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A arraia-miúda e o pobre povo, 2.

por FJV, em 15.06.22

Foram precisos apenas dois dias para que a menção ao “povo” e à “arraia-miúda” no discurso de 10 de Junho se transformasse em desprezo por essas duas entidades. Exemplo? A forma como, de forma infeliz, o Presidente desvalorizou a crise dos hospitais. É um hábito deplorável das classes altas, imunes à vida dos outros, e das castas dirigentes, metidas com os seus interesses: manifestar um amor acrisolado e puríssimo pelo povo, mas exprimir a sua compreensão pelo desprezo com que a arraia-miúda (uma gente incómoda e manipulável que precisa de hospitais, justiça, segurança e educação) é tratada. Que a ministra da Saúde o faça, com o seu discurso redondo e burocrático, indiferente, soletrado, cheio de tiques de propaganda – não espanta. Mas que o Presidente, uma instituição eleita pela arraia-miúda, dê essa ideia – deveria preocupar-nos. Portugal continua a reger-se pelo princípio de “um país, dois sistemas”, que tem coroado a nossa cultura há séculos. É pena verificar que as castas se protegem sem pudor nem constrangimento, desde que se propaguem e beneficiem com certa amenidade.

Da coluna diária do CM.

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