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Lerolero ambiental de pacotilha.

por FJV, em 30.11.22

O pequeno espectáculo em redor do julgamento dos “jovens ativistas climáticos” ludibria a natureza das suas reivindicações e o facto de muitos dos apoios que receberam serem uma espécie de bailarico dos apóstolos da “revolução permanente” que nada tem a ver com o ambiente. A agenda das ocupações de escolas e universidades, há umas semanas, é uma espécie de lerolero de pacotilha à mistura com milenarismo apocalíptico. Para a maior parte deles, como dos seus agitadores e manobradores profissionais, a questão não é ambiental – é apenas política e vagamente identitária. Nada contra. É possível pensar que basta acabar com o capitalismo para que o planeta se pareça com uma alface, da mesma forma que as “pessoas famosas” se consideram “ativistas ambientais” apenas porque não usam sabonete e vestem “roupa sustentável”. Até aos anos 80, quando a esquerda descobriu as questões ecológicas (ninguém foi tão destruidor do ambiente como a URSS, ou tão agressivo contra a Natureza como a China), o combate pela preservação ambiental era matéria conservadora. Na verdade, continua a ser.

Da coluna diária do CM.

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Dois anos de perseguição violenta e histérica.

por FJV, em 29.11.22

J.K. Rowling debocha da perda de fãs de Harry Potter e cita cheques  generosos de royalties

Há dois anos, a escritora JK Rowling foi acusada de ser “transfóbica” por ter criticado o uso da expressão “pessoas que menstruam” em vez de “mulheres”. Um extraordinário mundo de atores e atrizes, desde os ingratos e palerminhas Daniel Radcliffe ou Emma Watson, além de vários pascácios do ativismo, correram a insultar Rowling por dizer o óbvio. Queimaram livros, como de costume – e famosas figurinhas de cera chegaram a pedir que deixasse de se referir JK Rowling como criadora de Harry Potter. Entretanto, a jornalista E.J. Rosetta, da área LGBT, passou os últimos meses a ler toda a obra e entrevistas de Rowling para aí encontrar a transfobia que a tinha levado aos limites do “cancelamento”. Publicou a conclusão: “Três meses de pesquisa e não consigo encontrar uma única citação transfóbica de JK Rowling que resista ao escrutínio jornalístico. O abuso que sofreu está além do perdão. Que vergonha para os que a incriminaram, incitando ao ódio.” Após dois anos de perseguição violenta e histérica, o mal está feito. E os palerminhas partiram para outro linchamento, com a imprensa a babar-se.

Da coluna diária do CM.

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Sérgio Sousa Pinto.

por FJV, em 28.11.22

Sérgio Sousa Pinto. Provavelmente o político que melhor desenha no mundo

Há políticos que se dedicaram à escrita – como uma extensão da oratória ou antecâmara do memorialismo e da historiografia, muito embora os nossos parlamentares ou líderes escrevam (e falem) geralmente mal. Foram famosas as férias de Churchill a meio da guerra, para pintar em Marraquexe (era um pintor mediano, mas um bom prosador), ou os desenhos e romances (medianos) de Álvaro Cunhal; mas o desenho ou a fotografia são coisas mais recentes. Acabo de viver uma surpresa absoluta: os maravilhosos desenhos de Sérgio Sousa Pinto reunidos em Fui Tão Feliz com a Minha Thompson (Av. Liberdade Editores): evocam a BD e alguns dos seus heróis – Hugo Pratt e Corto Maltese, claro, mas também o traço mais clássico de Hergé ou de Jacobs, a caricatura portuguesa e franco-belga, o “diário gráfico” de amador melancólico e contemplativo, tingido de erotismo (bastante, e de primeira ordem) ou de ironia, de cowboys e gangsters, de cinema e de literatura. O livro parece reproduzir as imagens ciosamente guardadas num caderno humilde que se guarda na mochila ou no bolso do casaco. São absolutamente notáveis.

Da coluna diária do CM.

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A queda do império.

por FJV, em 25.11.22

Por que razão o mais duradouro dos impérios – tirando o flutuante império chinês – suscitou tanto interesse, desejo, imitação, julgamentos e preocupação? Edward Gibbon dedicou-lhe o formidável, História do Declínio e Queda do Império Romano, que serve para nos olharmos ao espelho e vermos como a semente da destruição nos acompanha em todos os ciclos da história. Os otomanos, quando tomaram Constantinopla, assumiram a continuidade do império romano (agora designado “do Oriente”), mas também os alemães, os austro-húngaros, os russos e mesmo os americanos tentaram reproduzir a grandeza e os artifícios de Roma. Num livro maravilhoso, Doze Césares (Editorial Presença), a historiadora Mary Beard faz desfilar doze imperadores, de Júlio César a Domiciano, passando por Cláudio, Calígula, Nero, Tito ou Vespasiano, gente que há dois mil anos cometeu atos de bravura, heroísmo, indignidade, vilania, sabedoria e tirania – e mostra como eles foram admirados e odiados para lá da vida do Império. É uma monumental lição de história viva, elegante e sábia, cheia de humor e de erudição. Não o percam.

Da coluna diária do CM.

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Espinosa, 390 anos depois.

por FJV, em 24.11.22

Baruch Espinoza – Wikipédia, a enciclopédia livre

Há uns anos, num pequeno aeroporto francês, encontrei um livro (estava há dez meses no top dos livros mais vendidos, coisa que nos há de parecer estranha em Portugal) sobre a vida e obra de Espinosa; mas, mais do que isso, sobre o “milagre” que representaram a sua filosofia e a sua visão do mundo e da natureza. O título era, justamente, O Milagre Espinosa, de Frédéric Lenoir: por um lado, o milagre da razão, por outro o papel conferido às emoções; a conceção de Deus e da Natureza como corpos semelhantes; a noção de que a Bíblia não pode ser lida no seu sentido literal; o papel da alegria, que é o pilar existência que há de encontrar a beatitude. Em 1656, o documento que excomungou Espinosa – que depois usaria o nome Bento em vez de Baruch – na comunidade judaica de Amesterdão foi escrito em português. A família, que frequentava a sinagoga portuguesa (a “Esnoga”) fugira de Portugal, crê-se que da Vidigueira, e estabelecera-se na Holanda, terra de exílio dos sefarditas portugueses; Espinosa nasceu em 1632 – passam hoje 390 anos. Morreu jovem, sofreu muito. Mas a alegria é o seu milagre.

Da coluna diária do CM.

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O Presidente há de regressar do Qatar.

por FJV, em 23.11.22

Na verdade, nada disto teria ocorrido se uma pequena onda de sensatez tivesse tocado o Presidente da República antes daquele jogo de futebol. A sua frase, dita durante a flash-interview, entende-se; não é uma barbaridade, não desculpa o Qatar em matéria de direitos humanos, não desvaloriza o assunto – mas, como o próprio reconhece, tudo se precipitou porque foi dita num contexto futebolístico, maculado pela precipitação do momento. Qualquer tentativa de corrigi-la seria ainda mais grave. Porquê? Porque há um contexto de solenidade onde o PR deve atuar; por isso ele “o Presidente”, e não um comentador de assuntos futebolísticos que precisa de ser defendido de si mesmo e dos excessos da euforia televisiva, onde tudo desliza rente aos abismos. O futebol, justamente, é um mundo perigoso e deslizante. Assim, toda a hipocrisia veio à superfície, mesquinha e tolinha – não apenas porque a hipocrisia é como é, cheia de moral dúbia e de falsas virtudes, mas porque o PR, com o seu deslize, lhe abriu as portas num momento de crise. O PR foi autorizado a visitar o Qatar; mas tem de regressar.

Da coluna diária do CM.

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Palavrinhas, sabem-nas todas.

por FJV, em 21.11.22

O discurso inaugural de Gianni Infantino na abertura do Mundial do Qatar há de ficar na história como uma prova de karaoke em que o patrão da FIFA interpretou à sua maneira o linguajar moderninho e a música anti-europeia – mas de patinhas no ar. O ataque à hipocrisia do Ocidente e ao “racismo sistémico” compreende-se; Putin também o faz, e os maluquinhos progressistas são especialistas na modalidade. Fino como um alho, declarou-se gay, africano, migrante, qatari, portador de deficiência e creio que ruivo com sardas (no final também disse sentir-se mulher, tinha falhado). Cá fora, nas ruas havia ‘outdoors’ com frases da ordem, em defesa do futebol como promotor do “desenvolvimento sustentável” e da “preservação do ambiente”. Palavrinhas, sabem-nas todas. Vamos e venhamos, a mixórdia da FIFA explica por que razão Infantino não precisa da Europa: o próximo Mundial joga-se no Canadá, México e EUA; em 2030, a candidatura europeia é luso-espanhola e ucraniana, mas tem a concorrência da Argentina e Uruguai, ou de Marrocos com a Tunísia. Infantino já ganhou. Não precisa do dinheiro europeu.

Da coluna diária do CM.

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Recherche.

por FJV, em 18.11.22

A la recherche du temps perdu | 187

Há por certo uma razão para que Marcel Proust não tenha sido distinguido com o Nobel, esse prémio que hoje já não tem grande prestígio ou valor literário: apenas os quatro primeiros volumes do monumental Em Busca do Tempo Perdido (a Recherche, tradução portuguesa de Pedro Tamen) foram publicados em vida do autor; os restantes três apareceram em 1923 e 1927 – e, de facto, a anterior obra de Proust não o justificava. A Recherche não é propriamente “um romance”: são sete volumes de uma corrente interminável de literatura, exposição íntima, viagem interior, recordações, melancolia e dedicação ao que, antigamente, se designava por “o poder da palavra”. Proust, que morreu há exatamente 100 anos – assinalados hoje – é uma das grandes transfusões de energia para esse “poder da palavra” e a Recherche um dos seus maiores emblemas. A sua imagem pálida, frágil, doente, triste, com uma pose de penitente melancólico, é um dos símbolos desse tempo e dessa transformação do romance em torrente de recordações e pensamentos. Na história da literatura nunca mais seria possível voltar atrás.

Da coluna diária do CM.

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Conservar o planeta.

por FJV, em 17.11.22

Há um certo pudor em falar das recentes ocupações de escolas e faculdades de Lisboa sob o comando de jovens ativistas. A razão é simples – os motivos são generosos e a matéria do protesto é anterior às organizações políticas que enquadram os movimentos “juvenis” e lhes alimentam o lerolero. Acontece que a generalidade da argumentação usada é estapafúrdia, urbano-burguesinha, decorada nas trituradoras da extrema-esquerda e das suas famílias, e mostra até que ponto as barricadas usam carne para canhão com as piores intenções. Infelizmente, bastava ir ao Google para desmontar a propaganda, e um pouco de esclarecimento para aliviar a ansiedade ecopsiquiátrica da maioria dos “ocupantes”. O pudor, por todos os motivos, é compreensível – mas não deve impedir a resposta, que bem pode começar por lembrar que “conservar o planeta” é uma ideia que foi posta fora de moda pelos progenitores da geração de vítimas dessa ansiedade. Infelizmente, o rasto de lixo, ignorância e risota vai ser maior do que o sentimento de que estamos a viver um período decisivo nas nossas vidas. O que é uma pena.

Da coluna diária do CM.

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Corrigir o passado.

por FJV, em 16.11.22

Universiteit Leiden verwijdert schilderij van Rein Dool - Museumtijdschrift

A ideia de corrigir o passado até dele não restar mais do que uma lembrança inócua é absurda, mas está na moda e traduz o assustador desejo de limpeza e de reparação: tudo o que no passado nos ofende deve ser retirado e escondido. Lembrei-me disto a propósito de um quadro de Rein Dool (1933), “Velhos Fumadores de Charutos”, que representa um antigo reitor e quatro professores universidade de Leiden, nos Países Baixos, e que foi retirado das suas paredes, porque tinha “demasiados homens brancos” e era “ofensiva”. Parte do corpo académico rejubilou, sem entenderem a ironia do quadro. Depois lembrei-me da pobre Salomé, pintada por Lucas Cranach (1472-1553), segurando uma bandeja com a cabeça de S. João Baptista, e que está no Museu de Arte Antiga em Lisboa – talvez seja ofensiva porque o quadro é tão belo que se notam o casaco e o chapéu de peles da neta de Herodes; os “ativistas” pelos animais talvez protestem e queiram retirá-lo. Talvez os talibãs – que demoliram os gigantescos budas de Bamiyan – entendam o desejo de limpeza e moral. Estamos à espera dos bárbaros, há de chegar a nossa vez.

Da coluna diária do CM.

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Ajuntamentos de unicórnios.

por FJV, em 15.11.22

A ideia de que Portugal é um país “sexy e apetitoso”, bom para “pernoitar entre nós” (a classificação foi anunciada durante a Web Summit pela Secretária de Estado do Turismo), serve de aperitivo para que, depois dos “vistos Gold”, Portugal se abra aos vistos para “nómadas digitais”, que terão vantagens apreciáveis – por comparação com a restante população indígena. Bem vistas as coisas, quem não quer ser “nómada digital”? Um regime fiscal muito mais favorável, um trabalho que deixa tempo livre para fazer surf e aproveitar os 300 dias de sol por ano, melhores condições financeiras quando se trata de alugar ou comprar casa (porque os salários – os “do estrangeiro” – são incomparáveis) e um estatuto francamente invejável: o de “pernoitar entre nós” como um turista que tanto trabalha no Bairro Alto como numa varanda de um hotel em Bali ou num “alojamento sustentável” de Tavira, aproveitando a variação dos preços, do custo de vida e dos eventuais “ajuntamentos de unicórnios”. O problema é quando os nómadas levantam o acampamento, deixando um pequeno – ou grande – rasto de devastação.

Da coluna diária do CM.

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O voto dos adolescentes.

por FJV, em 14.11.22

Parece que os dois principais partidos “do sistema político” querem conceder o cartão de eleitor aos 16 anos, com um triplo objetivo: primeiro, arrecadar mais votos, quer para cada uma das agremiações (o que não conseguirão), quer para “o sistema político” em geral, depauperado pela abstenção que, felizmente, diminuirá quando atribuírem o direito de voto a imigrantes, que sempre são mais responsáveis; depois, dar a ilusão de que as propostas “dos jovens” serão tidas em conta nas preocupações eleitorais; finalmente, porque sempre que podem fazer uma tolice os partidos executam-na com determinação. Ou seja: primeiro permitem que, através do sistema escolar e do progressismo indígena, os adolescentes sejam devidamente infantilizados e manipulados; depois, transformam a primeira fase da idade adulta numa eterna adolescência que não sai de casa dos pais e sonha com um mundo onde a canábis e os festivais são baratos. Finalmente, ilibando-os de responsabilidades civis, atribui-lhes o direito de voto quando é cada vez mais claro que só poderiam exercê-lo os que passassem num exame adequado.

Da coluna diária do CM.

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Pedro Correia Garção (1724-1772).

por FJV, em 10.11.22

Seríamos mais felizes se conhecêssemos a poesia portuguesa clássica, como a de Nicolau Tolentino (1740-1811, que tinha uma verve notável e divertida – lembram-se daquele poema do colchão a sair de dentro de um toucado?), ou de Pedro Correia Garção (1724-1772) dramaturgo e poeta sobre cuja morte passam hoje 250 anos. Eram autores magníficos, divertidos, garridos, insolentes, melancólicos e bons de escrita, como costumava acontecer aos nossos escritores antes do romantismo. Correia Garção, de quem ainda sei de cor (nos liceus tínhamos esse vício maravilhoso) aquele soneto “O Louro Chá no Bule Fumegando”, foi um poeta publicado postumamente, depois de passar pelas agonias do cárcere e por uma misteriosa perseguição do marquês de Pombal. Hoje, a escola não providencia conhecimento de textos clássicos porque o seu ministério fervilha de políticos ignorantes e contumazes. Sou do tempo em que líamos, ríamos e até nos comovíamos com Correia Garção. “Brilhante açúcar em torrões cortado;/ O leite na caneca branquejando./ Vermelhas brasas, alvo pão tostado;/ Ruiva manteiga em prato bem lavado…”

Da coluna diária do CM.

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EUA: o território de uma guerra adiada.

por FJV, em 09.11.22

As eleições americanas não mudam o aspeto geral do país, que é o território de uma guerra adiada. Às vezes, tento fazer o exercício, porque o experimentei no Brasil, onde o grau de enfrentamento era tão elevado que se tornou impossível duas pessoas de campos opostos – ou apenas diferentes – conversarem sobre o futuro do país. É um pouco o que se passa no Twitter, onde as trincheiras são feridas abertas. O confronto é necessário e desejável; o único lugar onde não há discussão, confronto ou diálogo, na melhor das hipóteses, é no cemitério. Mas o fosso americano – cavado pela indústria das “guerras culturais”, pelo sectarismo dos vândalos e pelo sentimento de insegurança e fragilidade que se vive dos dois lados – transforma os “outros” em potenciais “inimigos”, toda a diferença num pecado escandaloso e a imunidade à tolice num cenário impossível. O caso é que nunca o resultado das eleições americanas (a esta hora, o leitor já conhece parte dos números) foi tão importante para a Europa, até pelas implicações que terão na questão ucraniana, que divide o nosso mundo como um abismo.

Da coluna diária do CM.

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A América no meio do ruído.

por FJV, em 08.11.22

Gay Talese, que anda pelos 90 anos e foi contemporâneo de escrita de Tom Wolfe, ou de Gore Vidal e Norman Mailer (quando os americanos não escreviam como pregadores nem como queixinhas), declarou o essencial, na sequência da vitória eleitoral de Trump, em 2016: “Todo o dia a merda do Trump. Agora, os jornalistas vêm da mesma classe que o pessoal do mundo financeiro ou político. Vão às mesmas universidades e os seus filhos aprendem a nadar na mesma piscina. Por isso não prestaram atenção à gente que votou em Trump, porque não se misturam com eles.” Trump é ignóbil? É. Almoçaríamos com ele? Não. Ao reler os jornais da época, vejo que a imprensa portuguesa atribuiu a vitória de Trump aos grunhos, porcos, brancos analfabetos, negros sem educação, latinos dos gangues (isto é tudo citação), pessoas do Alasca e acho que búfalos do Arizona. Parte disso é verdade, mas hoje há eleições intercalares nos EUA e o discurso é o mesmo: segundo os correspondentes e comentaristas, é o combate letal entre o fascismo e a democracia. Antes, a imprensa explicava as coisas – agora, prega no meio do ruído.

Da coluna diária do CM.

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Os fandangos do passado.

por FJV, em 07.11.22

Ontem, no CM, Paulo João Santos estranhava a “fixação por uma figura do passado, da história, para conquistar Belém”. A figura do passado é Pedro Passos Coelho, com quem a direita sonharia como líder para defrontar, por exemplo, duas figuras como Marques Mendes (MM) ou A. Santos Silva (ASS) numa corrida presidencial. Uma coisa é “a direita sonhar”, outra é Pedro Passos Coelho cair na esparrela de Belém (por isso Marcelo quis chamuscá-lo logo, lembrando o seu nome). Porém, Paulo João Santos desenha bem o quadro quando apresenta como putativos candidatos figuras como MM ou ASS, que podem não ser figuras do passado – uma vez que aparecem na televisão, fazem movimentos e, aparentemente, é a sua voz que ouvimos – mas o encarnam na perfeição, repetindo os seus tiques, dependências e bilhardices. Portugal, que já perdeu excelentes presidentes possíveis, como António Barreto ou Laborinho Lúcio, parece estar limitado a candidatos como MM ou ASS, que evocam as catacumbas ou os fandangos do passado; diante deles, até o senhor D. Afonso II, o Gordo, que Deus o tenha, é uma voz do futuro.

Da coluna diária do CM.

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Mário Moura.

por FJV, em 04.11.22

Com vinte e poucos anos, militância juvenil no MUD, Mário Mendes Moura (1924-2022) partiu de Lisboa com um passaporte arrancado a ferros, fez escala em Cabo Verde, chegou à Venezuela e, para fazer alguma receita, vendeu o seu sobretudo no porto de La Guaira. O dinheiro de bolso chegou à justa para tomar um táxi até Caracas e para a primeira refeição na capital venezuelana. Depois disso, fez um pouco de tudo: mobiliário, doçaria e de venda de roupa, fabricante de perfumes e agências de viagem – e edição, finalmente, numa vida que passou pelo meio mundo de então (Canadá, Inglaterra, Espanha, por aí fora). Editor de livros no Brasil (era irmão de dois outros editores que deixaram marca na Livros Horizonte e na Prelo), onde fundou várias casas e vendeu milhões de exemplares até regressar a Portugal nos anos 80. Tinha saudades. Fundou várias editoras (a mais famosa delas, a Pergaminho, mas também a Arte Plural e a 4Estações). Na Poeira do Tempo, o seu livro de memórias, foi publicado no ano passado. O grande Mário morreu agora, com 98 anos. Teve uma vida maravilhosa. Ninguém lha rouba.

Da coluna diária do CM.

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Brasil dividido.

por FJV, em 03.11.22

Durante uma semana, as nossas televisões rejubilaram com o Brasil e o confronto entre maus e bons – o qual devia terminar com a vitória dos “bons”. Depois desta fartura, vale a pena recuar um pouco na história para perceber como, no início da década de 2000, foram o lulismo e o petismo que fabricaram o bolsonarismo, que até aí não tinha ousado levantar a cabeça, precisamente porque existia uma espécie de “Brasil moderado”, herdeiro de Fernando Henrique Cardoso e do velhíssimo PMDB. Lula e o PT trataram de dividir o Brasil em dois: nós e todos os outros. Não conseguiram encostar os moderados à direita (apenas que eles desaparecessem), mas conseguiram que a direita radical ressurgisse e viesse a terreiro com aquele discurso que misturava o mais reacionário das seitas religiosas e a inenarrável tentativa de lavar a face da ditadura. Alckmin era um dos moderados, vindo do PSDB de Fernando Henrique. Talvez Lula não cometa o mesmo erro três vezes. Terá essa tentação; mas se quiser um lugar a salvo na história, e não o altar de um caudilho, só tem um caminho: ser ele a reconstruir o centro.

Da coluna diária do CM.

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Os abjetos na Europa.

por FJV, em 02.11.22

Milhares de pessoas protestam em Praga contra política de proteção à Ucrânia

O americano Steve Hanke é professor de economia (na universidade John Hopkins), comentador da Fox News e da ‘Fortune’, conotado com a direita ‘libertária’ e especialista no sistema financeiro russo. Apesar de criticado por muitos economistas, que o tratam como “Rasputin”, Hanke (que foi conselheiro de Reagan) tem um público numeroso. Num tweet desta segunda-feira, festejava os manifestantes de Dresden, na Alemanha, que exigiam o fim das sanções à Rússia porque não queriam morrer de frio com “a guerra de Zelensky”, que foi “provocada e iniciada pelos EUA, União Europeia e Nato”). Este tipo de opiniões idiotas tem cada vez mais palco na Europa, que se presta a perder a batalha ideológica e de comunicação. Entre as virtudes de Ursula von der Leyen não se contam nem a capacidade de argumentação, nem um pingo de retórica mobilizadora. Já aqui escrevi que a Europa (que julga ter algum dinheiro, cada vez mais caro) perde a batalha das ideias porque fabrica inimigos dentro das suas muralhas, não tem um discurso forte e passa a vida a discutir (literalmente) o sexo dos anjos. É meio caminho.

Da coluna diária do CM.

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Morte e renascimento.

por FJV, em 01.11.22

As 5 mais belas árvores de inverno | Jardinagem em

O domínio cristão acabou por reunir quase todas as celebrações em nome dos mortos e do início do ano. As festividades destes três dias (de 31 de outubro a 2 de novembro) incluem o dia de todos os Santos, contíguo ao dos Fiéis Defuntos, na tradição cristã; o início do ano na tradição celta – com o inverno, assinalado pelo Samhain, de onde acaba por derivar o fio cristão do Halloween anglofóno, que também relembra os mortos e não tem nada que ver com bruxas; o Dia dos Mortos mexicano nas culturas da América, especialmente aztecas, que foi deslocado do verão para esta data, mantendo os seus rituais coloridos e festivos. Outras culturas mantiveram o seu calendário estival de homenagem aos mortos, como no Japão, na China, na Coreia ou noutros territórios do Pacífico. Em todas essas tradições (o judaísmo e o islão tenuemente, por altura do Rosh Hashanah ou do Ramadão) há um ponto recorrente: a homenagem aos que partiram, recebendo sua a visita ou visitando-os na sua última morada. Começo e recomeço, memória e recolhimento, festa e celebração, passado e presente. São dias de visita.

Da coluna diária do CM.

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