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Ofender crianças adultas.

por FJV, em 30.11.21

A Universidade de Aberdeen, na Escócia, publicou, destinado aos seus estudantes, um guia com recomendações acerca de leitura de obras literárias. Vendo-os em ajuntamentos, nunca pensei que os pós-adolescentes precisassem de ser avisados de que, frequentemente, a literatura lida com raptos, traição e assassinato – mas é sobre isso que fala a direção da universidade, avisando os jovens incautos. Por exemplo, determinado romance de Robert Louis Stevenson (autor da ‘Ilha do Tesouro’) lida com temas como assassinato, morte, traição familiar e sequestro. Já sobre Júlio César, de Shakespeare, os jovenzinhos são avisados de que a história central é de assassinato mas que há cenas sexistas lá para diante. Em relação a Um Conto de Duas Cidades, de Dickens, a universidade alerta para cenas de violência. O resto do documento assinala outros tópicos que podem ofender os alunos, como parto, aborto e aborto espontâneo, representações de pobreza e classe, blasfémia, adultério ou abuso de álcool e drogas. Uma pessoa já não sabe o que há de dizer para não ofender as crianças adultas.

Da coluna diária do CM.

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Natalie Wood

por FJV, em 29.11.21

O mistério da morte continua. A última noite de Natalie Wood na HBO

A minha total inaptidão para apreciar musicais americanos leva-me a nunca ter visto West Side Story (1961), um clássico. Mas vi imagens do filme por causa de Natalie Wood (1938-1981) que nos deixou há quarenta anos, assinalados hoje. Temos, portanto, além das imagens, a sua aparição em Rebel With a Cause (Fúria de Viver, 1955), de Nicholas Ray, ao lado de James Dean; temo-la no gigantesco A Desaparecida, de John Ford (1956), partilhando a luz e a penumbra com um grande John Wayne; temo-la, finalmente, no seu deslumbrante papel de Deanie Loomis em Esplendor na Relva (1961), de Elia Kazan, ao lado de Warren Beaty – isto seria suficiente, acrescentando-lhe talvez A Flor à Beira do Pântano, de Sidney Pollack (1966). Retenho sobretudo Esplendor na Relva, onde Natalie Wood aparece plena maturidade e de brilho, o que se deve à constante perversidade de Elia Kazan e à personagem que Natalie interpreta. A sua beleza delicada e triste é como uma lembrança rara, para não falar dos versos de William Wordsworth que fecham Esplendor na Relva: uma beleza que ficou no passado.

Da coluna diária do CM.

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Stefan Zweig.

por FJV, em 26.11.21

Legionário, 1° de maròo de 1942, Comentando... Stefan Zweig

Subi duas vezes do Rio de Janeiro para a serra de Petrópolis, a fim de visitar a discreta casa onde viveu durante alguns anos, e acabou por morrer, o austríaco Stefan Zweig (1881-1942). Foi nessa casa que Zweig escreveu a Novela de Xadrez bem como as históricas páginas de O Mundo de Ontem, a autobiografia e recordações de um europeu. De origens judaicas, Zweig atravessou o início da I Guerra como um patriota germânico, mas foi como pacifista e – precisamente – europeu, compreendendo bem a natureza e o alcance do nazismo, que atravessou o Atlântico em 1940, primeiro para os EUA e depois para o Brasil, onde se suicidaria dois anos mais tarde, consumido pelo desespero e pela visão de um mundo submetido à vertigem autoritária. Biógrafo notável, romancista tenso e classicista, intelectual culto e pessimista, Zweig interpreta o ideal do escritor absolutamente comprometido com os seus livros (uma lista vastíssima), um misto de romancista, historiador, psicólogo, viajante, repórter e cronista cheio de intuição. No próximo domingo passam 140 anos sobre o seu nascimento em Viena.

Da coluna diária do CM.

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A propagandista.

por FJV, em 25.11.21

A severidade da pandemia e dos acontecimentos, a agressividade de um vírus desconhecido: nada disso alterou o discurso da ministra da Saúde, que teve um dos trabalhos mais ingratos nestes dois anos. Temos de lhe dar um desconto; não foi fácil. Naquele posto, tanto poderia reunir os cidadãos à sua volta como cair na tentação da propaganda e da colheita de benefícios políticos. São dois extremos; a ministra preferiu inclinar-se para a segunda das escolhas. Não lhe podemos atribuir responsabilidade pelos 20 mil mortos e pela tormenta que atravessamos – mas devemos exigir-lhe contenção depois de sucessivas decisões erradas (algumas, dramáticas) e da estratégia desorganizada que comandou. Teve a seu favor conferências de imprensa dóceis onde jornalistas deslumbrados pelo seu acento a deixaram brilhar como um objeto de culto. Ontem, com 4 mil novos infectados e mais 17 mortos, a ministra ocupou-se da situação calamitosa dos hospitais, e decidiu comunicar-nos que era melhor vacinar e contratar médicos “mais resilientes”. Foi triste e arrogante. É uma simples propagandista. Tudo lhe correrá bem.

Da coluna diária do CM.

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O Dr. Rendeiro ou porque está o país transformado num manicómio.

por FJV, em 24.11.21

Ao contrário do que se disse, o país não ensandeceu. O facto de uma parte dele ter paralisado – até de riso – ao assistir à entrevista em que João Rendeiro pediu um indulto, não significa que o país tivesse “perdido o juízo”, porque isso já aconteceu há muito. A pobre e abjeta endogamia lusitana dá nisto. O primeiro-ministro disse-o de forma elegante numa entrevista recente: “Ninguém está livre de ter um criminoso ao seu lado.” A frase tem sentido, porque Portugal é um país onde a classe dirigente se reproduz em rede, e onde há sempre um primo cruzado com um diretor-geral, e com um presidente de qualquer coisa, que por sua vez se cruzou com um banqueiro que se transformou num colecionador de arte ou num trampolineiro – é o desenho da nossa promiscuidade. Tanto melhor se tiver “a cultura” para limpar o currículo, porque a aura das artes cresce nos toutiços desta gente. Não há coisa que me meta mais impressão. Que o Dr. Rendeiro seja substituído, no coração de alguém, por três singelas cadelinhas – é coisa que me maravilha ao ponto de me pôr a chorar. Pelo país, naturalmente.

Da coluna diária do CM.

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Dexter.

por FJV, em 23.11.21

Por que é que a série Dexter era tão saborosa de ver? Porque jogava com todos os interditos: em primeiro lugar, o sangue (na polícia de Miami, Dexter era especialista em analisar salpicos de sangue em cenas de crime); depois o desejo de fazer justiça onde a justiça não podia atuar (e sempre com um compromisso ético, ou seja, Dexter precisava de provas, só mata quando é absolutamente seguro que a vítima é um homicida); depois, ainda, o risco de ser descoberto pelos próprios colegas ou pela família (é um jogo no fio da navalha, o da heteronímia); finalmente, a voz off de Dexter, uma corrente contínua de tensão e consciência, elementos fundamental da série. A nova temporada (na HBO, ainda só estão disponíveis três episódios) não é, afinal, uma nova temporada – é uma nova série, New Blood, novo sangue. O cenário já não é Miami mas uma pequena cidade no interior do estado de Nova Iorque, onde Dexter mudou de nome (é Jim Lindsay) e namora com a chefe de polícia local. Há donuts, como antes, mas os mistérios da paternidade visitam-no de novo. Estou pendurado no crime, semana a semana.

Da coluna diária do CM.

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António Osório.

por FJV, em 22.11.21

Tudo o que se disser sobre a poesia de António Osório (1933-2021), que morreu na passada quinta-feira, há de repetir o refrão essencial: o de que a sua obra é uma espécie de regresso ao desejo de pureza, à tranquilidade das suas imagens e a uma ecologia básica que Osório transformou numa pesquisa sobre a beleza. Advogado, ensaísta, sociólogo (recomendo o seu inesquecível e sempre atual livro sobre a mitologia fadista, de 1974), um cavalheiro como já não há e já não havia, António Osório foi um poeta raríssimo que escreveu na contracorrente, avesso aos modernismos e ruídos que aborreceram a poesia. Uma simplicidade comovente, era isso que ele desejava para a sua poesia: “Meus versos, desejo-vos nas bibliotecas/ itinerantes, gostaríeis de viajar/ por aldeias, praias, escolas primárias,/ despertar o rápido olhar das crianças,/ estar nas suas mãos/ completamente indefeso/ e, sobretudo, que não vos compreendam./ Oxalá escrevam, risquem, atirem no recreio/ umas às outras como pélas os livros/ e sonhem, se possível, com algum verso/ que súbito se esgueire pela sua alma.” Leiam, por favor.

Da coluna diária do CM.

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Philip Roth e um ser humano.

por FJV, em 18.11.21

Pedi o livro mal foi publicado nos EUA, o que foi uma saga: Blake Bailey, o autor da monumental biografia do monumental Philip Roth (1933-2018) foi brutalmente espancado pela imprensa e meios universitários depois de terem aparecido acusações de má conduta sexual – até a sua editora ter decidido retirar o livro das prateleiras. Felizmente apareceu outra; e, felizmente, o livro está já traduzido em português, o que é uma boa oportunidade para, lendo-o, conhecer “o outro lado” de Philip Roth: as suas paixonetas e paixões, as embirrações secretas, as manobras para limpar a biografia, as rivalidades, a capacidade de trabalho, a família, os deslizes e, claro, lá está, “o problema do Nobel” que nunca veio (a academia sueca é uma enxerga de gente aborrecida e inútil), e que se transformou numa obsessão tão ausente como presente. Roth era um escritor notável (por livro percebe-se que às vezes se julgava o melhor de todos, o que se lhe desculpa). Só uma biografia igualmente notável podia fazer-lhe justiça e ler-se do princípio ao fim como se estivéssemos ao corrente de tudo. Que maravilha.

Da coluna diária do CM.

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Vigilância.

por FJV, em 17.11.21

Global activism informs student projects at Dubai Design Week

De entre os 60 projetos admitidos como “inovadores” na Semana do Design do Dubai, que terminou no domingo, apaixonei-me pelo Themis, um dispositivo de inteligência artificial que promete ser um sucesso em todos os lares modernos, universidades comandadas pelo desejo de corrigir o mundo e espaços públicos em geral. O Themis é um duplo altifalante, mas ao contrário: pelas suas minúsculas campânulas entra som; aí, analisa conversas, escuta tudo à sua volta e emite alertas igualmente sonoros quando escuta discursos ofensivos ou politicamente incorretos, piadas de índole racial, eventuais deslizes e picardias que podem ser consideradas trogloditas (ao lado do Themis foi apresentado o Ethics, um programa informático destinado a ‘ajudar startups de tecnologia a avaliar e agir de acordo com implicações éticas’). Na apresentação, foi dito que o Themis analisa “a imprevisibilidade do comportamento humano”. Ao detetar coisas ofensivas, o aparelho começa a zunir, suponho, desencadeando “um processo de autocrítica” nos indivíduos faltosos. Estou a precisar de um Themis para ler George Orwell.

Da coluna diária do CM.

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O drama do futebol.

por FJV, em 16.11.21

Miséria, desastre, tragédia, vergonha, catástrofe, calamidade, sinistro, desgraça: houvesse mais designações e elas apareceriam nos títulos que a imprensa usou ontem para falar, não acerca do país em geral, mas sobre a justa derrota futebolística diante da Sérvia. Claro que há razões estritamente técnicas, ou seja, relacionadas com o sistema de jogo e as instruções do treinador, a justificar o desaire. Mas a depressão lusitana tem várias explicações; o elevado “nível de patriotismo” e de convencimento é um deles, sobretudo com o patrocínio de figuras de Estado que repetem a despropósito o slogan “os melhores do mundo”. Excelentes jogadores – e uma equipa de neurónios manietados, cercada por patriotas que desejam seguir em cruzada até ao Qatar. Todos sabemos que o futebol é muito mais do que o futebol; mas o domínio da fé não tem a ver com a qualidade dos resultados; só com os sentimentos dos adeptos, que nunca são razoáveis. Fui procurar o desastre, a tragédia, a vergonha, a terrível calamidade, a desgraça – e só encontrei uma justa derrota com a Sérvia, que jogou para ganhar. Calma.

Da coluna diária do CM.

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As árvores.

por FJV, em 15.11.21

grandes árvores no jardim 1927003 Foto de stock no Vecteezy

A Faculdade de Letras do Porto (Instituto de Literatura Comparada) organizou no final da semana um colóquio sobre árvores e o que temos a aprender com elas: “O Conhecimento das Árvores. Árvores do Conhecimento”. Mas isso não basta para que as “pessoas de letras”, por exemplo (a começar pelos escritores), dediquem algum do seu tempo ao conhecimento e ao amor pelas árvores. Nem sequer à sua contemplação, um remédio para pequenos ou grandes males da nossa vida. Contemplar árvores – araucárias, magnólias, japoneiras (ou camélias), rododendros, cedros, nogueiras, metrosideros, tulipeiros, faias, oliveiras, castanheiros, amoreiras, liquidâmbares, figueiras, carvalhos, amendoeiras, salgueiros, choupos, loureiros, plátanos – é um bem para a chamada “saúde mental”, mas sobretudo para que o mundo nos tranquilize. No Mau Tempo no Canal, ao falar de um laranjal em S. Jorge, Vitorino Nemésio chamava-lhe “uma biblioteca sem leitores”. É isso. Às vezes precisamos de ler as árvores, ver as suas cores e como se mudam – e nós acalmamos. É uma sabedoria rara e antiga que não podemos esquecer.

Da coluna diária do CM.

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Livro de Receitas dos Lugares Imaginários.

por FJV, em 12.11.21

Se a literatura não servir para isto, então não serve para nada. Refiro-me a espevitar a imaginação, um dos trabalhos de Alberto Manguel para nos deliciar com as coisas tremendas que há nos livros. A partir deles, tanto de Shakespeare como de Dante, de Tolkien como de Júlio Verne e García Márquez, ou H.G. Wells, ou Platão, ou Borges, tanto se constroem lugares imaginários (é o material do seu Dicionário de Lugares Imaginários) como receitas de cozinha, que é o que acontecem em Livro de Receitas dos Lugares Imaginários (a edição da Tinta-da-China acaba de chegar às livrarias): um livro leva a outro, e cada um deles transporta uma receita, além do podermos escolher uma filiação literária para a nossa comida. Queremos hambúrgueres para dinossauros? Bolos para Hobbits? Ostras de Vénus? Risotto de cabeça de serpente-negra? Caldeirada da Atlântida? Tudo é possível. É claro que há gente que desconfia disso, porque é aborrecida demais para acreditar em anjos, na vida no fundo do mar ou em amigos invisíveis. Ficam a perder e a repetir-se – e nós a rir com Alberto Manguel.

Da coluna diária do CM.

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Fiódor Dostoiévski (1821-1881).

por FJV, em 11.11.21

Passam hoje 200 anos sobre o nascimento de Fiódor Dostoiévski (1821-1881). Uma parte de mim (a pior) concorda com Nabokov, que abominava Dostoiévski (a que chamava “um escritor de terceira categoria e de uma fama injustificada”), e também com Hemingway, que o acusava, sobretudo, de “escrever mal”. Não o li em russo e não posso avaliar – mas Crime e Castigo, e sobretudo Os Demónios, estão entre os livros que não esqueci. O primeiro, porque é construído em torno dos tormentos inesquecíveis e fatais de Raskólnikov; o segundo porque, apesar de algum tom barroco (um primeiro parágrafo de contraponto e fuga), nos transporta, sem flores de piedade, ao coração do terrorismo e do extremismo – e que nos abre as portas para a leitura do surpreendente Memórias do Subterrâneo. Mas isto são notas pessoais; o resto, que é o mais importante, tem a ver com o poder extraordinário dos seus livros ao longo destes dois séculos que passaram – sobre a culpa, o arrependimento, o castigo, a idiotia contemporânea, a “alma russa”, o sentimento religioso. Está em cada coisa que sobra da nossa angústia.

Da coluna diária do CM.

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A revolução que apaga os seus heróis.

por FJV, em 09.11.21

O PCP, fiel à memória leninista e estalinista, assinalou – como lhe competia – os 104 anos da revolução bolchevique. Faz parte do seu folclore e da sua tradição. Os «jovens do Bloco de Esquerda» também festejaram a data; mas, ao contrário dos comunistas, que já não ripostam quando se lhes recorda a filiação estalinista ou a longa lista de crimes cometidos em nome da revolução (que depressa devorou os seus filhos), muitos jovens bloquistas manifestaram a sua surpresa nas redes sociais ao serem confrontados com a herança trágica da Revolução de Outubro. É natural; chegaram tarde ao debate e ainda não estudaram a história das purgas, da violência e das armadilhas do processo histórico. Todos nos recordamos da então jovem militante do PCP que, interrogada sobre o Gulag, os milhões de vítimas do regime soviético, o delírio homicida de Estaline, se justificou com a melhor das respostas: que não tinha estudado isso na universidade. Para os «jovens do Bloco», a revolução bolchevique é só um terreiro de festa. Não sabem que depois serão apagados das fotografias, hoje como na época.

Da coluna diária do CM.

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Uma medalha.

por FJV, em 08.11.21

O desporto é parte essencial da nossa vida. Talvez por isso, o Presidente condecorou atletas de futebol, futebol de praia, canoagem, corrida, triplo-salto, lançamento de peso, automobilismo, ténis, treinadores de futebol, maratona, paralímpicos – a nenhum estou a regatear mérito ou a retirar a justiça da atribuição das medalhas a esses símbolos do orgulho pátrio. Longe disso, até porque os heróis de hoje, verdadeiros ‘influencers’ da pátria, são figuras do desporto e do rock, sem mencionar que, a cada medalha, comemoração, festejo, audiência pública em Belém, os governantes e o presidente (este, por excesso de generosidade; os outros por calculismo esperto) declaram sermos “os melhores do mundo”. Na passada quinta-feira, Ana Luísa Amaral, a grande autora de Às Vezes o Paraíso, Se Fosse um Intervalo, Ágora ou, na semana passada, Mundo (a sua poesia está reunida em várias antologias), a ensaísta de Arder a Palavra, recebeu em Espanha o Prémio Rainha Sofia, o mais importante prémio literário ibero-americano. A medalha não interessa, mas uma felicitação pública era mais do que justa.

Da coluna diária do CM.

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Facebook.

por FJV, em 05.11.21

O Facebook transformou-se, finalmente, num problema. Os governos – um pouco por todo o lado – exigem que a companhia americana demonstre algum sentido de responsabilidade e ameaçam “regulamentar”. Por seu lado, a empresa diz que se trata apenas, coitada, de uma plataforma para as pessoas interagirem e que, se isso às vezes leva a más consequências, como bullying ou exposição a conteúdos violentos, esse é o preço a pagar por vivermos numa sociedade aberta. Mas o Facebook (ou Meta, nova designação da mega-holding) dispõe ainda do Facebook Messenger, Instagram e WhatsApp, o que significa que o seu algoritmo não produz apenas lucros ou lugares de conversa – é também um instrumento poderoso que pode cair, e cai frequentemente, em mãos perigosas. Além disso, é altifalante da ideologia dominante em Silicon Valley, muito na moda, com um algoritmo fofinho e ainda mais perigoso. No entanto, fico varado com a quantidade de pessoas que, criticando as “redes sociais”, sabem tudo o que nelas se passa e publicam mesmo diariamente no Facebook. A solução não é proibir – é desmobilizar e sair de lá.

Da coluna diária do CM.

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Tempos de sustentabilidade.

por FJV, em 04.11.21

Subitamente, tanto os economistas como os especialistas em lifestyle se deram conta de que a "sustentabilidade" nos fica cara – e que é mais cara. Não me admira. A ideia de "sustentabilidade" é um refrão usado a torto e a direito – e, tirando os problemas concretos de produção de energia e de melhoria da chamada “qualidade alimentar”, exige que pensemos um pouco no que os anos da abundância fizeram de nós: pessoas que já não se recordam do tempo em que não havia embalagens de plástico (e tínhamos de trocar garrafas vazias na mercearia), em que comprávamos produtos não embalados (o grão, o feijão, o pão), em que cortávamos a água do duche quando nos ensaboávamos, em que desligávamos a luz quando íamos de uma divisão para outra, ou em que havia hábito de pedir meias-solas para um par de sapatos. Os anos do crescimento económico e da abundância, que foram felizes para multidões arrancadas à pobreza, foram também os anos em que o desperdício se tornou moda depois dos tempos da penúria do pós-guerras. As gerações nascidas depois dessa mudança precisam de um pouco dessa memória.

Da coluna diária do CM.

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André Malraux.

por FJV, em 03.11.21

O FALCÃO DE JADE: Falar de André Malraux: ainda o sonho...

Recordo-me de uma série de televisão com André Malraux (1901-1976), As Vozes do Silêncio, uma revisitação do seu livro com o mesmo título. Ver aquele rosto, ouvir a voz e a profundidade da voz, perceber o sentido da denúncia de uma vida sem sentido, ou em busca de sentido – foi a minha porta de entrada para visitar André Malraux várias vezes. Houve uma velha edição de As Vozes do Silêncio em dois volumes, sim; o romance A Condição Humana e o encontro com a China e as difíceis escolhas desse tempo (que já tinha tratado em Os Conquistadores); a guerra civil de Espanha e A Esperança; a herança de De Gaulle em Quando os Robles se Abatem – e, naturalmente, as suas opções políticas, que tanto o colocam ao lado dos republicanos na guerra espanhola, como ao lado de De Gaulle no segundo sopro da sua vida política, atravessando o Maio de 68 no lado menos popular das barricadas, o que gerou a hostilidade da esquerda desses anos, que demorou a reconhecê-lo com um dos europeus mais influentes do século XX. Passam hoje 120 anos sobre o nascimento de André Malraux, uma voz contra o silêncio.

Da coluna diária do CM.

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Tradição liberal.

por FJV, em 02.11.21

Ontem, o The New York Times publicou um tão interessante como cómico artigo sobre os excessos da linguagem politicamente correta, no qual alguns académicos e até “ativistas” se queixavam da “complexidade” da ridícula algaraviada em moda. Depois de 250 anos de tradição liberal na nossa civilização, assistimos a uma vaga de censura, perseguições a académicos e intelectuais, professores despedidos nas universidades, queima de livros, boicote a autores – tudo em nome de um espírito de “pureza ideológica” e de “justiça”, que têm muito a ver com o espírito religioso, a fúria adolescente e o ressentimento de classe. Frequentemente escrevo sobre o assunto nesta coluna, mas ler a imprensa americana de hoje lembra que o país onde floresceu a tradição liberal (título de um clássico, A Tradição Liberal na América, de Louis Hartz, 1955) é também o país dos processos das bruxas de Salem, da Lei Seca, das políticas e campanhas “de purificação”, das perseguições do macarthismo, da censura e proibição de livros nas bibliotecas e da infantilização e leviandade intelectual em geral. Nada que nos espante.

Da coluna diária do CM.

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Stephen Crane.

por FJV, em 01.11.21

The Hectic Career of Stephen Crane | The New Yorker

A alguns ecoará ainda o nome do filme, uma obra prima sobre a guerra-civil americana, A Insígnia Rubra da Coragem, de John Huston. Era assim o título do livro de Stephen Crane (uma velha edição da Civilização Editora que li na adolescência), The Red Badge of Courage (1895), onde mais tarde o “rubra” foi substituído por “vermelha”). A história de Henry Fleming, o soldado que, depois de fugir, regressa para ser porta-estandarte do seu batalhão, é uma epopeia no meio do horror. Stephen Crane não é apenas o autor de um livro se guerra — mas um poeta notável desse fim de século americano, repórter e poeta, amigo de Joseph Conrad, um génio do naturalismo americano na prosa, mas também do simbolismo na poesia — uma alma em busca de beleza e consolação. Nem de propósito, a Asa acaba de publicar Um Homem em Chamas, A Vida e Obra e Stephen Crane, de Paul Auster, bem a tempo de assinalar os 150 anos do nascimento de Stephen Crane, que passam hoje. Teve uma vida breve e agitada (1871-1900), mas o suficiente para ter insuflado energia e drama à literatura americana. Nada como relê-lo.

Da coluna diária do CM.

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