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O nosso jogo.

por FJV, em 31.10.19

Entrevistado pela revista Sábado, o antigo espião português Frederico Carvalhão Gil (que foi acusado de trabalhar para o SVR, informações russas) diz que assistiu a muitas ilegalidades no SIS, os serviços secretos. Não admira. Esse é, aliás, o tema de grande parte da literatura de espionagem nos tempos presentes; em ‘Um Legado de Espiões’, John le Carré mostra como as novas gerações pretendem “transparência” e “legalidade” nos serviços secretos, abertura às comissões parlamentares, verificação de legalidade, etc. – o que é um desejo impossível de satisfazer. E Carvalhão Gil sabe isso perfeitamente, ou não teria sido espião, ou seja, não teria “entrado no jogo”. E “o jogo” tem regras muito precisas. Primeira: a legalidade é um desiderato a longo termo. Segunda: a transparência é a inimiga número um dos serviços de informação. Terceira: Quem não quiser entrar, não entra – todas as queixinhas posteriores são irrelevantes. Poderia acrescentar uma terceira: quem for apanhado está por sua conta. É um jogo de sombras de que apenas conhecemos uma pequena e insignificante parte. É a vida.

Da coluna diária do CM.

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Tao Yuanming.

por FJV, em 30.10.19

 

A minha tetralogia da poesia chinesa é sobretudo clássica, ou antiga: Qu Yuan (séc. IV aC.), Li Bai, Wang Wei e Bai Juyi (séculos VIII e IX). Não conhecia senão uns versos de Tao Yuanming (viveu de 365 a 427), também conhecido como Tao Qian. Ignorância de aprendiz. Graças ao poeta Manuel Afonso Costa (autor de Seria Sempre Tarde, belo livro que sucede ao relâmpago de Memórias da Casa da China), a Assírio & Alvim publica uma versão portuguesa de Poesia e Prosa: são cem páginas de puro deleite, como se dizia antes. No século IV, quando na Europa apenas dedilhávamos, e mal, Tao Yuanming escrevia versos destes: “Desde há milhares de anos/ que a virtude/ dá lugar à ruína/ a miséria ocupou o coração/ tão ocupados que estão com a fama.” Os poemas são observações acerca do céu e da terra, dos rios e da reclusão (o seu tema central), ou sobre a humildade e a harmonia das coisas (“É preciso gozar o momento que passa.”), mas ter atravessado os tempos até aqui é um milagre a que temos de ficar rendidos: “Quando céu e terra são eternos,/ a vida de um homem/ parece tão curta.” Rendam-se. 

Da coluna diária do CM.

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Reler Camilo.

por FJV, em 29.10.19

 

A Imprensa Nacional tem vindo a publicar a edição crítica das obras de Camilo Castelo Branco, de que acaba de sair Coração, Cabeça e Estômago, uma joia dos seus romances (com edição de Cristina Sobral e Ariadne Nunes). A primeira versão saiu em 1862; dois anos depois sai a “segunda edição melhorada” pelo próprio autor. No título, Coração, Cabeça e Estômago dizem respeito a fases diferentes da vida do protagonista, o Sr. Silvestre da Silva, e o livro é uma espécie de telenovela da época a partir dos manuscritos do próprio Silvestre, que, diz Camilo, “careciam de serem adulterados para merecerem a qualificação de romance”. É de génio. 160 anos depois, uma pessoa lê e fica convencida: Camilo é um talento raro, a história é de um humor que nos perde a cada página, as personagens repetem quadros da história da pátria e do sentimentalismo pacóvio que tanto nos caracteriza, bem como do gosto atrevido pela tragédia, pela honra desfeita e pelos amores improváveis (o de Silvestre por Tomásia, muito tontinha). Se puderem, leiam – é tempo bem empregue, folhear o nosso maior romancista. 

Da coluna diária do CM.

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Violência nas escolas.

por FJV, em 28.10.19

Ao declarar – a propósito dos casos de violência que têm sido noticiados –que as escolas não são universos fechados “à sociedade”, mas, pelo contrário, representações da própria “sociedade” (e têm razão), o presidente das Associações de Pais (Confap) e o da Associação de Diretores de Escola acabam por admitir que falhámos em alguma coisa. Parece evidente que esses “casos de violência” não aumentaram muito, ao contrário da paciência e da disponibilidade dos professores para lidar com ela – e dos níveis de indisciplina dos alunos que circulam nas escolas. A par, evidentemente, da indiferença do Ministério da Educação, que não quer incómodos nem está disponível para apoiar os professores ou para ouvir uma palavra de crítica. A impunidade com que se pode agredir (por alunos e seus familiares) um professor ou um auxiliar educativo devia fazer-nos pensar um pouco. Nos países que produzem grandes talentos e bons resultados, os professores são valorizados, mas também avaliados e bem formados; e a escola não é um recreio para “encarregados de educação” ou para experiências políticas.

Da coluna diária do CM.

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Feijoada fora da lei.

por FJV, em 25.10.19

 

 

Há mais de um ano que não comia a tradicional feijoada das quintas-feiras. Comi ontem, com amigos perfeitos – foi o meu almoço e rejubilei, cheio de gratidão. Aquela conjugação confortável de alimentos reunidos no prato, ao lado de “uma forminha de arroz” (sou do Norte, não dispenso), acompanhou-me durante o resto do dia como uma recordação de um certo tipo de felicidade: a da comida e da reunião de gargalhadas. Também o fiz por alguma embirração com o Instagram, que – soube pelo CM – censurou as imagens de um cozido galego com grão por “violar as normas” daquela “rede social”, associando-as à “violência gráfica” e retirando-as da net, como faria com pornografia, violência sexual ou “incitamento ao ódio”. Acontece que o caso não me surpreende – é o resultado do puritanismo totalitário em que vivemos, onde os tontos parecem inteligentes e a gente de bem é tratada como suspeita. Esse policiamento feroz persegue hoje o cozido à galega ou a feijoada que comi ontem; amanhã denunciará o hábito de respirar ou o uso de vida inteligente que não repita as suas ladainhas. Estamos servidos.

Da coluna diária do CM.

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As elites.

por FJV, em 24.10.19

Duas ou três coisas sobre o que disse Durão Barroso ontem no congresso da CIP. Uma: tem razão ao referir-se ao confronto entre os EUA e a China na arena das economias globais. São as duas grandes “economias produtivas” e cada uma delas parece devidamente apetrechada. Pelo meio, duas zonas ténues: a Rússia (combativa mas sem criatividade) e a Europa, cada vez menos influente – e incapaz de fazer escolhas. O problema é de perspetiva, e estão a faltar-nos distância, conhecimento e memória para compreender o “caso chinês”, que não é apenas económico nem geo-político – é um compromisso difícil de compreender aos olhos ocidentais. Duas: diz Durão Barroso que “as elites não têm estado à altura” mas que o povo tem demonstrado uma “resiliência” notável; é verdadeiro e falso: as elites, às quais o próprio pertence Durão Barroso, têm tratado da vidinha e estabelecido os pilares de um regime de não serão expulsas. Três: a resistência dos portugueses não é invulgar; é a mesma desde o século XVI; tratam da vidinha porque sabem que as elites não os salvam em caso de aperto. Só isto é um programa.

Da coluna diária do CM.

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Doris Lessing, 100 anos.

por FJV, em 23.10.19

Nascida há 100 anos – assinalados hoje – Nobel da Literatura em 2007, a vida de Doris Lessing (1919-2013) daria pano para mangas. Nasceu na Pérsia que ainda não era Irão, viveu na Rodésia que ainda não era Zimbabué, mas era um produto tipicamente britânico, daquele que vem nos livros: rebelde, insubmissa, autodidata, militante pacifista, esquerdista que casou com um homem que depois seria embaixador da RDA (e de quem retirou o apelido Lessing), tratou de galinhas, foi agricultora, ama de crianças, professora de primeiras letras – e escreveu O Caderno Dourado (1962), um livro fundamental que ganharia muito em ser lido pelas mulheres de hoje. Tirando os seus livros de “ficção científica”, uma seca monumental, há referências obrigatórias, como A Boa Terrorista (1985), na sombra das suas nostalgias radicais, o perturbador O Quinto Filho (1988) sondando a loucura e os problemas mentais, e o derradeiro A Fenda uma história sobre um mundo apenas de mulheres. Mas eu recordo muito a belíssima epifania de Amor, de Novo (1996), sobre o envelhecimento, a solidão e o fim das coisas.

Da coluna diária do CM.

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O que é normal.

por FJV, em 22.10.19

Pressinto a preocupação e o sentido de responsabilidade do diretor do Agrupamento de Escolas de Póvoa de Santa Iria ao reconhecer, por escrito, preto no branco, que “não estão reunidas as condições mínimas” para o funcionamento de oito escolas (eu recuso-me a escrever “estabelecimentos de ensino”, sou da velha geração) e, em conformidade, reconhecer que elas terão de encerrar, rotativamente. O comunicado tem a data de dia 17 e várias pessoas dizem-me que não é caso único, que há outras escolas a encerrar pelo país fora por falta de “assistentes operacionais” que ou estão “de baixa” ou são vencidos “pela exaustão” – mas é o documento que eu tenho, e este basta-me como estatística. Admito que coro de vergonha. Trata-se do meu país. E trata-se de oito escolas básicas (e um jardim de infância) que, rotativamente, encerram as suas portas; nesses dias, as crianças não têm escola, os pais não podem viver normalmente, e não há explicações que me convençam a aceitar que isto é normal. Se as leitoras e os leitores, mães e pais, aceitarem que isto é “normal”, façam o favor de levantar a mão. 

Da coluna diária do CM.

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Pessoas no Canadá.

por FJV, em 21.10.19

Há coisas que me afligem, coisas que me divertem e coisas que deixo passar – mas são todas ridículas. Como os leitores decerto se recordam, existe um país chamado Canadá, terra com que simpatizo muito, bastante mesmo (sobretudo com certa região), mas que tem no governo uma substancial percentagem de tolinhos, começando no seu líder. Seja como for, a Air Canada, embebedada (ia a dizer embebida, mas retrocedi) pelo espírito da modernidade que o país atravessa e que há-de enlouquecê-lo, decidiu que deixará de dirigir-se aos seus passageiros insultando-os de “senhoras” e “senhores”. Em vez disso irá tratá-los como “pessoas”, para não ferir suscetibilidades de género. Em português, o caso seria o seguinte. Em vez “senhoras e senhores passageiros, acabámos de aterrar em Marte”, passaria a dizer-se “caras pessoas, acabámos de aterrar em Marte”. A esta hora, as estimadas leitoras e os caros leitores estarão a sorrir da leviandade, uma vez que não se põe a hipótese de a TAP voar até Marte. Em verdade vos digo que é mais fácil isso acontecer do que os maluquinhos ganharem algum juízo.

Da coluna diária do CM.

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Bloom.

por FJV, em 17.10.19

Harold Bloom (1930-2019), que morreu na passada segunda-feira, foi um dos últimos grandes críticos. Mais do que isso, um académico, um leitor, um scholar e um profeta – e autor de livros tão importantes como O Cânone Ocidental, Poesia e Repressão, Génio, A Angústia da Influência, Shakespeare (que ele via como o génio dos génios), Onde Encontrar a Sabedoria ou Como ler e Porquê? – entre muitos. Bloom sabia que era um dos derrotados da História e que atravessaríamos uma época, a que estamos a viver (que designou como “a era do ressentimento”), em que os critérios de valorização de um autor ou de um livro não seriam “literários”, mas políticos, identitários, raciais ou sexuais. Por isso, era um homem livre e escrevia o que entendia, sabendo que, de qualquer modo, nunca iria ser “popular”. Mas os seus livros, sobretudo O Cânone Ocidental e Génio, são guias especiais sobre o que de melhor a literatura e o génio de pessoas com talento (entre os quais nomeia Eça, Camões, Machado de Assis, Pessoa e Saramago) produziu desde que se escreve no chamado Ocidente. 

Da coluna diária do CM.

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Oscar Wilde.

por FJV, em 14.10.19

É o ano em que Tolstoi anda a combater na Crimeia, em que Dickens publica ‘Tempos Difíceis’ – e em que nasce Oscar Wilde, há 165 anos, em Dublin. Wilde tem uma boa educação universitária, mas ser um especialista em latim e grego não bastava para um rapaz saído da Irlanda e desejoso de ganhar mundo; foi como dramaturgo que se distinguiu: Um Marido Ideal, A Importância de ser Amável (ou Prudente), O Leque de Lady Windermere – e com um romance, O Retrato de Dorian Gray, uma pérola que vale a pena ler, sobretudo se ainda têm ilusões sobre a vaidade das letras. Ficam dele centenas de frases geniais, que hoje arrancariam naturais protestos sobre a sua misoginia: “Posso resistir a tudo, menos à tentação.” “Quando era jovem, pensava que o dinheiro era o mais importante do mundo. Hoje, tenho a certeza.” “O homem que prega moral é um hipócrita, a mulher moralizadora é invariavelmente feia.” “Um pouco de sinceridade pode ser perigoso, muita sinceridade é fatal.” “A história da mulher é a história da pior tirania que o mundo conheceu: a tirania do mais fraco sobre o mais forte.”

Da coluna diária do CM.

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O Nobel, enfim, quase nada.

por FJV, em 11.10.19

Olga Tokarczuk e Peter Handke foram os escolhidos para os Nobel de 2018 e 2019, respetivamente. Depois de muitos anúncios sobre o fim da era “eurocêntrica” na escolha dos Nobel, aí estão uma polaca e um austríaco – nada mais eurocêntrico; aliás, totalmente Europa central. Disto não vem grande mal, sobretudo no caso de Olga Tokarczuk, cujo romance Viagens (Cavalo de Ferro) é uma pérola, um grande livro em qualquer parte do mundo, em qualquer hemisfério. Trata-se de uma história que convoca personagens muito díspares, todos eles com biografias, passados e sofrimentos ligadas à deslocação, à travessia do tempo e à viagem. A escrita de Tokarczuk tem quase sempre uma marca poética muito original, de uma grande beleza – e que não tem a ver com o universo da atual ficção em língua inglesa, a dominante. A questão está, nestes casos, na “justiça” do atribuição do prémio e da “densidade” do autor. Esse conceito é sempre duvidoso – até porque a academia sueca, mesmo mudando de regras, não lê chinês, vietnamita, espanhol, português ou persa, e nunca se sabe o que está a perder. 

Da coluna diária do CM.

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Exemplo para mais.

por FJV, em 10.10.19

Tirando a versão expressionista do “feminismo radical” e do “anti-racismo” identitário da deputada Joacine Moreira, é mais do que positiva a sua eleição, juntamente com Romualda Fernandes ou Beatriz Gomes Dias – as três de origem guineense. Portugal tem falta de cor nas televisões, no parlamento, nos partidos e em outros lugares de visibilidade pública. No parlamento estiveram pessoas de origens não-europeias (goesas, moçambicanas, timorenses ou angolanas), mas a verdade é que nos faz falta essa presença e representação, que eu gostava que fosse maior – não como voz enclausurada de minorias, mas como lugares plenos que também servissem de estímulo e motivação a outros. Devíamos ter mais visibilidade para pessoas de origem chinesa ou timorense, caboverdiana ou russa, angolana ou indiana, brasileira ou ucraniana. Sei que vou ser acusado à esquerda de neocolonialista ou à direita de traidor, mas Portugal deve incorporar culturas de quem nos procura ou de quem encontrou aqui a sua casa – além de melhorar a nossa lei da nacionalidade. Para já, espero que sejam exemplo para mais.

Da coluna diária do CM.

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O Nobel, enfim, quase tudo.

por FJV, em 10.10.19

Hoje é atribuído o Nobel da Literatura. Aliás, dois Nobel da Literatura, uma vez que o prémio não foi anunciado em 2018 depois de uma série de trapalhadas relacionadas com assédio sexual na Academia Sueca (mais propriamente, pelo marido de uma académica). Para a nova época do Nobel, moderna, conforme aos ditames da época, depois do #metoo e da descoberta de que existia mundo para lá de Estocolmo, a Academia Sueca resolveu rejuvenescer, tornar-se os seus critérios mais “femininos” e menos “eurocêntricos”. Se alguém quiser discutir o assunto, eu faço um desenho depois – mas o essencial é isto, independentemente das escolhas de hoje: se o Nobel já não tinha grande prestígio, a partir de agora tem ainda menos. Fui um dos que passou parte da vida a dizer que o Nobel era muito fechado na cultura europeia e americana e que desconhecia outros mundos e outras línguas – mas que escolhessem pela qualidade, não pelos critérios da moda. Posso enganar-me, naturalmente, mas, depois de ver a nova moral em vigor, era melhor entregarem o Nobel da Treta em vez do Nobel da Literatura.

Da coluna diária do CM.

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Rembrandt.

por FJV, em 04.10.19

 

Quando era estudante ia de vez em quando (a faculdade era perto e havia uma tarde livre) ver os dois Rembrandt no Museu Gulbenkian (“Palas Atena” e “Retrato de Velho”). Sempre me comoveram – não tanto como a “Ronda da Noite”,  ou a “Aula de Anatomia do Dr. Tulp”, entre tantos outros, que só vi mais tarde. Passei vários anos sem regressar a essa paixão de adolescência, até que li as palavras de Damien Hirst, um parolo que passa por génio da “arte contemporânea”, criticando Rembrandt. Revisitar a obra de Rembrandt van Rijn (1606-1669), de quem passam hoje 350 anos sobre a sua morte foi uma espécie de reencontro com a luz e com uma certa aprendizagem da arte de envelhecer. Os seus auto-retratos são o resultado de uma aceitação do tempo, tal como as cenas familiares, quase sempre tristes – mas Rembrandt, tal como quase toda a pintura holandesa, aliás, dedicava especial atenção aos pormenores em trânsito: um fragmento de luz aparecia sempre para iluminar a tela e contar uma história, evocar uma mitologia ou uma derrota. A sua melancolia é-nos tão próxima que não damos por ela.

Da coluna diária do CM.

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Educação política e de cidadania.

por FJV, em 04.10.19

Não sei se é o desejo de um elevado grau de “educação política e de cidadania” que leva a que um manual de Português do Secundário promova um texto do inefável Yannis Varoufakis (uma luminária, como se sabe) sobre democracia – mas dá uma ideia de como, aos poucos, as pessoas inteligentes desistiram de lutar pelo bom senso e pelo equilíbrio, e foram dizimadas pelo cilindro ideológico que tomou conta de boa parte do ensino no nosso país – que às vezes parece uma escola de propaganda. Mesmo assim, depois de tanta “educação política e de cidadania”, matraqueada diariamente, 21% dos jovens entre os 18 e os 24 anos (segundo a recente sondagem da Católica) declaram que não vão votar no próximo domingo. Não é um resultado brilhante, mas compreende-se: têm péssimos exemplos entre colegas – ao ponto de uma líder da JS ter permitido a publicação de um currículo académico com irregularidades e de declarar que apenas ganhou dinheiro em cargos de confiança partidária (como prémio, teve elogios mimosos e vai ser deputada). Mais uns textos de Varoufakis e a coisa compõe-se. Oremos.

Da coluna diária do CM.

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Heinz Konsalik (1921-1999).

por FJV, em 02.10.19

Passam hoje 20 anos sobre a morte de Heinz Konsalik (1921-1999) um autor alemão que teve um sucesso extraordinário em Portugal e no Brasil nos anos 70 e 80 – à custa da nossa língua vendeu milhões de livros (o que não aconteceu em inglês), divididos por cerca de 70 romances só em Portugal. Hoje, quase ninguém se lembra de Konsalik, o que é capaz de se justificar – os seus livros eram histórias avassaladoras de amor, guerra (combateu na frente russa na II Guerra) e casos de medicina: Amar à Sombra das Palmeiras, Amor Cossaco, Amor em São Petersburgo, Férias nas Termas, Luar sobre as Estepes, O Médico de Estalinegrado, Duas Horas para se Amarem ou A Herdeira são alguns dos seus títulos (quase todos publicados pelo Círculo de Leitores). Soldados, médicos, mulheres solitárias, casais que esquecem o infortúnio e recomeçam a vida – a gramática de Konsalik era repetitiva mas honesta; não vinha enganar ninguém. Nomes como o seu (e os de Max du Veuzit, Pitigrilli ou Vázquez-Figueroa, por exemplo) criaram leitores que hoje desapareceram em frente dos ecrãs da televisão.

Da coluna diária do CM.

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Rir em Tancos.

por FJV, em 01.10.19

Sobre Tancos escrevi aqui na altura (e um ano depois, para comemorar): é uma história que vai da tragédia à comédia e depois à ópera bufa. Mas, ao contrário do que disse o presidente da AR, segunda figura do Estado, não se revestiu de “momentos altamente cómicos”, mesmo tendo como intérprete um ministro da Defesa que tanto nos queria tranquilizar informando-nos de que “não foi o maior roubo do século”, como nos alarmava sugerindo que “no limite, pode não ter havido furto nenhum”. Qualquer uma das frases merece entrar numa antologia. Esses são os únicos momentos cómicos. O que é estranho é ver que alguns jornalistas defendem que não se deve falar do assunto “por estarmos em campanha”. Que os políticos se refugiem nesse argumento, vá lá – mas por que não pode a imprensa referir-se a um acontecimento vergonhoso que desonra não só “as instituições militares”, tão “promovidas” ultimamente, (teríamos muito a falar sobre isso) como os corredores e subterrâneos do poder? O episódio pode envergonhar-nos e talvez queiramos esquecê-lo. Mas ele continua a falar bem alto. E a rir.

Da coluna diária do CM.

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