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Portanto, segundo creio, levantou-se um sururu. A ideia de que um texto escrito em meados do século I (S. Paulo escreveu na década de 50 ou 60) atravessou 2000 anos transportando uma “verdade literal” é absurda – sobretudo porque Paulo escreveu para o seu tempo e não para o mundo que havia de vir. São seus os primeiros textos do cristianismo, em grego, anteriores aos próprios Evangelhos que narram a vida de Cristo. Nesta matéria há sempre duas decisões absurdas: a de seguir literalmente as “propostas de vida” ou “leis” dos livros da Bíblia, como se a História tivesse sido suspensa até hoje – e a de criticar essas propostas à luz do nosso tempo, como se o passado existisse em função de nós. Pior ainda é quando, no afã de alargar a mensagem cristã, se treslê o texto bíblico (“Que a mulher aprenda em silêncio, com toda a submissão. Não admito à mulher que ensine, nem que exerça domínio sobre o homem; mas sim que se mantenha em silêncio.”) para colocar autores de há vinte séculos como “precursores da igualdade de género” – conceito que não existia, porque é uma criação da humanidade que procura melhorar, tal como ao cristianismo coube também fazer, mesmo em relação às mulheres. Este confronto entre dois absurdos não produz um debate mas um combate de surdos, como convém à berraria. Acontece que S. Paulo, que teve uma vida extraordinária, é um autor maravilhoso, apocalíptico, profético, radical, vivendo sobre perguntas tão complexas como o seu tempo. Não pensava como nós; nós não pensamos como ele.
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