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Por motivos que me ultrapassam e de que peço desculpa, estive a ler um belo romance – coisa que não costuma acontecer, porque parte da literatura de hoje se entretém a mostrar que as ideias do livro estão certinhas, ou então a servir como divã para lamentações de autores (com abundância nórdica) que têm problemas sexuais e familiares de que o Dr. Freud podia dar uma explicação simples. Nenhuma dessas matérias me interessa. Porém, o romance que li era muito bom: uma pequena saga entre África e a Europa, uma história bem humorada e enquadrada entre o século XIX e os dias de hoje, cheia de belas páginas proféticas, com personagens que lutam pela (sua) liberdade e tentam refazer a história das suas famílias. Porém, na publicidade ao livro que circula nas redes sociais, o editor lá incluiu palavras como “colonialismo”, “racismo” e, ena!, “identidade de género”. Fui ler outra vez o livro, porque não detetara esses temas, tão dissimulados estariam. Não, não os descortinei. Simplesmente, essas palavras são o novo ‘aloe vera’ dos detergentes e iogurtes: se não estão lá, o livro corre riscos.
Da coluna diária do CM.
Se há coisa de que não se pode acusar Carme Junyent é de ser anti-feminista. A professora da Universidade de Barcelona não só é uma das vozes históricas do feminismo em Espanha como é uma conceituada linguista, especializada em diversidade linguística e antropologia, além de ter organizado um estudo sobre as “questões de género” na linguagem de hoje. Carme Junyent diz que ninguém pode obrigar-nos a dizer “todas e todos” e, muito menos, “todas, todos e todes”, como querem os marcianos – e as marcianas. Porém, cansou-se – e acaba de reunir 70 mulheres num único livro intitulado Somos Mulheres, somos Linguistas, Somos Muitas e Dizemos Basta (no original Som dones, som lingüistes, som moltes i diem prou). Junyent vê as coisas de forma clara: esta moda veio para ficar, como as abreviaturas, os erros ortográficos e o mau estilo; porém, ninguém deve ser obrigado a seguir a palermice. Nenhuma lei pode impô-lo. O que é importante é que cada pessoa viva os seus direitos em liberdade e disponha da vida sexual como entender – mas que não nos seja imposta uma norma linguística errada, defeituosa e injustificada que só analfabetismo pode promover. E era isto.
Da coluna diária do CM.
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