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Mesmo a milhares de quilómetros, a vaga de calor não tem apenas um valor meteorológico – tem uma dimensão trágica. Urbano Tavares Rodrigues tem um romance com esse título, tomando o lado benigno do calor. Eça de Queirós escreveu sobre o “calor de ananases” e citou um outro – conhecido de Camilo, naturalmente –, o “de derreter untos”. Era o calor do século XIX, manso como um aldeia com campanário e filarmónica ao domingo. A citação mais literária que conheço é a de Wilfred Thesiger, um inglês nascido em Addis Abbeba, também conhecido pelo nome de Mubarak bin Landan (1910-2003), que se apaixonou pelas arábias e escreveu sobre “a fornalha do deserto”. Mas nunca encontrei calor tão maléfico como o de Grande Sertão Veredas (1953), de João Guimarães Rosa, ou o de Vidas Secas, de Graciliano Ramos (1938). O calor mais hipócrita é o das vozes da rádio logo de manhã, e que ao longo de mais de metade do ano pedem “bom tempo” e o fim da chuva como se o mundo fosse uma cidade à beira mar onde nascessem caipirinhas debaixo de jacarandás pegajosos. Depois, à tarde, são “ativistas pelo planeta”.
Da coluna diária do CM.
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