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Crianças no meio do Verão.

por FJV, em 07.08.08

 

O país anda metido com o Verão à beira dos Jogos Olímpicos e entrou em Agosto com uma comunicação que lhe fez o Presidente da República – mas, algures numa estrada algarvia (a notícia vinha no Correio da Manhã), longe das primeiras páginas, que também mencionam o ataque que o fisco vai lançar por toda a Pátria, um pai abandona os seus dois filhos gémeos de 11 anos. Repare-se: não os entrega a alguém. Não. Deixa-os numa estrada do Algarve, de noite, entregues a si mesmos e à mais severa das solidões. Casos assim multiplicam-se, parece. O gérmen da maldade manifesta-se de muitas formas, mas imagino a solidão e a dor dos dois miúdos de onze anos que o pai acaba de expulsar do carro, a meio da noite – e acho que uma onda de pânico devia tomar conta de nós e mostrar-nos como perdemos a vergonha. Morremos aos poucos.

[Da coluna do Correio da Manhã.]

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5 comentários

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De Dois em um a 07.08.2008 às 23:24

A vergonha e o tino, perdemos ambos.
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De Alexandra a 08.08.2008 às 18:01

Que coisa vergonhosa esta notícia. E o pai, anda por aí impune? Curiosamente, e apesar do mês de Agosto, pensei que este post merecesse acalorados comentários dos leitores e revoltas genuínas.
Mas não. Talvez seja mais interessante comentar outros delírios como "é ou não Sousa Homem um pseudónimo de FJV"...
Entretanto, devíamos todos envergonharmo-nos de que notícias destas passem quase despercebidas e do mundo tenebroso que estamos a construir. Sem valores nem sentimentos, nem mesmo os mais básicos...
Não tendo filhos, apenas dois sobrinhos, envergonho-me e realmente fico em pânico porque andam por aí muitos pais como este.
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De Rui a 08.08.2008 às 19:21

Gostaria de poder dizer que a culpa é de Sócrates que instituiu um clima de falsidade, de crueldade e de inveja, e erigiu tudo isto a valores do regime.
Gostaria de poder dizer que a culpa é das pessoas que acham que ser-se bom não dá "pica".
Gostaria de poder dizer que a culpa é do dito pai. Mas sobre isto nada sei dizer, porque tudo o que se diga é dizer pouco.
Posso dizer que a culpa é minha por todas as vezes em que fui cruel, ou em que deixei passar em silêncio a crueldade dos outros. Isto, eu sei.
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De Rui Vasco Neto a 09.08.2008 às 02:44

Foi um verdadeiro pai-herói, altruísta e visionário, aquele que abandonou os seus dois filhos gémeos de 11 anos de idade em plena Via do Infante, para andarem três horas a pé até serem encontrados. Vivos. Não estou a ser irónico nem se trata de um floreado de escrita. Acredito de facto que aquele homem fez pelos seus filhos o melhor que podia ter feito e o máximo que conseguiu. Para os dois garotos não poderia ter acontecido melhor. O primeiro pequeno passo daquelas duas crianças naquela noite, esse primeiro dos muitos, muitos passos que ambos tiveram que dar para percorrer os tais 15 kilómetros que palmilharam, três horas no escuro, terá agora que se transformar num grande passo para toda a humanidade que possa existir ainda na sociedade portuguesa. Que é como quem diz para toda a humanidade que possa morar no coração de cada um de nós, no meu, no teu, no daquele e no do outro, e mais no do juiz que lhes julgar o caso, e mais no da assistente social que os entrevistar, e mais por aí fora, mais e mais.

Porque se não for assim, se aqueles dois garotos forem obrigados a dar mais algum passo, sozinhos, mal acompanhados, naquela mesma estrada em que a vida os colocou de berço, sem que haja uma intervenção de facto e não de telejornal nas suas existências, então seremos todos nós, sou eu e és tu e a tal assistente e o tal juiz e Portugal inteiro a deixá-los outra vez abandonados à noite escura numa via rápida de perigo, enquanto seguimos, canalhas, a nossa viagem individual. Cagando para eles e para a sua triste sorte. E andando, sempre, mas a chamar os piores nomes àquele triste pai que fez o que pôde para os salvar de si próprio.
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De Mónica a 09.08.2008 às 10:36

estas notícias são só a pontinha de um iceberg pavoroso que é o sofrimento de muitas crianças que, na grande maioria dos casos, nunca se torna evidente.

quando foram deixados à beira da estrada eram tantas da manhã e andavam de carro com um pai bêbado. onde estiveram até essa hora? como foram as outras noites dessas férias de pesadelo? muitas outras crianças passam por situações destas repetidamente, diariamente abandonadas à sua sorte. e quase nunca se sabe de nada.

é como se uma bolsa de Mal resistisse sempre, invencível, à margem de um mundo que tem tudo para ser melhor.

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