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Os bens e ativos intangíveis não me levantam suspeitas. Pura e simplesmente, por atavismo, não sei lidar com as suas oscilações de valor. Sabemos como o valor das tulipas atingiu o seu zénite por volta de 1630 nos Países Baixos – porque toda a gente queria negociar em bolbos de tulipas – e como uns anos depois isso levou à hiperinflação e já ninguém conseguia negociar títulos de tulipas ainda por florescer. Negociar em vinhos de luxo é um investimento lucrativo, li no Negócios. Daqui a dez anos, quanto custa uma determinada colheita de Petrus? Um golo de Ronaldo pode valer milhões, registado em vídeo. Uma pintura que se auto-destrói. O valor contabilístico de uma página da internet. Uma empresa que ainda não negociou nenhum valor mas está avaliada em milhões. Um nome que não vai ser usado. Uma imagem de uma gipsofila criada no cume do Gerês. Posso compreender os mecanismos que levaram a essa euforia, naturalmente – mas diante da destruição de Mariupol ou das ruínas de Karkhiv penso que teremos, em breve, sérios problemas de cotação nas bolsas. São uma promessa de catástrofe.
Da coluna diária do CM.
É evidente que esperamos sempre muito mais dos discursos, mas isso está “na nossa maneira de ser”. Grandiloquência – esperamos sempre grandiloquência e, se possível, grandiosidade. Caso contrário, falham “as nossas queridas efemérides”, a do 25 de Abril, a do 10 de Junho e a do 5 de Outubro, e é só para ficarmos por aqui, porque as mensagens de Natal e do Ano Novo são sempre abafadas pelos talheres. Como não nos basta ter um Presidente da República, queremos sempre um Fernão Lopes, um Damião de Góis ou, vá lá, um Camões que até pode não vir em verso – mas que seja prosa boa para vibrar as cordas. Quarenta e oito anos depois do 25 de Abril há uma coisa que ainda não conseguimos: um certo sentido da normalidade, que é geralmente substituído pela comovida vontade de “cumprir Abril”. Não nos bastam eleições livres, um regime democrático, fronteiras abertas, descolonização e caminhar na direção da igualdade de oportunidades, coisas habituais e pilares da vida entre civilizados. Também queremos, de mão beijada, aquilo que outros países obtiveram com trabalho e sacrifício. Somos especiais.
Da coluna diária do CM.
Passados vinte anos estou a rever Os Homens do Presidente, a série de Aaron Sorkin (agora na HBO), West Wing. Consigo acompanhar as piadas da época, naturalmente, mas não consigo acompanhar os diálogos. Consigo acompanhar o enredo que leva este grupo (o presidente, o chefe de gabinete, CJ, Toby, Josh, Sam, Dana), mas incomoda-me haver tão poucas mulheres (estão agora prestes a entrar e a unirem-se a CJ) e serem todas secretárias de homens magros que vestem fatos acima do número. De certa maneira, é uma visita ao passado. O presidente tem sentido de humor, mas não escreve no Twitter nem tira selfies – pelo contrário, de vez em quando evoca a história de Roma (o modelo fundador das elites americanas) e os assessores dão exemplos a partir das melhores presidências americanas. Revisitar Os Homens do Presidente é recordar um passo da história. Ainda não tinham chegado Clinton, nem Bush Jr., nem Trump, nem a geração de sociopatas que tomou conta de tudo. Talvez lá estivessem, mas o desenho conta muito com o sentido de decência e de bem comum. É tudo televisão. Nunca mais fomos os mesmos.
Da coluna diária do CM.
Nasceu no Arizona, um dos seus tetravós era alemão, o avô materno uma mistura de chinês e inglês de Hong Kong que veio a casar com uma afro-americana; o pai era filho de um fazendeiro negro e de uma sueca; pelo meio, houve cruzamentos com americanos nativos. Um tipo assim só podia ter sido “o rei da improvisação” –, além de rei do mau-feitio. Mas primeiro, como os grandes artistas, Charles Mingus (ou seja, antes de abrir as portas hard bop ou de aprofundar a natureza do free jazz, estilos tão propensos a atrair pantomineiros) aprendeu a amar e a trabalhar com os clássicos, como Armstrong, Duke Ellington, Charlie Parker, Dizzy Gillespie ou Lionel Hampton; é por isso que, no meio de peças que me são insuportáveis, há grandes momentos – os de Goodbye Pork Pie Hat (de 1959) ou a maior parte dos temas de The Black Saint and the Sinner Lady (1963). Baixista tremendo, Mingus (1922-1979) incorporou quase todos os instrumentos que fazem do jazz uma alegoria constante, o que o aproximava da “vanguarda” mas mantinha em redor dos ‘blues’. Passam hoje cem anos sobre o seu nascimento.
Da coluna diária do CM.
Todos gostavam de Eunice Muñoz e não houve adjetivos que não tivessem sido usados durante as homenagens desta semana – todos merecidos e de harmonia com o seu talento, com o que ela significou para o teatro e também com o seu passado antes do 25 de Abril ou com as condecorações que lhe foram atribuídas em vida. Nestas ocasiões, o acesso ao Panteão é tema recorrente. Compreende-se. Queremos perpetuar aqueles que são um exemplo do passado, um símbolo e um legado para o futuro. Há regras sensatas que foram explicadas numa entrevista na rádio pelo excelente diretor da casa, Santiago Macias. O passado (o Panteão) é uma construção tão difícil como artificial e equilibrada. E a unanimidade é difícil num país pequeno, idoso e livre para pensar (quando isso lhe ocorre); mas também é perigosa e emotiva. O Panteão é o ideal de uma República de mulheres e homens bons cujos valores e exemplos não podem ser impostos como se representassem uma identidade indiscutível. Seria bom deixar que o tempo viesse contribuir para estas escolhas; os funerais não são bons momentos para falar da eternidade.
Da coluna diária do CM.
Há 126 anos, a editora Constable, que publicava os livros de Walter Scott, aceitou lançar um “romance de horror” da autoria de Bram Stoker, um jornalista irlandês que trabalhava em Londres. Não foi um bestseller imediato, mas Conan Doyle (o criador de Sherlock Holmes) achou-o magnífico e a crítica comparou-o a Frankenstein, de Mary Shelley, às obras de Stevenson ou a Poe. O personagem principal era um conde dos Cárpatos, entre a Transilvânia (na atual Roménia) e a Moldávia – e o livro era Drácula, publicado a 26 de maio de 1897. Passado este tempo, o conde Drácula, as desventuras de Lucy, a força de Mina e a perseguição que lhe move Van Helsing ainda povoam os nossos pesadelos – ou os nossos risos. Drácula é o quinto romance de Bram Stoker (escreveria mais 8, entre eles A Joia das Sete Estrelas, além de coleções de contos), que já não veria o seu livro adaptado por Friedrich Murnau sob o título Nosferatu, dez anos depois da sua morte, em 1912, ou seja, há exatos 110 anos assinalados hoje. Já agora, as suas cinzas estão no mesmo cemitério de Sigmund Freud. Muito a propósito.
Da coluna diária do CM.
A pianista Helena Sá e Costa (1913-2006), que foi aluna de Vianna da Motta e eu ouvi tocar Beethoven e Lopes-Graça, tinha uma irmã maravilhosa, Madalena, dois anos mais nova – violoncelista apaixonada e portuense de raiz, como toda a sua família. Madalena Moreira de Sá e Costa nasceu em novembro de 1915 e foi aluna da igualmente portuense Guilhermina Suggia (1851-1932), bem como de Sandór Vegh e do extraordinário Pablo Casals. A família (juntando os Moreira de Sá e os Ferreira da Costa) tinha melómanos notáveis (o avô), compositores (o pai), pianistas (a mãe e a irmã). Aprendeu música com esse génio que foi Guilhermina Suggia, viveu discretamente e tocou pela Europa fora – ensinando no Porto e em Braga. O violoncelo não era um instrumento muito digno para meninas, mas foi a sua opção de risco. Nunca a ouvi tocar (há gravações na velha Antena 2) mas apaixonou-me sempre esta família de gente que devia ter as efígies de Schubert e Beethoven em casa, como emblemas de uma tradição que perseguiram toda a vida. Madalena Sá e Costa morreu ontem aos 106 anos. Há um violoncelo na minha cabeça.
Da coluna diária do CM.
Nem David Ricardo ou alguém da sua família puderam recorrer às manigâncias deploráveis e imorais com que se sujou a memória da sinagoga Mekor Haim Kadoorie – a sinagoga do Porto – para atribuir títulos de descendentes de judeus sefarditas portugueses. Mas devemos relembrar o economista David Ricardo, nascido há exatamente 250 anos, e cuja família cumpriu a habitual peregrinação dos sefarditas depois da expulsão de Portugal: primeiro Antuérpia, depois a Holanda, depois Inglaterra. Ricardo, que já nasceu em Londres em 1772, converteu-se ao cristianismo (o que lhe valeu o ostracismo da família) e foi um dos grandes pensadores da economia no século de Adam Smith ou de Malthus (de quem foi amigo). Em 1817, já rico e próspero, com grande atividade política e especulativa, publicou o clássico Princípios da Economia Política e Tributação, que teve larga influência, até nos pensadores marxistas. As suas teorias do valor e da renda são fundamentais. No final da vida comprou o palacete de Gatcombe Park, perto de Gloucester – onde morreu em 1823; a rainha Isabel II comprou-o em 1976, já agora.
Da coluna diária do CM.
Contrariando o princípio de que a História só é previsível depois de as coisas acontecerem, tenho seguido a saga dos analistas que tentam, com ternura muito lambareira, “compreender o lado de lá”, ou seja, a Rússia. Louvo o esforço, muito indulgente e desprendido, mas também era bom entendermos o nosso lado. A primeira coisa a estabelecer é que a Ucrânia é uma antiga colónia russa, e que a Rússia (a maior fornecedora de gás e petróleo, um colosso territorial e estratégico a respeitar como se respeitam os rinocerontes em campo aberto) é uma cleptocracia autocrática que tem financiado o terrorismo digital e a desestabilização das democracias (as nossas, ponto final). A invasão da Crimeia pôs muitos europeus a pensar que as democracias eram mais fracas do que os regimes autoritários; uma vitória da Rússia abalaria a nossa confiança nos pilares da democracia (soberania, fronteiras, liberdade, bem-estar). Por mais fofinha que seja a imagem de Putin nas entrevistas que se têm visto nas televisões (como Hitler fotografado a acariciar cãezinhos), é importante recordar coisas básicas.
Da coluna diária do CM.
Como dizem os hipsters e as pessoas da moda que sermoneiam no Instagram, os mistérios das religiões estão fora do tempo e fazem hoje parte de uma memória muito vaga. Ao “libertar-se da religião”, a sociedade “libertou-se” também da sua dimensão histórica (em Espanha, os novos programas de história do secundário não recuam além de 1812). Depois de laico, o Ocidente fez-se cínico e, seguidamente, envergonhado e ateu. Seja como for, amanhã, quinta-feira, inicia-se o “êxodo” do fim de semana da Páscoa, que ouvi na televisão ser, antes, “férias de Primavera” – para não ferir suscetibilidades. Poucos relacionarão a palavra “Páscoa” com o êxodo bíblico e a libertação dos escravos do Egito que depois tiveram a sua passagem pelo deserto. A Páscoa, de qualquer modo, celebrava-se mil anos antes de Cristo com esse significado, pessach, do hebraico, passagem. Hoje temos o cordeiro da Páscoa (outra herança bíblica, já agora) e os ovos de chocolate, o fim de semana dilatado, o repouso merecido, a alegoria cristã da ressurreição no domingo. Repouso e libertação. Vale a pena explicar tudo isto?
Da coluna diária do CM.
Desde 1972, Nuno Júdice (1949) publicou 40 livros (além de trinta títulos de ficção e ensaio). De A Noção de Poema até Regresso a um Cenário Campestre (de 2020), há um fio condutor que não nos indica um caminho, mas várias bifurcações reunidas em torno daquele primeiro título – porque quase toda a sua poesia é uma investigação sobre a natureza do poema e da poesia, da sua matéria e da sua transformação, da sua história e da sua existência fora da história, bem como das suas melancolias. Há, nesse percurso, títulos a que regressamos para ler alguma da sua melhor poesia (A Partilha dos Mitos, Lira de Líquen, Meditação sobre Ruínas, O Breve Sentimento do Eterno, A Pura Inscrição do Amor, alguns exemplos), mas numa obra tão vasta é difícil desenhar uma escala ou uma cartografia de temas recorrentes. Construída depois da modernidade e das suas catástrofes, a obra de Júdice procura identificar os sinais de poesia que sobrevivem – parte deles estão reunidos em 50 Anos de Poesia (Dom Quixote), que acaba de sair, e onde o autor faz uma escolha tão difícil como imprescindível.
Da coluna diária do CM.
Acabo de ler um texto de Ralph Nader (foi quatro vezes candidato à presidência dos EUA entre 1996 e 2008) em que este jurista e ambientalista implora que os seus concidadãos salvem o mundo secando a roupa ao ar livre. Não é um pedido no vazio. Ele invoca a sugestão do ambientalista Joe Wachunas que há 20 anos descobriu que “os italianos secavam a roupa em varais, estendais, varandas e janelas abertas”. Devia ter vindo a Portugal, Ralph Nader. Desatento como sou, não sabia que existia uma hashtag, por sinal bem popular (#sundrying): “É uma nova tendência que consiste em secar a roupa ao sol. Poupa energia e é bastante ‘ecofriendly’, amiga do ambiente.” O meu filho enviou-me vários posts aparecidos na net e na imprensa inglesa e americana sobre esta descoberta fantástica, e verifico que o International Journal of Research publicou mesmo um artigo intitulado “Benefícios de secar a roupa ao sol”, onde se assevera que “protege o meio ambiente, evitando combustíveis fósseis”. Sim, é uma descoberta de truz. Peço aos meus leitores que salvem o mundo, pondo a roupa a secar lá fora, por favor. Que descoberta fantástica, não é?
Da coluna diária do CM.
Eu teria 18 anos quando, por vários motivos, ganhei coragem para escrever a Jorge Gil (1945-2019), o realizador do programa «Em Órbita», da Rádio Comercial. O «Em Órbita» passava música antiga e barroca e eu ouvia-o todos os fins de tarde. Na volta do correio, Jorge Gil respondeu com uma bela carta (a lápis) e um disco com três concertos para violino de Giuseppe Tartini (interpretação dos Solistas de Veneza e Uto Ughi). Devo muito da paixão pela música a Jorge Gil e a esse disco de Tartini (1692-1770, veneziano nascido na atual Eslovénia) – sobre cujo nascimento passam hoje 330 anos. Tartini começou por estudar música porque a família queria vê-lo frade – mas a sua obra mais conhecida, quinze minutos de desafio, delírio, fantasia e frenesi, leva o nome de Trilo do Diabo (de que há uma bela versão de Ughi, justamente). A lenda é a de que Tartini sonhou que o Diabo estava ao pé da sua cama a tocar violino. Mas se o ‘Trilo’ é puro virtuosismo, difícil de tocar, os seus concertos e sonatas são uma busca de espiritualidade e de uma harmonia em repetição contínua. Convido-vos a ouvi-lo.
Da coluna diária do CM.
Há cinco anos, David Friend, que foi editor da revista Vanity Fair (e portanto sabe do que fala), publicou um livro intitulado The Naughty Nineties, sobre “o triunfo da libido americana”. Eram os anos em que a vida conjugal de um magnata espalhafatoso chamado Donald Trump vinha nas primeiras páginas, em que o caso Clinton-Lewinsky estava horas seguidas na televisão, em que o sexo estava em todos os lugares num país historicamente puritano, mas degradado e pornógrafo. Ontem, a manchete do CM era sobre assédio sexual na faculdade de Direito de Lisboa, uma das nossas fábricas e fornecedora do poder. Isto não se estranha num país que fala de sexo e exibe a sexualidade privada e vida pública nas tvs, e em que as relações de poder são muitas vezes estabelecidas através de troca de favores sexuais. Os desejos sexuais, os vícios, as ameaças e os preconceitos são agora públicos. Não se trata apenas das “relações de poder”, mas de uma nova psique nacional: pessoas mimadas (geralmente palonços tristes e deslumbrados) que julgam tudo lhes ser devido e que todos os desejos são para satisfazer.
Da coluna diária do CM.
Isaac Asimov (que nasceu na Rússia em 1920, perto de Smolensk) foi um adolescente até ao final da vida, fascinado com a ideia de um mundo imaginado até ao mais ínfimo pormenor. Um universo que funcionasse na perfeição. Se o checo Karel Čapek imaginou uma revolta dos robôs, por exemplo (na peça RUR, de 1920), Asimov estabeleceu as regras para que isso não acontecesse, as chamadas “três leis da robótica”: nada falhava no seu mundo, não por imposição de um poder superior, mas porque o universo se encaminharia um dia para a perfeição. Na série Fundação (que nos recorda vagamente a saga de Star Treck), a mais famosa de toda a sua bibliografia, estabelece os princípios dessa ordem, em que a velha ordem é substituída por uma hierarquia equilibrada de valores científicos, humanos e morais. Asimov levou milhões de adolescentes e adultos a acreditar na invenção e na imaginação científicas e no poder do conhecimento. Quando morreu, em abril de 1992 (há 30 anos, assinalados hoje), tinha escrito mais de 400 obras. Era um dos modelos do americano utópico, ingénuo e visionário. Destes, agora, só no cinema.
Da coluna diária do CM.
Histórias que me apaixonam: pessoas que atravessam o mundo e nunca sabemos quem são. A de Artur José dos Santos Carneiro, aliás Art Carneiro (pai do ex-ministro Roberto Carneiro e avô da maestrina Joana), trompetista e multi-instrumentista da Whitney Smith Orchestra, antes de fundar a Art Carneiro Band e de se tornar estrela do jazz em Xangai (e depois em Hong Kong). A da família Collaço, que manteve, inclusive, uma equipa de hóquei em Xangai. Ou a aventurosa biografia de China Machado, aliás Noeli Maria Machado, pai de ascendência chinesa, mãe com raízes goesas, portuguesa de nascimento, criada em Xangai, menina de família até ter encontrado o toureiro Dominguín, que a deixaria por Ava Gardner – que nunca foi tão bonita como China, claro, que viveu em todo o lado, modelo das grandes marcas e dos grandes fotógrafos (como Richard Avedon) e capa das grandes revistas. Vão ver: é linda. Todas estas histórias, e mais trinta, são contadas por António Caeiro (20 anos correspondente da Lusa em Pequim) no livro Os Retornados de Xangai (Tinta-da-China), que sai hoje. Um livro maravilhoso.
Da coluna diária do CM.
As cidades tomadas às forças russas mostram o horror a regressar à Europa, pelas mesmas mãos que no final da II Guerra foram responsáveis por carnificinas idênticas na Polónia, na Ucrânia, na Alemanha e na própria Rússia – na altura, o Exército Vermelho, agora o exército russo. Durante anos, muitos intelectuais silenciaram os massacres para não ferir suscetibilidades políticas nem beliscar o regime de Moscovo. Agora, alguns deles, professores, jornalistas, escritores, artistas, queixaram-se de a sua voz não ser escutada (o que é falso) e de as suas posições serem criticadas (o que é normal na democracia de que sempre desconfiaram), mas o essencial é a sua recusa em condenar a agressão russa e em manifestar o mínimo de empatia para com a Ucrânia. Serão cúmplices dos massacres, do morticínio, das violações e da destruição causada pela Rússia num país soberano que invadiu. Em agosto de 1939, Estaline assinou um pacto com Hitler. Em março de 2022, estes intelectuais assinaram um pacto semelhante, com a agravante de já conhecerem as provas da sua infâmia e a forma como a Rússia assassina.
Da coluna diária do CM.
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