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O cenário de destruição que atingiu Petrópolis recordou-me Stefan Zweig (1881-1942), que encontrou aí refúgio depois de, em 1940, ter escapado ao nazismo e ter atravessado o Atlântico. Em 1941 publicou Brasil, País do Futuro – título que constitui, em simultâneo, uma promessa e uma maldição. Mas não é do Brasil nem de Petrópolis que hoje se deve falar, apesar dos demónios do desprezo e da infelicidade, e sim de Stefan Zweig, que viveu naquelas montanhas sobre o Rio de Janeiro. Pessimista e muito para lá de culto, com raízes judaicas, Zweig foi um dos grandes humanistas europeus do século XX – ensinou-nos que a História se reencontra com os nossos medos e as nossas desilusões; as suas biografias (Fernão de Magalhães, Maria Antonieta ou Balzac, por exemplo), tal como a maior parte dos seus romances, são estudos sobre a complexidade e o desejo, sobre o destino de vidas de exceção num tabuleiro de xadrez em movimento perpétuo – e sobre nós mesmos enquanto seres em busca de alguma perfeição. Passam hoje 80 anos sobre o suicídio de Stefan Zweig, o autor de Amok ou A Novela de Xadrez.
Da coluna diária do CM.
O The New York Times, uma espécie de órgão central dos maluquinhos de serviço, fez uma campanha sobre os seus tipos de leitores. Um desses tipos é Lianna, que é não-binária, queer e negra. O que a caracteriza como leitora? “Ela imagina Harry Potter sem a sua criadora.” Ou seja, sem J.K. Rowling, uma vez que J.K. Rowling foi acusada de transfobia apenas por dizer que não basta um homem sentir-se “mulher” para ser mulher – e que há uma dimensão biológica importante no feminino, tal como no masculino. Mesmo sem essa trangalhadança sexual, a ameaça está na ideia de imaginar um livro sem o seu criador: Harry Potter sem JK Rowling, porque ela é uma pessoa má; Os Maias sem Eça, porque ele “racista”; O Misantropo sem Molière, porque ele era soez; Orgulho e Preconceito sem Jane Austen, porque ela era conservadora; As Bruxas de Eastwick sem Updike, porque ele era machista – um mundo sem dificuldades nem discussões, nem dúvidas, bem contrariedades. É uma nova e brutal forma de apropriação – um mundo sem criadores nem autores, porque eles são incómodos. Só com patetices.
Da coluna diária do CM.
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