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por FJV, em 12.04.06
||| Dia 19 de Abril, uma vela onde quer que seja.






Ainda não intervim no debate que corre animado pela blogosfera sobre a ideia, lançada pelo Nuno Guerreiro, de acender uma vela por cada vítima do pogrom de 1506. Quatro mil velas no Rossio, quatro mil velas na Lisboa que viu queimar, assassinar, perseguir. Eu preferia que se acendessem muito mais velas e não no Rossio, mas por todo o lado.
Também não quero intervir nesse debate (acompanhado de perto, com generosidade, pelo Lutz e pelo Rui). É, digamos, um debate que não me interessa. Explico porquê: discutir se o massacre dos judeus de Lisboa foi ténue, moderado ou pequenino em comparação com os campos nazis ou com a acção dos khmers, é uma coisa que me deixa envergonhado. Não tem discussão. A ignorância não se discute; ela sim, deixa-nos envergonhados.
Acender uma vela por cada uma das vítimas, ou acender uma vela por todas as vítimas do pogrom e dos assassínios cometidos na Lisboa de 1506, não significa senão isso: relembrar a matança da Páscoa de 1506 e as suas quatro mil vítimas. Lembrar. Não esquecer.
Não debaterei o significado da ida ao Rossio para acender uma vela, nem creio que isso tenha outro significado que não esse -- o de que a memória não pode ressuscitar os mortos, mas também não quer massacrar os vivos com a sua intromissão. Limita-se a ser isso: uma memória. Pessoalmente, assinalarei a data, assinalarei o facto e não entrarei em nenhum debate sobre o assunto. E também explico: o debate sobre isso está feito. Resultou em quatro mil vítimas a cujo destino de alguma maneira estou ligado. E resultou na destruição de parte da alma de um país, na morte, na expulsão e perseguição (até à paranóia) de milhares de portugueses. Isso não se relativiza nem se discute -- mas se alguém quer relativizar e discutir, a linha está livre. Há sempre lugar para os pobres de espírito, embora seja conveniente assinalá-los daqui em diante.
Se salvar uma pessoa é salvar todo o mundo, acender uma vela por uma das vítimas do pogrom de Lisboa é acender uma vela por todas elas. Onde quer que seja. Uns acenderão essa vela por causa da memória; outros acenderão uma vela para que a perseguição e o massacre não tenha sentido, nem hoje nem na nossa memória. Não se trata de uma peregrinação enquadrada pela política ou pela redenção da história.
Por outro lado, gostaria de deixar claro que me parece ridículo que o Estado português peça perdão pelo pogrom de 1506, pela Inquisição de Évora ou de Lisboa, pelo horror causado pelos frades dominicanos, pelos mortos que armazenou e pelo que deixou que se fizesse. As coisas estão feitas. O único perdão possível é não relativizar. A reparação é outra coisa, e só pode ser feita com o coração. Por isso, sim, eu vou acender uma vela no dia 19 de Abril. Nós vamos acender uma vela no dia 19 de Abril (no Rossio, na janela de casa, à porta da igreja de S. Domingos, na nossa rua, à porta da sinagoga, onde quisermos) e isso é uma coisa que não se discute. Que nem sequer está em discussão.

Adenda: parece que a ideia generosamente proposta pelo Nuno Guerreiro terá sido já «enquadrada» politicamente. É uma pena. Apenas espero que nenhum dos discursos nos envergonhe pela sua hipocrisia.

Textos de apoio no Rua da Judiaria.

Adenda 2: Parece que umas pobres almas, entretidas em metáforas de algibeira, se sentem instrumentalizadas com a ideia. Outras, mais do género imbecil, acham que não se justifica tanto empenho e que, enfim, é preciso «ter em conta a época». Há ocasiões em que é melhor deixá-los falar. O abjecto é sempre o abjecto.

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21 comentários

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De Arrebenta a 18.04.2006 às 03:01

A Paixão de Israel


Como Cidadão do Mundo, e, particularmente, como exilado interno lusitano, venho, através deste texto, associar este blogue a um dos momentos mais negros da nossa História Nacional.

Como está largamente documentado na Rua da Judiaria, celebram-se, no dia 19 de Abril, os 500 anos do infame massacre perpetrado pelos nossos antepassados sobre os antepassados dos nossos concidadãos de credo judaico. Um pouco por todo o lado se pede que nos associemos, e nesse dia acendamos, no Rossio, uma vela evocativa. Contudo, mais importante do que essa vela, convém que saibamos reacender a vela de uma memória interior.

Não me vou ater aqui a pormenores históricos, estão devida, e lapidarmente, descritos na Rua da Judiaria: em 1506, terão, por alto, sido chacinados e queimados vivos cerca de 4 000 dos nossos compatriotas, mais do que compatriotas, vizinhos de Lisboa, tão-só por uma diferença de credo, algumas referências de texto, e diferentes denominações daquele deus único dos 3 Monoteísmos.

Quando me falam de Judeus, de Cristãos e de Muçulmanos, imediatamente me acorre à ideia o Califado de Córdoba, onde, nos tempos intermédios da Reconquista, essas três religiões se uniram, para dar lugar a uma das mais espantosas florações culturais da Península, onde os pensares eram comuns, as sinagogas moçárabes, os príncipes cristãos versados nas línguas mouras, o filosofar árabe assimilado por todas as teologias, e as Igrejas de Cristo um lugar de cultos partilhados. Tudo o resto foi, depois, uma mera sombra cultural.

Portugal, país ingrato, mostrou-se sempre exímio em mutilar as suas melhores cabeças: num tempo de acolhimento, começou por juntar os restos dos perseguidos Templários com o ancestral Saber Judeu. Daí terá resultado a nossa única epopeia, a dos Descobrimentos, até que príncipes mal aconselhados, ao sabor das conveniências, resolveram substituir a Convivência pela Intolerância, obrigando ao exílio, à mentira da pele de uma religião forçada (o que é um cristão-novo, senão mais uma alma humilhada?...), e, por fim, a essa indesculpável hecatombe, iniciada em 19 de Abril de 1506.

Toda a nossa épica sucumbe nessa forçada Segunda Diáspora, onde as melhores mentes judaicas acabaram por levar o seu saber para as terras da tolerante Holanda, tornando-a na nova potência, que rapidamente substituiu o soçobrado Império Português.

Faz parte da cruz judaica a régua de dois saberes: 1) a de que mais tarde, ou mais cedo, ele será perseguido; 2) a de que, posto que essa perseguição inexoravelmente virá, lhe convém estar, ao máximo, preparado para ela. Isto gerou Judeus ricos, e Judeus sábios, e à volta disto, semeou-se sempre uma infindável história de mal disfarçadas invejas.

Quando ligo a televisão, tudo o que sinto de repulsa pelo presente xadrez de ódios do Próximo e do Médio Oriente consegue estender-se até esse dia de há 500 anos atrás. Dir-se-á que estão distantes, e que são povos que nos são quase alheios; todavia para quem invoca, repetidamente, o lema do país dos brandos costumes, relembro que esses bárbaros de há meio milénio atrás, também foram nossos antepassados, ou, por palavras outras, para que conste, que todos nós, Portugueses de hoje, deles descendemos, e descendemos em linha directa de culpa.

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