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Escolas, e justiça pelas próprias mãos.

por FJV, em 07.03.08


Ontem visitei uma escola no concelho de Sintra. Era a “semana da leitura” numa escola cuja biblioteca está permanentemente aberta das 08h00 às 22h00 por devoção dos seus professores. Os de várias disciplinas, de Português a Educação Física e Geometria – cada um faz uma escala para garantir um dos objectivos internos da própria escola: mantê-la aberta nesse período. Havia alunos a ajudar no bar e no refeitório, porque não há pessoal suficiente. Alunos, funcionários administrativos e professores promoveram uma maratona de leitura. A ministra da educação pede a estes professores para “trabalharem mais um pouco”, coisa que eles já fazem há bastante tempo; ouvi alunos portugueses, africanos, indianos, do Leste europeu, a falar com orgulho da sua escola. Falando com eles, um a um, percebe-se entusiasmo em várias coisas. Acho natural, são professores. Percebo pela blogosfera uma grande vontade de fazer “justiça pelas próprias mãos” aos professores, mas vejo poucas pessoas com disponibilidade para ouvi-los nas escolas – não nas ruas, onde as parvoíces são sempre amplificadas, mas nas escolas, nos corredores da escolas, quando fazem turnos de limpeza, quando atendem alunos em dificuldade ou fazem escalas para Português como língua estrangeira para rapazes ucranianos ou indianos que não entendem sequer o alfabeto ocidental, ou quando tratam dos problemas pessoais de alguns deles (ou porque não tomam o pequeno-almoço em casa, ou têm dificuldade em aceitar um namoro desfeito, ou andam na droga). Os professores, estes professores, são um dos últimos elos (percebe-se isso tão bem) entre os miúdos e miúdas desorientados e um mundo que é geralmente ingrato. São avaliados todos os dias pelo ambiente escolar, pelo ruído da rua, pelas horas de atendimento, pelas reuniões que o ME não suspeita. Muitas vezes, as famílias não sabem o ano que os miúdos frequentam; não sabem quantas faltas eles deram; não sabem se os filhos estão de ressaca. Os professores sabem.

Essa vontade de disciplinar os professores, eu percebo-a. Durante trinta anos, uma série de funcionários que abundou “pelos corredores do ME” (gosto da expressão, eu sei), decretou e planeou coisas inenarráveis para as escolas – sem as visitar, sem as conhecer, ignorando que essa geringonça de “planeamento”, “objectivos”, princípios pedagógicos modernos, funcionava muito bem nas suas cabecinhas mas que era necessário testar tudo nas escolas, que não podem ser laboratórios para experiências engenhosas. Muitos professores foram desmotivados ao longo destes anos. Ou porque os processos disciplinares eram longos depois de uma agressão (o ME ignora que esses processos devem ser rápidos e decisivos), ou porque ninguém sabe como a TLEBS é aplicada. Ninguém, que eu tivesse ouvido nas escolas onde vou, discordou da necessidade avaliação. Mas eu agradecia que se avaliasse também o trabalho do ME durante estes últimos anos; que se avaliasse o quanto o ME trabalhou para dificultar a vida nas escolas, com medidas insensatas, inadequadas e incompreensíveis; que se avalie a qualidade dos programas de ensino e a sua linguagem imprópria e incompreensível. Sou e sempre fui dos primeiros a pedir avaliação aos professores, porque é uma exigência democrática e que pode ajudar a melhorar a qualidade do ensino. Mas é fácil escolher os professores como bodes expiatórios de toda a desgraça “do sistema”, como se tivessem sido eles a deixar apodrecer as escolas ou a introduzir reformas sobre reformas, a maior parte delas abandonadas uns anos depois. Por isso, quando pedirem “justiça”, e “disciplina” e “rigor” (coisas elementares), não se esqueçam de visitar as escolas, de ver como é a vida dos professores, porque creio que se confunde em demasia aquilo que é “o mundo dos professores” com a imagem pública de um sistema desorganizado, oportunista e feito para produzir estatísticas boas para a propaganda.

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26 comentários

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De diogo a 07.03.2008 às 03:57

ola bom dia

ha uma parte deste seu comentario que esta de certo modo ligado ao anterior sobre os crimes violentos

'' estes professores, são um dos últimos elos (percebe-se isso tão bem) entre os miúdos e miúdas desorientados e um mundo que é geralmente ingrato...'

nao que eu queira desculpar quem der um tiro noutrem...

mas de facto um miudo que cresca num bairro complicado das periferias de lisboa, ou entao no interior do pais, nao tem as possibilidades, nem as facilidades , que um de boas familias, etc

tal e qual como ha professores que fazem se dedicam com alma e coracao aos seus alunos e as suas escolas, e o francisco aqui elogia, ha umas tantas pessoas que se dedicam a tentar criar possibilidades para um futuro mais risonho para esses jovens. basta ver alguns dos projectos do

http://www.programaescolhas.pt/

nao e propaganda ou assim, e apenas um elogio que ha alguns e merecido tal e qual como no caso dos professores .
(tantas vezes se diz mal e tao poucas se elogia...)

bem haja






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De Cochise a 07.03.2008 às 10:00

Parabéns FJV . Disse, de forma incisiva (e muito bem escrita, como costume), aquilo que eu, e muita gente, pensa. Sou pai de estudantes do ensino público e fui, em tempos, professor. Já na altura (mais de 20 anos) fui confrontado com as "ideias" e "orientações" do ME, tantas vezes contraditórias e fora da realidade. Isso obrigou-me a que, na primeira oportunidade, fugisse do ensino.
Mas houve quem não desistisse e, entre eles, muitos bons e dedicados profissionais. Já os vi na rua, a protestar contra a forma como têm vindo a ser tratados. Sim, sei que também vi os "outros". Mas por isso é que é necessário fazer a destrinça. E esta "reforma", e estas "medidas", não fazem. Daí a minha solidariedade. E, já agora, peço-lhe licença para passar o seu texto para outros blogs que frequento.
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De Anónimo a 07.03.2008 às 10:18

Essa é uma parte do problema. A outra é a incompetência. Não vejo ninguém falar da incompetência generalizada de professores, tanto no privado como no público. Tendo acabado o Liceu no final dos anos 1990, quantos professores lembro agora que me marcaram, que lutaram pelos seus alunos em vez de cumprir maquinalmente os programas de certas paixões e certas "pgas's" ? dois ou três, dos quais apenas um se pode considerar realmente um guia. De resto, não me lembro da maioria dos seus nomes e dos seus rostos (e eu fui um privilegiado, porque estive num regime estável, nos dois lados), não me lembro do que me ensinaram, não me lembro do que (não) aprendi (e não me considero um aluno assim tão medíocre...). Mas lembro-me muito bem da prepotência, do "deixa andar", do pôr em causa notas anteriores "só porque sim", das humilhações, da falta de diálogo (a não ser por meio de canetas vermelhas escritas nos testes), de trazerem problemas pessoais para as aulas (mas supostamente só os alunos não o podem fazer), da nítida falta de jeito para ensinar, da disciplina de outros tempos, da falta de motivação, etc.

Até posso só ser eu, mas tendo estado no ensino nos anos 80 e ao longo da década de 1990, só posso chegar a uma triste conclusão: o ensino, a parte fundamental que cabe aos professores transmitir, falhou em toda a linha, deixando um enorme rastro de mediocridade. É o que penso. E esta, não vem de modelos ministeriais, mas de cada um e do tempo em que vivem.
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De jc@pedravermelha.com a 22.03.2008 às 05:42

Incompetência generalizada? Onde está o estudo que concluiu isso?
Esqueceu-se de seus nomes e rostos? Tem fraca memória, meu caro, e a culpa é dos outros?
Não se lembra de tanta coisa e os professores é que têm culpa? Só se lembra dos aspectos negativos porquê?
Feliz ou infelizmente não se esqueceu de saber escrever, vá lá... mas tb não se lembra de quem lhe ensinou a ler e escrever pois não?
O meu caro tem má memória e a sua ingratidão é um dos problemas do ensino, sabia?
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De António a 07.03.2008 às 11:07

Visitar as Escolas!?
Só pode ser brincadeira...
De todas as vezes que, voluntariamente, fui à escola secundária onde a minha filha estudou fizeram-me sentir um intruso.
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Visitar as Escolas!? <BR>Só pode ser brincadeira... <BR>De todas as vezes que, voluntariamente, fui à escola secundária onde a minha filha estudou fizeram-me sentir um intruso. <BR class=incorrect <a name="incorrect">Cumpts</A> </A>
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De Gotinha a 07.03.2008 às 14:36

De que forma se sentiu intruso? Como é que pode materialzar esse sentimento para que eu perceba melhor?
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De Cochise a 07.03.2008 às 14:42

Para Anónimo e António: não tomem a nuvem por Juno
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De Carlos Araújo Alves a 07.03.2008 às 15:02

Excelente texto. Uma história, sim, precisamos de uma história (narrativa) para melhor compreendermos...
Está tudo dito, estimado Francisco José Viegas? Sim, quase tudo que há para dizer no meio de tanto ruído e tontice. Acrescentaria só que (sei que não valeria a pena, mas ainda assim...), avaliar o desempenho de qualquer profissional implica avaliar o produto, o resultado. Ora, o produto de instruir é a aprendizagem do aluno e se esta não for avaliada em rigor não a mínima possibilidade de avaliar o trabalho do professor.
Avaliar a aprendizagem, nestes ou noutros tempos, é feito através de exames nacionais (nos finais de ciclo, por exemplo) e provas globais corrigidas cegamente nos restantes anos e a todas as disciplinas.
Se isto interessasse a quem governa seria muito fácil avaliar o desempenho dos professores, com rigor, seriedade e eficácia.
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De andré a 07.03.2008 às 16:21

O problema deste raciocínio é que a Escola não serve só (embora seja uma parte muito importante) para ensinar o que os alunos respondem nos exames, vai para além disso.
Além de que os exames não existem em todas as disciplinas.
Estes exames têm um papel importantíssimo como uma avaliação externa de uma parte do sistema, mas não do sistema todo...logo a avaliação dos professores não se deve basear em 6,5% nestes instrumentos (principalmente se esta avaliação tiver carácter punitivo).
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De Carlos Araújo Alves a 07.03.2008 às 20:03

Reconheço, caro André, que a Escola não serve só para ensinar, mas também reconheço que apesar de não servir só, deveria servir especialmente.
E se assim fosse, se em final de cada ciclo houvesse exames nacionais a todas as disciplinas e nos outros anos provas globais corrigidas cegamente, estou convicto de que todos saberíamos melhor o que aprenderam os alunos, onde os professores têm mais dificuldade em transmitir conhecimento, quais os que tê mais dificuldade de assimilar e..., e por aí fora, também no que à avaliação diz respeito.
Seria muito mais fácil(e justo, penso) um professor saber que iria ser avaliado po rum objectivo, por exemplo, de aumento de 10% nas classificações de cada um dos seus alunos

Abraço cordial
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De Carlos Araújo Alves a 07.03.2008 às 20:03

Reconheço, caro André, que a Escola não serve só para ensinar, mas também reconheço que apesar de não servir só, deveria servir especialmente.
E se assim fosse, se em final de cada ciclo houvesse exames nacionais a todas as disciplinas e nos outros anos provas globais corrigidas cegamente, estou convicto de que todos saberíamos melhor o que aprenderam os alunos, onde os professores têm mais dificuldade em transmitir conhecimento, quais os que tê mais dificuldade de assimilar e..., e por aí fora, também no que à avaliação diz respeito.
Seria muito mais fácil(e justo, penso) um professor saber que iria ser avaliado po rum objectivo, por exemplo, de aumento de 10% nas classificações de cada um dos seus alunos

Abraço cordial
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De Helena Bernardo a 07.03.2008 às 19:48

Não vou comentar o seu texto. Sou professora e sei bem de mais o que é ser professor, trabalhar numa escola com parcas condições e tudo o mais.
Aproveito apenas este espaço para referir que até hoje, depois da TLEBS ter sido suspensa, nada se sabe quanto ao seu destino. Só sei que continuo a dar as minhas aulas com um manual que tem a nova terminologia gramatical pespegada em quase todas as páginas, passando a vida a dizer nas aulas que não, não é essa a terminologia que devemos usar, mas sim a antiga.
É deveras uma vergonha. Suspendem programas ou seja lá o que for quando bem lhes apetece, fazem-nos passar por parvos e fazer figura de parvos.
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De joão melo a 07.03.2008 às 19:50

excelente post
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De Carlos Araújo Alves a 07.03.2008 às 20:04

Reconheço, caro André, que a Escola não serve só para ensinar, mas também reconheço que apesar de não servir só, deveria servir especialmente.
E se assim fosse, se em final de cada ciclo houvesse exames nacionais a todas as disciplinas e nos outros anos provas globais corrigidas cegamente, estou convicto de que todos saberíamos melhor o que aprenderam os alunos, onde os professores têm mais dificuldade em transmitir conhecimento, quais os que tê mais dificuldade de assimilar e..., e por aí fora, também no que à avaliação diz respeito.
Seria muito mais fácil(e justo, penso) um professor saber que iria ser avaliado po rum objectivo, por exemplo, de aumento de 10% nas classificações de cada um dos seus alunos

Abraço cordial
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De Paulo G. a 07.03.2008 às 20:21

Transcrito n'A Educação do meu Umbigo, com a devida referência e ligação.

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