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O exorbitante delírio de Putin acerca da Ucrânia não é apenas obra daquela cabeça autoritária e estalinista. Era bom reler Dostoiévski contra a autonomia ucraniana e o niilismo ou “utilitarismo”, sinónimos de ocidentalismo. É um debate que percorre toda a cultura russa, com momentos mais ruidosos e extremos em que o imperialismo russo toma uma forma agressiva (como agora). Há cinco anos, o Kremlin protestou contra a publicação, pela Penguin inglesa, dos escritos de Ivan Turgéniev (1818-1883), que foi o criador do termo niilista, emprestado a uma das suas personagens, Bazárov, um homem que detestava “ambos os lados da contenda” (ou seja, os “modernizadores da Rússia”, tanto como os representantes da “velha Rússia”). Esta perspetiva marcou obras decisivas como as de Soljienitsine, Pasternak ou Bulgakov. “Aristocracia, liberalismo, progresso, princípios... palavras sem utilidade. A Rússia não precisa delas”, dizia Turgéniev, que acabou por abandonar a Rússia e ir viver para a França cosmopolita e liberal, onde morreu – a Rússia de 2022 nunca deixou de ser a de 1860 (o romance Pais e Filhos, deTurgéniev, é de 1862). Pelos motivos errados.
Da coluna diária do CM.
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