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O novo livro de Lídia Jorge, Misericórdia (Dom Quixote), só podia ser escrito nestas condições. Há nele um sopro da idade, que me comove como há muito tempo não acontecia com nenhum livro de Lídia Jorge – e fui um leitor obstinado de O Dia dos Prodígios (1980), Notícia da Cidade Silvestre (1984) ou O Vale da Paixão (1998). Parte da sua obra (sobretudo depois de O Vento Assobiando nas Gruas, 2002) busca um certo género bondoso de perfeição ou humanidade – e acaba por perder força. Não sei o que isso é. Mas reconheço-a neste romance, retirado dos últimos dois anos de pavor, isolamento e perturbação. Colocada diante de um cenário de perda na comunidade ou na família (e de tolice humana, que também conta muito), Lídia Jorge resistiu a escrever uma memória da pandemia, da peste e do sofrimento; a sua melancolia (“uma alegria mansa que se chama melancolia”) é resistente, mas com a idade e as despedidas chega uma força inábil, enérgica e mais livre – é isso que nos deixa à vontade para escrever bons romances. Por isso, este ‘Misericórdia’ é poderoso e a sua escrita flutua sem ceder.
Da coluna diária do CM.
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