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Todos os inícios de tarde cumprimos a via sacra habitual, consultando o telemóvel para ver “como vão os números”. Por volta dessa hora assistimos diariamente ao espectáculo do contorcionismo interpretativo: os recuperados, os infetados, os internados em UCI, o número de camas, o número de ativos – e o número de mortos e dos que “acabam por morrer”. Já não dizemos “mortos”; insistimos em “letalidades”. Como sabemos, há dúvidas sobre se os números da DGS são totalmente fiáveis; depende de quem os fornece (a DGS usa muito esta desculpa), e também do dia da semana. Anteontem, entre os 82 mortos, contei o do jornalista Artur Portela Filho, romancista nos anos 60, fundador da Opção e do Jornal Novo na década de 70, de quem eu gostava. Só essa presença bastou para recordar que, naquela estatística monótona das conferências da DGS, são nomes o que ali se esconde. O de Artur Portela não foi mencionado, mas na nota necrológica eu li: Covid-19. E, atrás dos números, milhares de nomes desfilaram, de repente, como um clarão de humanidade que o contorcionismo não consegue esconder. Pessoas reais.
Da coluna diária do CM.
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