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por FJV, em 24.05.06
||| Mais do que isso.










Chego a este estudo do Rui Bebiano (também de A Terceira Noite) e de Elíseo Estanque com a falta de surpresa que toma conta de mim quando deparo com as praxes e a miséria estudantil. Escrevi bastante sobre o assunto e de um desses institutos, algures na província, mandaram dizer que iam processar-me por eu ter dito que se tratava de uma barbárie, de uma deficiência neuronal e de uma manifestação de barbárie. Então, eu repeti, e acrescentei: «É mais do que isso.» É permitir que bandos de selvagens andem à solta, «punindo» o «caloiro», o que é vergonhoso. Como é vergonhoso ver universidades e institutos superiores que se manifestam indisponíveis para proibir aquelas formas de violência dentro dos seus muros -- ou seja, são coniventes com o abuso. Depois, mandaram um advogado, a quem eu disse que repetiria tudo. Nunca mais me processaram, nem quiseram tirar satisfações «nos locais próprios». Entretanto, uma estudante queixou-se às autoridades; e outra, e outra. Mesmo assim, diante dessas evidências, alguns responsáveis dessas escolas continuaram coniventes, cúmplices e imbecis. Sim, eles teriam o direito de proibir manifestações de violência e de abuso sobre estudantes. O estudo de Rui Bebiano e de Elíseo Estanque, segundo o JN, diz que «32,3% dos alunos da Universidade de Coimbra (UC) concorda com a prática de actos de violência física ou simbólica». Não me admira. Esse mundo miserável que vibra com desfiles de carros alegóricos, bênção das pastas, missas em descampados (com meninas pintadas à pressa, vestidas de homem, de cabelo escorrido), queima das fitas, é mesmo assim. Ide, pois, sujar o Choupal de latas de cerveja. Ide recordar os duces que viveram rodeados de garrafões, ignorância e mau hálito. Ide desfilar no meio de capas & batinas vomitadas, de cançonetas do pequeno Saul e de semanas académicas acompanhadas de Quim Barreiros. Ide reproduzir a alarvidade de tudo o que é triste e medonho e vos antecedeu nessa miséria. 18,4% admite que não lê livros e 29,6% utilizam automóvel próprio nas deslocações diárias. Não é preciso ter lido Vaneigem ou Guy Debord para conhecer esse retrato do fascismo, das coisas rasteiras, da selvajaria, do apodrecimento, da ignorância. O JN diz que o estudo apurou que «28% dos alunos discordam da ideia de que a praxe deve ser facultativa e respeitar quem não quiser aderir». Que bom. E que «mais de 80% dizem-se favoráveis à discriminação sexual, recusando qualquer revisão do código da praxe que iguale os direitos de homens e mulheres». Ide, portanto. Podeis dar erros ortográficos, fechar os portões da universidade (e desta vez a sério), recusar-vos a ler, frequentar o shopping, reprovar à vontade. Eu triplicaria as propinas para essa gente, até conseguir expulsá-los da universidade.

1. O João Miranda diz que se trata de vergonha universitária; é mais do que isso, mais do que isso.
2. Ler também este texto do Rui Bebiano (em pdf).

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29 comentários

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De Jordão a 02.06.2006 às 01:06

Sou pela praxe.
Na Universidade de Coimbra a discriminação sexual na praxe é ficção.
Leio livros.
Não usei transporte próprio.
Não sou a favor da violência. Nunca sofri ou infligi violência na praxe.
A praxe é facultiva e assim deve continuar a ser.
A praxe dura meia dúzia de dias durante o ano.
E paguei sempre as propinas a horas.
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De piscoiso a 25.05.2006 às 14:48

Seria preciso desmontar as cerimónias iniciáticas, que abundam por todo o mundo, e não apenas nas instituições universitárias.
Até para ser católico se tem de levar com água fria na cabeça e sal na boca.
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De Flávio a 25.05.2006 às 11:45

É assustador como muitas das imagens das praxes se assemelham às que nos chegaram do Holocausto nazi. Ressalvadas as devidas proporções, o princípio de aviltamento da pessoa é o mesmo. Recordo em particular a antiga foto de uma senhora alemã que trazia ao pescoço um cartaz onde dizia ser 'uma porca amiga de judeus' (sic) - e agora, reparem na primeira imagem que o Viegas colocou à direita deste post.
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De Flávio a 25.05.2006 às 10:39

Já agora, aproveito para dizer que, apesar de condenar as praxes e outras selvajarias académicas, não alinho nas teses daqueles que atiram a matar a tudo o que seja universitário, defendem as propinas milionárias e falam dos estudantes como uns alcoólatras ignorantes que não fazem nada. É verdade que há muito malandro, mas muitos mais são estudantes aplicados, que prosseguem os estudos com enorme sacrifício.
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De Flávio a 25.05.2006 às 10:35

Plenamente de acordo quanto à condenação das praxes e sublinho a parte da coacção moral. Ao contrário do que dizem os defensores da praxe, não há liberdade de escolha entre os caloiros.

Não é fácil dizer 'não' quando se é caloiro numa universidade. Ninguém lhes pergunta se querem ou não participar na 'orgia' e se porventura dissessem não, sujeitar-se-iam, no futuro, às maiores discriminações. Essa é que é essa.
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De nils a 25.05.2006 às 10:27

Nunca alinhei com estas práticas da academia. A primeira vez que se deu o MATA no ISCSP fiquei uma manhã inteira numa mesa para receber dois caloiros a quem informámos que a primeira semana seria só praxes. Esses alunos, vindos de fora, preferiram voltar para a "terra" durante esse tempo. Lembro ainda o Gilberto que andou à porrada com um veterano porque já tinha sido praxado no exército e não estava para o ser por miúdos que não tinham ido à tropa, principalmente depois de ter dito que não aceitava a praxe. Nessa primeira vez do MATA, uma senhora de alguma idade e muitos anos de casa a trabalhar na secretaria dirigiu-se-me para dizer que era a coisa mais bonita que se tinha feito naquela escola... Foi também a reacção mais bonita que recebi ao MATA. Assino por baixo o texto que aqui escreveu e poderia dar mais exemplos e histórias... Acho no entanto que as suas palavras têm a força suficiente. Um abraço pela lucidez!
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De Ricardo Pinto a 25.05.2006 às 04:14

Mas nada de moralizar.
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De Assobio a 25.05.2006 às 01:32

Orgulho-me de pertencer a uma geração que renegou completamente a praxe, a queima, a bênção e todos esses rituais que do antigamente vinham cheirando a mofo;
Depois de nós, outros acordaram o monstro.
Agora, o que temos são gerações pedantes e terceiro-mundistas, que se crêem imbuídas de poderes ilimitados, só porque vão ter um canudo.
Como se isso valesse alguma coisa...
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De Tiago Franco a 25.05.2006 às 00:06

Pois, eu estudo em Aveiro, não percebo nada do que aqui se diz...
Nós, que não tenho mais do que dois ou três cursos da área das humanidades, somos os mais civilizados. E julgo que a reitora (da Física) faz por os manter à distância.
Vamos a ter calma antes de julgar alguém por não ler um livro. Talvez o post não esteja infantil, afinal. Será mais "incocente", sem culpa.
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De sexlibris a 24.05.2006 às 22:16

E que tal o meu testemunho???????

Lamento, não me admiti qualquer dignidade depois de ter sido forçado (entre outras barbáries, que tento esquecer...) a "recolher uma colher de "Epá" com as nádegas, e desertei logo no início de um curso superior que poderia hoje significar maior realização profissional para mim, maior satisfação e auto-estima, melhor relacionamento com a fêmea com que acasalei, melhor suporte cultural e material para a minha descendência, e por aí em diante nas hipóteses.
Lamento, Francisco, mas há pessoas que o merecem: espero que os filhos da puta que me praxaram estejam neste momento a partilhar seringas e a ultimarem a sua porcaria de existência nesta terra, que se besuntem de merda como se num spa estivessem.
Vou zelar para que (zelar=seguir à distância de um milímetro, uma catana em cada mão) a minha descendência não tenha de suportar humilhações imbecis por quererem seguir as suas opções; isso é uma baixeza que não tolerarei. Nem que tenha de abrir as notícias da TVI com um (ou muitos...) escalpe(s) na mão. Já sacrifiquei a saúde e integridade de muitos amigos para a... como ser exacto? Aqui vai: A PUTA DA MERDA DO SERVIÇO MILITAR QUE ME DEVOLVEU OS AMIGOS FODIDOS COM DROGAS (especialmente, e outros problemas um pouco menores, por isso, senhore reitores do ensino superior, daqui a uns anos terão (espero) a minha descendência perante vós. Mas, cuidado, muito cuidado, eu estarei à espreita. FELIZMENTE para vós: sou perigoso, muito perigoso, por isso cuidai da vossa imprudente conduta, eu estou bem ciente de qual ela deve ser, e não tolero falhas, nenhuma, nenhuma sem intervenção (melhor apreendido como "retaliação").

Paulo G.

(Escola Superior Agrária de Bragança - início dos anos noventa)

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