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“À tarde, natação.”

por FJV, em 17.03.21

Anteontem à noite – e ontem de manhã – a comédia triste e repelente da reação europeia e portuguesa à vacina AstraZeneca lembra-nos que, daqui a não sei quantos anos, a pandemia terá sido um desastre na sombra do tempo. Não sei se vale a pena citar Franz Kafka e a célèbre entrada nos seus diários (a 2 de Agosto de 1914, a data marcante para o início da I Guerra Mundial): “A Alemanha declarou guerra à Rússia. À tarde, natação.” O brasileiro Alexandre Soares Silva, um prodígio de humor e talento pouco conhecido aqui, escreveu há um ano uma passagem certamente inspirada nessa passagem de Kafka: “Meu sonho, meu sonho mesmo, era encontrar alguém que tivesse sobrevivido a um furacão e não dissesse uma palavra sobre o furacão no diário. Voando pela sala, estendendo os braços para pegar o diário flutuante, o telhado subindo em espiral ao céu, ele escreveria: ‘Me sentindo meio deprimido hoje. Vou jogar pif-paf’ [jogo de cartas].” Sei que, daqui a uns meses, quando recordarmos esta comédia político-comercial, vamos ter vergonha e ter querido reagir como Kafka o fez: “À tarde, natação.”

 Da coluna diária do CM.

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