Como estava escrito, Chávez procurava um pretexto para foguetório. No caso, as raízes não estão apenas no «afrontamento» colombiano mas num motivo mais antigo, que é preciso buscar em pormenores fatais: Chávez declarou que o fundador da Venezuela, Francisco de Miranda, é um inimigo da pátria. Francisco Miranda limitou as aspirações imperiais da Grande Colômbia, que o «mandatário» sempre teve em vista. O seu «bolivarianismo» (que pouco tem a ver com o legado de Bolívar) prende-se com essa tentação imperial e imperialista, só que alargada agora, das Caraíbas aos Andes bolivianos.
Não se pense que esta encenação militar é gratuita ou folclórica; ela é o anúncio do que Chávez pode fazer um dia, não muito distante, alimentado pelo tardo-trotsquismo de Alan Woods ou pela doença infantil europeia da revolução permanente (desde que não seja cá). Alguma esquerda europeia vê em Chávez o herdeiro do
bom revolucionário que, por sua vez, seria herdeiro do
bom selvagem; Chávez não se atrapalha com essas considerações históricas -- a «crise colombiana» terá consequências internas graves.
Para compreender o fenómeno, recomendo a leitura deste livro fundamental,
Del Buen Selvage al Buen Revolucionário, de Carlos Rangel, publicado pela primeira vez em 1976:
«O crucial é que a mentira não é só política, mas como diz Octavio Paz, constitucional, de maneira que quase nada do que temos feito ou dito, nós latino-americanos, tem espírito científico. Nas nossas formulações mais inteligentes, nos nossos actos mais sérios, costuma haver, deve haver algum grau de distorção, alguma acomodação à exigência social generalizada de que as coisas não sejam enfrentadas tais como são senão de forma que a América Latina não saia tão mal em relação ao resto do mundo e, sobretudo, naturalmente, aos EUA. No limite, essa constante cultural levar-nos-à a exaltar como heróis os que contribuem mais para o engano, e a desprezar como traidores quem tratou de dizer-nos a verdade.»
Veja-se, aqui, a
reacção de Raul Baduel, que pode dar uma ideia do que pode ocorrer com o exército.
Documentos.