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Ontem, no Twitter, Miguel Monjardino escolheu o Adágio de Samuel Barber como a música que devia acompanhar as cerimónias fúnebres do presidente Jorge Sampaio. Não poderia concordar mais – a densidade e a solenidade da música de Barber (1910-1981) seriam uma despedida comovente e acertada para um homem como Sampaio. Muito se disse dele sobre ser um “homem bom” e não vale a pena repetir aqui essa evidência. Sampaio foi talvez um dos últimos representantes dessa burguesia lisboeta (de onde vinham os “homens bons” de Fernão Lopes), culta, humanista, comprometida mas sensível às coisas comuns, liberal nos costumes e valores, cosmopolita, valorizando a leitura e as artes tanto como as tradições e a possibilidade de reunir os contrários. Nas despedidas, devemos valorizar o que nos une, se nada do que nos separou foi tão trágico que torne impossível a memória. Mas Sampaio foi também a prova de que para exercer cargos políticos não é apenas necessária uma competência política – mas que deve ser também convocada uma humanidade cada vez mais rara nestes tempos. É isso que todos recordaremos.
Da coluna diária do CM.
A província do Ontário, no Canadá, é a terra de Alice Munro, Prémio Nobel da Literatura, ou de Margaret Atwood, que podia ter sido. Mas também é a terra onde em 2019 – só se soube agora – foram retirados das bibliotecas cerca de 5000 obras “que perpetuam estereótipos” e são hoje consideradas moral ou politicamente incorretas, incluindo álbuns de Tintin, Astérix ou Lucky Luke, além de muita ficção indiscriminada e enciclopédias. Para assinalar a bela ideia, o Conselho Escolar Católico Providence, que agrupa 30 escolas, organizou mesmo uma “cerimónia de purificação pelas chamas”, queimando alguns livros “que têm imagens negativas de povos indígenas”. O que se obteve em troca? Enterrar “as cinzas do racismo, da discriminação e dos estereótipos” a fim de caminhar “para um país mais inclusivo”. A responsável pelo festim acrescentou, otimista: “As pessoas entram em pânico e ficam chocadas com a queima de livros, mas estamos a falar de milhões de livros que são realmente condenáveis e perigosos.” É uma ideia e tanto. Mas, infelizmente, já não caem picaretas do céu quando precisamos delas.
Da coluna diária do CM.
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