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Todos os dias há notícias sobre o “regresso da cultura” depois do isolamento; no entanto, mencionam sobretudo as chamadas “artes do espetáculo”, o que se compreende porque envolvem dramas humanos graves e uma área profissional sitiada ao longo deste ano – com as salas de teatro, de música e de cinema, o lado mais visível da pequena indústria cultural sofreu danos que se espera que não sejam irreparáveis. No entanto, chamo a atenção para a notícia do CM de ontem sobre a consagração de mais de metade do Plano de Resiliência destinado “à cultura” a obras de restauro e conservação do património (cerca de 150 milhões). Independentemente de medidas de apoio imediato “à cultura” (sobretudo a pessoas que trabalham nessa área) trata-se de uma injustiça. O património gera uma receita incalculável na indústria turística portuguesa (a principal atividade portuguesa, no fundo), ou seja, viagens, energia, obras, restauração e hotelaria; “a cultura”, ou seja, a área do património, empresta sempre parte do seu orçamento a indústrias que a olham com sobranceria. Não deviam. 150 milhões é uma ninharia.
Da coluna diária do CM.
A editora Dom Quixote lança esta semana Chamada para o Morto, o primeiro livro onde aparece a grande personagem criada por John Le Carré, o espião George Smiley. Ao longo de quase 60 anos, Smiley (que aparece pela última vez em Um Legado de Espiões, de 2017) acompanhou os nossos sonhos de espionagem e os nossos pesadelos sobre a boa consciência do Ocidente durante a Guerra Fria – em livros como A Toupeira, O Ilustre Colegial, A Gente de Smiley ou O Espião Que Saiu do Frio ou O Peregrino Secreto). De certo modo, é um anti-herói: ao contrário das grandes personagens da literatura de espionagem, os seus passatempos são os livros e a poesia barroca; é traído pela mulher; é suficientemente discreto e desajeitado, sem o glamour dos vencedores. Gostamos mais dele por isso mesmo. Chamada para o Morto, de 1961, inicia a caminhada de Smiley e está lá tudo. Mas sobretudo o génio de John Le Carré, que nunca se permitiu facilitar a qualidade da sua escrita por se tratar “apenas” de literatura policial ou de espionagem. Lê-lo, a esta distância, é um prémio para a nostalgia.
Da coluna diária do CM.
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