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Os casos-limite que sucedem nos lares de idosos são apenas a face visível de uma cultura degradada na forma como trata os mais velhos. Por exemplo, as cidades – são feitas para quem? Ao longo de cerca de dois ou três quilómetros, num circuito de manutenção e pista para caminhadas junto ao mar, não há uma única sombra, um único banco para repouso; quem seja um pouco mais velho do que eu não tem lugar onde descansar. Os idosos. Os velhos. Nós, hoje ou um dia destes. No centro das cidades, as praças já não têm bancos de jardim, daqueles em que víamos gente sentada antes da pandemia. As carruagens do comboio têm um desvão de 30 a 40 centímetros para a plataforma, e estações muito modernas não têm escadas rolantes. São exemplos de falta de consideração pelos mais velhos. É um pecado nosso, país que adora adolescentes e nos trata por tu nos anúncios, como se fôssemos todos da trupe. Mas a honorabilidade de um país mede-se pela forma como respeita e cuida os mais velhos – e como essa cultura passa para a família e para a política. E assim perde parte da sua honra e da sua história.
Da coluna diária do CM.
Garrett, nas Viagens, desafiava Xavier de Maistre, o autor de Viagem à Roda do meu Quarto (1794), a dar um salto pelo menos ao quintal. Hoje em dia exagera-se: a busca do exótico e das paragens distantes leva a que boa parte dos poucos livros de viagem que se escrevem entre nós acabem por ignorar o quintal e a soleira da porta. José Pedro Castanheira nem sequer repetiu a viagem paisagista de Raul Brandão em Ilhas Desconhecidas (de 1926) – em vez disso, partiu para os Açores de barco, sem literatura e como deve partir um viajante: rodeado de família. O resultado é Volta aos Açores em 15 Dias. Diário de bordo de uma viagem para (não) esquecer (Tinta-da-China), um relato circunstancial e detalhado de tudo o que faz a viagem pelos mares: um confronto desmesurado entre um fragmento de ilha e um excesso de mar, os enjoos, as dificuldades, os episódios, as alegrias, os raros momentos de felicidade, que são únicos. Não há aqui “proveytoso deleyte”, como escrevem os poetas de antanho: há viagem pura e dura, agreste e maravilhosa, o que faz dela, por isso, matéria de um livro comovente.
Da coluna diária do CM.
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