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«Os livros de história pátria não deixaram de festejar os vencedores e os heróis do Mindelo, do cerco do Porto, de Angra e do teatro romântico. Portugal está cheio de derrotados que raramente mereceram atenção diante da hagiografia dos vencedores. Da desconhecida Dona Teresa, mãe do nosso primeiro rei, aos fidalgos que desafiaram o magnífico D. João II e por isso foram supliciados, passando pelos assassinos de Inês de Castro, por D. Leonor Teles e pelo seu conde, ou pelos vícios bonacheirões do nosso trono — há por certo, aí algumas injustiças no juízo dos nossos contemporâneos, habituados ao heroísmo das vitórias e à queima de arquivos. Ora, de alguma maneira, o retrato de D. Miguel lembra-nos a virtude da derrota.
O velho doutor Homem, meu pai, assegurava que ninguém no seu perfeito juízo sabia mais do que três ou quatro frases do discurso justificativo de José Acúrsio das Neves em defesa do Príncipe, e que provavelmente isso não teria importância porque as opções do passado não podem alterar-se dois séculos depois. O facto é que os homens não fortalecem o seu carácter colocando-se sempre do lado dos vencedores. Há uma estranha serenidade que só se adquire nas derrotas e, algumas vezes, na reclusão que deve suceder às humilhações. O nosso mundo não se compadece com esta filosofia despropositada - quer vencedores e, podendo, faz deles vencedores absolutos.
Por isso, quando enfrento o velho retrato do senhor D. Miguel, na casa de Ponte de Lima, iluminado pela penumbra do Verão, filtrada pelos freixos e pelas cortinas da família, penso que o mundo está bem feito. Não muito bem feito. Mas razoavelmente bem feito.»
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