filipe Nunes Vicente no lançamento do seu novo livro, Amor e Ódio (edição Quetzal). Paulo Mota Pinto apresenta.
Alguns textos do livro:
«Anos a fio a ouvir histórias de amores e é sempre a mesma coisa: elas querem tudo, eles só querem uma coisa. Se há um amor feminino, ele é uma mancha de óleo no mar do norte. Elas querem filhos, carinho, segurança, dinheiro, diversão. É um amor adulto, total, absoluto.
Se existe um amor masculino, ele enrola-se na posse. O corpo delas, evidentemente, mas também a cabeça. O ciúme masculino é sempre um adiantamento que a imaginação faz ao lençol. Mas esgota-se quando chega o novo catálogo. É um amor igual ao que as mulheres têm por um par de sapatos novos.»
«Ter prazer é o programa oficial para a família ocidental de hoje. É um bom programa, melhor até do que o anterior que assentava na cooperação e na reprodução. O problema é que é um programa curto. A maioria das pessoas divorcia-se porque deixa de ter prazer na convivência com o outro. Este desprazer pode advir da essência ou dos reflexos dos aromas ( jogo subterrâneo, recusa da humilhação, etc). Uma vez livre, a pessoa inicia outro projecto de prazer familiar. Tudo correcto. Subsiste, no entanto, um pequeno aroma a rolha na degustação. A antiga estabilidade da família , robusta e encorpada, desaparece para dar lugar a um arranjo molecular altamente volátil. Como ainda somos animais, transportaremos este hábito para o espaço social ( repetição, repetição, já dizia o Deleuze das longas unhas). Daqui decorre que em breve os alunos de sociologia substituirão a ladainha "o homem é um ser social" por outra mais tautológica: "o homem é um ser individual".»
«A crueldade pode portanto ser crime ou afecto, mas é sempre eficácia em movimento. A decisão, o ataque à garganta, a escolha do momento absolutamente certo. Pode ser própria do mais fraco, mas bem executada altera a correlação das forças. Clausewitz demonstra como Frederico II, em inferioridade numérica, ganhou a batalha de Leuthen: enviou o grosso das tropas ao coração dos austríacos. A crueldade é, frequentemente, o que em cada momento é necessário fazer, e o momento não se julga; quando muito, há-de julgar-nos.»
«Podemos falar da traição. Com ou sem casamento, hetero ou gay, cyborg ou simiesca, ela existe sempre. Menos nos leões. O leão assiste o seu pride e nunca é traído enquanto vive ( já não assiste ao saque do invasor); também nunca trai as sua fêmeas, só acasala com as mulheres do grupo. Um arranjo interessante. As leoas são livres da esperança que ainda infecta as mulheres obedientes: podia ser que ele mudasse, esperei que ele ficasse mais carinhoso. Tudo em troca do perdão que assegurou a unidade da célula. Um arranjo não menos interessante. Os poucos homens que perdoam não esperam nada a não ser o segredo e uma imaginação misericordiosa; os leões pagam com a vida.»
«Há mulheres que enquanto remodelam ou compram casa nova e familiar já pensam em deixar o marido. Tenho deparado com várias e fico sempre a olhar para elas. Extasiado. Como é que coabita naqueles cérebros a ideia de alargar o ninho e a vontade de despachar o providenciador de genes? A resposta é simples: aqueles cérebros são muito mais sofisticados do que os masculinos. Diante de um marido irremediavelmente bronco e sem conserto, elas apostam naquilo que ele lhes pode ( ainda) oferecer: ajuda para melhorar a caverna. Uma vez concluída a obra podem finalmente despachar o taralhouco. A cultura actual - subsistência garantida e sexo sem coacção - recuperou uma velha e paleolítica aspiração feminina: palerma, homens há muitos!»
«A morte nunca morre. O tempo encarrega-se da reanimação consecutiva. O amor morre com frequência: umas vezes à nascença, outras devido à seca extrema, com frequência levado na tempestade. A morte esconde-se em fotografias, nas janelas entaipadas, no nariz tantas vezes. Como não vive, não envelhece. Está sempre disponível, é forte, concreta e fiável. Fingimos que o amor nunca morre porque somos dados ao espiritismo.»
«Se a culpa fosse um animal seria uma hiena. Fisi ou m'Pisi tanto faz: chega de noite e come qualquer coisa. É longeva, a besta. Julgo mesmo que sobrevive às recordações dos episódios, pelo menos de forma mais intacta. Como todos os scavengers, a culpa é um agente ecológico. Não fosse ela e seríamos tentados a pensar que tudo aconteceu devido a uma sucessão de imponderáveis; não fosse ela e as sobras das nossas acções apodreceriam ao sol. Assim apodrecemos nós.»
Não é que a insígnia de Comendador das Artes e das Letras valha mais ou menos por ter sido atribuída pelo governo francês a António Lobo Antunes; mas apenas relembro que o meu relapso companheiro de blog, Manuel Alberto Valente, vai ser armado Cavaleiro das Artes e das Letras; ou seja, para mim, muito melhor distinção. Orgulho é assim mesmo. Defendo os da casa; e mais: preferiam ter um comendador ou um Cavaleiro (que, no caso, é também um cavalheiro)?
Para que conste, o encontro com o Tomás foi a uns bons metros de altitude, mas maneirinhos, a fim de comer grão com acelgas, arroz de feijão e outros elementos onde havia hidratos de carbono e parcimónia de proteínas. A foto foi tirada pelo meu relapso companheiro de blog.
Manuel Alberto Valente é o convidado de hoje de Carlos Vaz Marques. Às 19h10, na TSF.
Para ouvir aqui.
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