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Portanto, cresceram-nos os polegares – não só aos adolescentes e infantes, mas a todos nós, de meia-idade ou no derradeiro quartel da vida, quando tudo o que fazemos devia ser por gozo ou comodidade. Não é assim. A ideia é que nos sirvamos dos polegares para manejar o telefone, porque as autoridades estão cientes de que os maiores de setenta são muito capazes de fazer no computador operações que há vinte anos não se imaginavam sequer no cinema: pagar impostos através do computador, que seja; ir ao banco, só pelo computador; ir ao médico, pela tela do computador; conversar com a família – durante após a “pandemia” (todos estamos fartos da palavra) –, pois que seja pelo computador. Vamos e venhamos, isso é uma coisa que se aprende, desde que haja computador, desde que haja internet e desde que haja pessoas entre um ponto e outro. O problema é que às vezes não há.
Consciente disso, Carlos San Juán – um espanhol de 78 anos, urologista reformado – entrou na semana passada pela porta do ministério da Economia com 600 mil assinaturas de pessoas que reclamam contra a “exclusão financeira” de que são vítimas os maiores de idade por parte dos bancos. “Sou velho, não sou idiota”, disse San Juán.
Desde 2008, para melhorarem os seus resultados, os bancos encerraram mais de 50% das suas agências e sucursais. O resultado é que “o interior” e as zonas onde há mais idosos, reformados ou pessoas que não usam o computador, ficaram privados do que antes podiam fazer na sua freguesia, ou perto: fazer um depósito, levantar dinheiro, conversar com quem guarda as suas economias, pagar uma conta, assinar um documento. Tudo coisas que se fazem na “era digital” com certa facilidade – mas de que não se podem afastar os nossos mais velhos. Para o Estado e para os bancos, eternos aliados, não há cá “exclusão financeira”, tudo se faz com teclas. Mas, pelo sim, pelo não, receberam o Dr. Carlos San Juán com cautelas e prometeram pensar no assunto. Como diz o jornal ABC, talvez por ser urologista e saber onde é que lhes dói.
Nenhum autor – tirando Shakespeare, por vários motivos – resumiu tão bem o retrato de um mundo em convulsão como Charles Dickens; ninguém esquece o início de Um Conto de Duas Cidades (1859), onde fala do “melhor dos tempos e do pior dos tempos”, “o tempo da sabedoria e o tempo da loucura; a estação da luz e a estação das trevas”. Dickens, que nasceu há duzentos e dez anos, assinalados hoje, foi um dos maiores produtos da época vitoriana, ao lado de Darwin, Ruskin, as irmãs Brontë, Stevenson, Lewis Carroll, Thomas Hardy, George Eliot ou Thackeray. São os nossos clássicos do século XIX, contemporâneos de Marx ou Freud. Os Cadernos de Pickwick (1837) é um retrato prodigioso como a Inglaterra quase nunca teve, se nos abstivermos de muitos escritos de Orwell. Mas é como romancista e de grande estilista que Dickens entra na galeria dos eternos que nos comovem, em livros como David Copperfield (1850), Tempos Difíceis (1854) ou Grandes Esperanças (1861). O olhar da Europa sobre “as classes desfavorecidas” nunca foi o mesmo. A ficção e o seu poder também não. 210 anos de Dickens, notem bem.
Da coluna diária do CM.
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