De Quando Pacheco Pereira não convém... a 22.06.2008 às 18:00
16.12.07
11:24 (JPP)
O "MEIO"
Eu li o livro de Carolina Salgado com atenção e não devo ter sido o único. Pelos vistos, as polícias também o leram. Não vi ainda o filme feito a partir do livro, em que cada personagem fictícia é colada à personagem real. O Correio da Manhã fez até uma interessante página central em que para cada personagem do filme lá estava a figura real, a família Salgado, Pinto da Costa, o ex-presidente do Conselho de Arbitragem, o vereador de Gondomar que foi espancado, o major, os advogados, os médicos, os empresários do futebol à volta do clube, o líder da claque do FCP, Joaquim Oliveira, o patrão da Olivedesportos, tudo e todos num filme chamado Corrupção. Se os incomoda a figuração e o retrato não sei, o que sei é que é tudo público e conhecido com mais ou menos verosimilhança e ficção, e o retrato é aquele. E das duas uma: ou aquilo é para tomar a sério ou é de faz-de-conta. Parece que é de faz-de-conta.
Eu li o livro de Carolina Salgado com interesse, não pela absoluta veracidade do que lá vem, que cabe às polícias julgar, não pelos motivos dúbios da autora, não pela mão que possa haver de outrem na sua execução, mas sim pelo que ele comporta de descrição perfeita, psicológica, antropológica e sociológica de um "meio" que muitos conhecem mas preferem ignorar, ou por complacência, ou por cumplicidade, ou apenas por medo, puro e simples medo. E se o livro de Carolina Salgado acrescenta o detalhe dos actos individuais vistos de dentro, aquelas fabulosas histórias dos chocolatinhos aos árbitros, esse mesmo "meio" está retratado também nas escutas telefónicas do Apito Dourado, nos mil e um incidentes que envolvem a claque do Futebol Clube do Porto (seria bom conhecer os relatórios policiais e do SIS sobre a perigosidade desta claque), nas violências públicas diversas semeadas ao longo dos últimos 20 anos e que só têm em comum permanecerem impunes. Toda a gente sabe, vem nos jornais, é público, nada acontece. Há demasiado faz-de-conta para ser natural. Tem que haver cumplicidades.
Os incidentes naquilo que eufemisticamente se tem chamado a "noite do Porto" não estão longe deste "meio". Muitas personagens são comuns, muitos sítios são comuns, há fotos e circunstâncias comuns, amizades, companhias, más companhias, jantares, carros e seguranças. O relatório confidencial da PSP sobre a escalada de ajustes de contas entre grupos violentos que o Correio da Manhã publicou esta semana é um retrato preocupante não só sobre o que se está a passar, com o seu rasto de assassinatos, mas também da inacção das autoridades que, sabendo, nada fizeram, mesmo quando as vítimas as informaram das ameaças de morte, entretanto executadas sem dificuldade. As testemunhas calam-se com medo. É à luz destes factos que se devem entender as palavras de Mourinho quando veio ao Porto com seguranças e, perguntado sobre porque é que o fazia, respondeu: "Quando vou a Palermo tenho de tomar cuidado." O special one sabia do que estava a falar.
Pode-se dizer que faço uma amálgama indevida entre casos distintos que só têm em comum a ilegalidade dos actos? Significa isso que eu defendo que há uma causalidade de mando entre A e B? Só por má-fé e para confundir as coisas é que tal se pode afirmar. O que eu digo e repito é que há um "meio" muito pouco saudável no Porto, que se tem vindo a criar nos últimos 20 anos, que goza de consideráveis cumplicidades e complacências, policiais e políticas, no PS e no PSD, onde tudo acontece e parece que nada acontece, e que, quando se diz aquilo que é uma evidência, cai o Carmo e a Trindade.
Devia ter acrescentado jornalísticas, mas foi esquecimento. Fica aqui rectificado.
Não os meto no mesmo saco de responsabilidades criminosas como é óbvio, não digo que A foi mandante de B num crime determinado, nem nada que se pareça, nem confundo as instituições, nem o clube, nem a cidade, com os homens que se servem delas ou do seu nome. Apenas digo que o "meio" é comum e comunicante e que as sementes de violência, as protecções e cumplicidades, os serviços e os "servicinhos" não são estanques. A "noite do Porto" tem o seu dia. E digo mais: para atacar uma coisa tem de se atacar a outra e é preciso livrar o Porto dessa doença que lavra no seu seio. Só não vê quem não quer ver ou quem, vendo, tem...