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O poeta T.S. Eliot dizia que abril era “o mês mais cruel”, mas, quanto a setembro as referências não têm fim. Tradicionalmente, a poesia fixou-o como o mês da melancolia, com as primeiras chuvas, o primeiro céu nublado, o final do verão – mas a meteorologia destemperada de hoje obriga-nos a mudar de orientação. Mesmo assim, só para celebrar o dia de hoje, deixo-vos sugestões: para temperamentos rockers, os Green Day têm uma boa canção, “Wake me Up When September Ends”; há o clássico “September Song” cantado por Frank Sinatra (que também interpreta “September of My Years”), que sabe sempre bem ouvir antes de passar a Barry White, com “Sptember When I Meet you”, além de (lembram-se?) “September Morn”, de Neil Diamond, “When September Comes”, de Johnny e Rosanna Cash, “Flaiming September”, de Marianne Faithfull, “September”, dos Earth, Wind & Fire, e de “Maybe September”, de Tony Bennett. Para ouvidos mais treinados também tenho a solução: a segunda das “Quatro Últimas Canções”, de Richard Strauss (1864-1949), interpretada por Elisabeth Schwarzkopf. Setembro não tem fim.
Da coluna diária do CM.
Volto às “questões ambientais” por instantes. Uma das coisas que mais me impressiona é o facto uma boa maioria dos fanáticos que exerce militância no campo das “alterações climáticas” achar que tudo isto é novo, e que as gerações anteriores tudo fizeram para “destruir o planeta”. Por isso a sua mensagem é tão infantilóide – e a ideia de que a sua missão está “para além da ideologia” é tão perigosa. O resultado não é uma discussão ou uma negociação sobre como vamos alterar os nossos hábitos (em meu entender, regressar a certos hábitos), mas uma sanha persecutória contra os pecadores. Não contra as empresas poluidoras, os governos que desrespeitam os acordos, a falta de vigilância e de cuidado – mas contra quem come carne, usa champô, não se comove com o discurso de Greta Thunberg e, sobretudo, contra quem não usa palavras mágicas e já gastas como “sustentável” ou “pegada de carbono”. Um dia vão descobrir que certos hábitos, que detestavam nos seus avós, eram realmente os mais corretos. O mundo não nasceu hoje com esta geração justiceira – é uma soma de passados.
Da coluna diária do CM.
Se há pessoa que eu inveje é o argentino (e canadiano) Alberto Manguel. Não só por, durante 4 anos, ter lido em voz alta para Jorge Luis Borges, que era cego – mas por ter escrito livros como o Dicionário de Lugares Imaginários ou Uma História da Curiosidade, cuja leitura repeti várias vezes. A editora Tinta da China acaba de publicar Monstros Fabulosos, que leva o subtítulo Drácula, Alice, Super-Homem e outros Amigos Literários, onde Manguel nos apresenta cerca de quarenta grandes personagens da literatura, de Fausto ao Mandarim (de Eça), passando pelo fascinante Edward Casaubon (de Middlemarch, de George Eliot), por Alice (de Lewis Carroll), e gente imaginária, criada por Shakespeare, Flaubert, Salinger, Júlio Verne, Rousseau ou Cervantes – nem sempre são as personagens principais, porque às vezes as “secundárias” são muito mais marcantes e atrevidas. Este livro é um prodígio de beleza (desde o grafismo à tradução) e devia ser lido por toda a gente que, alguma vez na vida, se apaixonou por um livro e imaginou perder-se no meio de algum. Leiam, leiam.
Da coluna diária do CM.
Nos anos quentes da revolução, final de 1976, a editora Afrontamento, do Porto, publicou uma coleção intitulada Viver É Preciso (Cadernos de Ecologia e Sociedade), dirigida por J. Carlos Marques. Foram pioneiros entre nós. E relembro a paixão com que o jornalista Afonso Cautela (1933-2008) promovia os debates sobre ambiente. O discurso dos ecologistas da época, no entanto, era bem diferente do de hoje – as circunstâncias eram diferentes e em 40 anos a vida do planeta tornou-se mais trágica, como todos sabemos. Mesmo assim, na época acreditava-se no “renascimento rural”, ser ecologista não significava ser vegan nem participar em caçadas (salvo seja!) morais aos prevaricadores, e escutávamos as palavras sábias de pessoas como Gonçalo Ribeiro Telles, patriarca do ruralismo e da ecologia entre nós. Coisa bem diferente dos hipsters urbanos que não sabem distinguir uma alface de um eucalipto, nem conhecem a diferença entre semear e plantar, mas se contentam com o seu radicalismo evangélico e o animalismo filosófico, anti-humanista, cheio de desprezo pelos seus semelhantes.
Da coluna diária do CM.
Posso enganar-me muito mas, em breve, o estrelato da jovem Greta Thunberg vai parecer demasiado triste. E isso deixa-me incomodado porque, depois de a sua imagem ser devorada e explorada sem pudor no meio do espetáculo das lágrimas de ontem e daquele “ativismo” de dizer coisas banais (como ocorre com qualquer criança), ela vai sofrer demoradamente – tal como o combate pelo equilíbrio do planeta, que corre o risco de ser confundido com pessoas vegan em delírio evangelizador. Não me incomodam os discursos da menina (conheço-os desde a minha própria infância), mas sim a infantilização crescente desse combate e dos interlocutores apatetados de Greta Thunberg (viram a foto de Guterres ao seu lado?), que a aceitam como bandeira já não sabem de quê. Todos queremos “um mundo melhor” no qual a infância de crianças como Greta não seja roubada em qualquer parte do mundo, sobretudo nos países pobres que ela ainda não conhece. Ou então estou enganado e vai ser ainda pior – para todos e para o sofrimento pessoal de Greta Thunberg, que devia ser protegida deste horror.
Da coluna diária do CM.
Parte da grande desconfiança que sempre tive em relação à psicanálise desapareceu quando li os textos do próprio Sigmund Freud (1856-1939), o seu fundador. Nunca me interessou o “mecanismo explicativo” engendrado por boa parte dos psicanalistas, nem as derivas esotéricas e francesas que, por culpa minha, tive de ler na faculdade. Mas a descoberta dos textos de Freud mostrou-me um escritor notável, impossível de ler sem acompanhar as suas referências à história da cultura e das religiões. Freud, que morreu há 80 anos, assinalados hoje, é um dos pais do nosso tempo – mostrou-nos que não somos nós o centro da nossa existência, mas que devemos fazer dela uma coisa mais perfeita. Alguns dos seus livros (Moisés e o Monoteísmo, Mal Estar na Civilização ou Para Além do Princípio do Prazer) são o resultado de uma busca genuína do humano e do seu lugar para viver. Os nazis queimaram os seus livros mal chegaram ao poder; Freud (que fugiu para Londres) foi tão irónico que magoa: “É um grande progresso; na Idade Média ter-me-iam queimado a mim.” Os nazis também, mas Freud morreu antes.
Da coluna diária do CM.
Canções. Canções e canções geniais de que ninguém se esquece, numa lista interminável – é o mínimo que se pode dizer da obra de Irving Berlin, ou seja, Israel Isidore Beilin, o nome com que – aos cinco anos – chegou aos EUA vindo da Rússia, com a família que escapava ao anti-semitismo no império russo da época). Ele, que compôs ‘There’s no Business Like Show Business’ escreveu a eterna ‘White Christmas’, a canção de Natal mais cantada do século XX – um judeu. Essa lista interminável de canções inclui ‘Cheek to Cheek’, ‘Change Partners’, ‘Let’s Face the Music and Dance’, ‘Always’, ou ‘How Deep Is the Ocean’, mas apetece incluir mais dez pelos menos, e sempre em vozes admiráveis, de Frank Sinatra a Ella Fitzgerald e Billie Holiday, de Nat King Cole a Bing Crosby ou Leonard Cohen. Cada um acrescentou um pouco ao talento genial de Irving Berlin, é certo, mas a raiz estava lá, em cada canção, em cada harmonia todos nós trauteamos. No próximo domingo passam 30 anos sobre a sua morte (1888-1989), aos 101 anos. Estou só a dizer que é um belo dia para ouvir canções de Berlin.
Da coluna diária do CM.
Ouvidas pelo jornal Público, várias responsáveis de movimentos feministas manifestaram repúdio pelo assassinato da freira Antónia Pinho – violada e morta em S. João da Madeira. Isso acontece uma semana depois de o bispo do Porto ter acusado os movimentos de direitos humanos, feministas e organismos públicos de ignorarem o crime. O bispo tem razão no geral. O assassinato de Antónia Pinho não mereceu a comoção de nenhum grupo ou autoridade habitualmente atentos a crimes ou atos de violência sexual. Porquê? Porque era freira, católica e mulher. Um desses movimentos diz, justificando-se (além de invocar questões de género para criar um campo ideológico), que a notícia “não entrou nas redes”. É falso: foi capa do CM e esteve em destaque no JN. Acontece que “as redes” têm os seus (naturais) preconceitos e “a igreja” só tardiamente reagiu à tragédia da violência sobre as mulheres. Quanto ao Estado, tenho as minhas apreensões: ou segue os preconceitos “das redes” ou não consegue garantir a segurança das pessoas, deixando-as à mercê de criminosos de risco que multiplicam as vítimas.
Da coluna diária do CM.
O consumo de carne deve ser moderado, todos o sabemos, por razões económicas, de saúde e ambientais. E há formas de o conseguir com moderação, sensatez e civilidade – e sem dar origem a galhofa, que estraga tudo. Mas os radicais da treta, como os nossos, começam pelas proibições; se forem pomposas, melhor para a fotografia. Veja-se o simpático reitor (digo isto porque o é, além de cientista de excelência) da vetusta universidade de Coimbra, por exemplo, que anunciou a proibição do consumo de carne de vaca nas suas cantinas, a fim de reduzir a pegada de carbono. Como suplemento, para mostrar que é um cavalheiro atualizado, na linha da frente, usou a expressão “emergência climática”, copiando o slogan do Bloco de Esquerda – o que é de uma inteligência supimpa mas o deixa ao nível da matraca de comício. Proibir por razões piedosas vai ser a grande moda nos próximos anos, permitindo todo o género de moralismos e autorizando pequenos ditadores de bairro, até se descobrir que o excesso é sempre bacoco. Senão, vamos lá, corajoso, corajoso – era proibir o consumo de carne.
Da coluna diária do CM.
Em podendo, e como a proximidade da beleza nos comove, é recomendável ir uma vez por ano ao Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa. Até ao final do mês, além de visitar o museu propriamente dito (a sua coleção é admirável) há uma exposição intitulada “Museu das Descobertas” – a designação, atrevida, diz respeito aos segredos de cada peça guardada num museu, à forma como evoluiu (e mudou) o nosso conhecimento sobre certas obras, ao modo como os meios tecnológicos permitem, hoje, perceber que Hieronymus Bosch hesitou muito ao longo da pintura das “Tentações”, como determinados traços ou personagens foram “rasuradas” de telas que julgávamos definitivas – ou como a extinção das ordens religiosas pôs em perigo a preservação de tantas peças. Ir ao MNAA deixa-me sempre em suspenso daquela beleza que atravessa os séculos, desde o assombroso quinhentista “Ecce Homo” aos painéis de Nuno Gonçalves, passando pelo Martírio de S. Sebastão de Gregório Lopes, obras de Bosch e Dürer, ou a coleção “oriental”; é uma lista muito grande. Uma ou duas vezes na vida – ao menos isso –, vão lá.
Da coluna diária do CM.
A grande surpresa para muitos inteletuais portugueses, quando chegavam ao Brasil (nessa altura, anos 80, o Brasil era muito impopular entre eles), consistia em ouvir falar de Roberto Leal e escutar elogios vindos de pessoas insuspeitas. “Ele não nos representa”, diziam (e juravam ser ele “piroso, excêntrico, popularucho, pimba”, o que quiserem, até porque Roberto Leal nunca quis enganar ninguém, nem fazer-se passar por ilustre). Era mentira: representou, sim. Representou todos os que, como ele, partiram com a família para qualquer lado do mundo para escapar à pobreza de uma aldeia de Trás-os-Montes; representou porque era amado e porque encontrou o seu lugar, junto de milhões de pessoas, a partir do nada e do esforço pessoal. Se o sucesso no Brasil estava garantido, em Portugal Roberto pregou-nos a partida quando, naquele programa “O Útimo a Sair” (RTP), foi capaz de ironizar sobre si mesmo, brincando com a sua pirosice, as suas gafes e as suas manias. Fê-lo como um génio talentoso e sensível. Só um génio podia ter escolhido As Minhas Montanhas para título da sua autobiografia.
Da coluna diária do CM.
Por lapso meu não prestei atenção ao último dia dos trabalhos na Assembleia da República. No entanto, parece que nesse interessante dia o parlamento condenou “a criação de um museu dedicado a Salazar”, instituição que tem como principal característica o facto de ainda não existir. Metade do parlamento, no entanto, pôs-se de pé, cheio de indignação, diante da hipótese de passar a existir um Centro Interpretativo do Estado Novo na localidade onde o ditador nasceu, Vimieiro, Santa Comba Dão. A ideia deste voto de protesto é a de que a sua existência é uma afronta às numerosas vítimas do regime salazarista; fui ver o projeto; nada o indica – pelo contrário, parece-me que a intenção é a de disponibilizar material museográfico, iconográfico, sobre o regime e o seu intérprete mítico, e não o de fazer o elogio do personagem. Não há paciência nenhuma para que estalinistas e seus novos mimosos acompanhantes venham dar lições sobre o culto da personalidade a ditadores. Não admira: habituados que estão a falsificar a história e a apagar fotografias, custa-lhes vê-las sem o seu filtro.
Da coluna diária do CM.
Adam era um chato com têmpera de herói, Hoss um bonzinho bonacheirão e poderoso, Joe um nadinha para o parvo – quanto ao pai, Ben, eu gostava dele, tal como de Hop Sing, cozinheiro chinês, do lugar em que viviam, o rancho Ponderosa, e também dos pequenos-almoços que pareciam colossais banquetes. Falo-vos de Bonanza – a série western mais popular e duradoura da história da televisão (de 1959 a 1973), e que em Portugal passava aos sábados ou domingos à tarde. As histórias de Bonanza eram triviais ou emocionantes, mas sabíamos que a família Cartwright resolvia as coisas a contento e com cavalheirismo. Aliás, por falar em família, escusam de vir com modernices: o pai, Ben, era viúvo, e Adam, Hoss e Joe eram filhos de mães diferentes – mas todos eles galanteadores, justos e educados (bom, Joe, interpretado por Michael Landon, talvez não), a que se juntou o sobrinho Will, para não falar de Candy Canaday, que também vivia nas proximidades do lago, ou do xerife Coffee com o ajudante Clem Foster. Agora fixem bem: o primeiro episódio foi emitido há exatamente 60 anos, feitos hoje.
Da coluna diária do CM.
Com o tempo, a memória esvazia-se, desculpa este e aquele pequeno escândalo, encolhe os ombros. Vem isto a propósito de um amigo que, arrancando parte substancial dos cabelos e da paciência, se lamentava da falta de qualidade dos guiões do cinema português. Sem querer desiludi-lo, regressei a um tema grato, o do livro As Conversas Secretas do Clã Espírito Santo, de Sílvia Caneco (Esfera dos Livros). Volto a essas páginas gloriosas e à minha impressão da época, 2015: a certa altura, à mesa da reunião, um cavalheiro confessa que esteve toda a noite a estudar os acordos de extradição do Panamá com Portugal: “Só para verem, nem dormi.” Depois, outro deles diz que estavam lá (no Panamá) 300 milhões; alguém o desmente – são 400. Não, é mais: 920 milhões naquele país com “a arquitectura de Miami e a desorganização da América Latina”. E para lá ele não ia, tinha medo. Não é como no Brasil, onde há “tipos que me fazem segurança à noite.” “Estamos a mandar dinheiro para fora outra vez. Estou para ver como é que a gente paga isso.” Se isto não é cinema puro não conhecem a malandragem.
Da coluna diária do CM.
Assinalam-se hoje os 360 anos do nascimento do britânico Henry Purcell (1659-1695). A data não diz muito aos meus leitores e temo perder alguns desde a primeira frase desta crónica – mas Purcell é um dos meus compositores preferidos; a sua música é um eco de grande pompa ou larga melancolia e obras como Fairy Queen (que se baseia em Shakespeare), The Indian Queen ou Dido e Eneias (para não falar de uma das suas grandes canções, More Love or More Disdain) merecem ser ouvidas uma vez na vida. Mas não é sobre isso que gostava de falar. Num país que cultivasse o gosto pela música, saberíamos quem foi Purcell – mas conheceríamos também os nomes de Fr. Manuel Cardoso, Carlos Seixas, João de Sousa Carvalho, Domingos Bontempo, Vianna da Motta, Marcos Portugal, Francisco de Lacerda e tantos outros, incluindo contemporâneos. Mas isso exigia ouvir música nas escolas, educação para a sensibilidade e para a cultura, e não pequenos cérebros de serviço à mediocridade a tomar conta dos destinos da educação. É uma pena, mas o empobrecimento parece generalizado. Embora muito contentinho.
Da coluna diária do CM.
Catarina Martins diz que o programa do Bloco é social-democrata (na verdade, o Partido Operário Social-Democrata Russo foi criado em 1899; Lenine aderiu em 1903) e que as barragens são um perigo porque a água evapora. O primeiro-ministro anuncia querer um Erasmus lusitano para que os estudantes conheçam o país (o turismo é a nossa grande obsessão), contactando com “outros territórios, saberes e espaços” e não se fiquem pela “onda do surf”, como se a Ericeira estivesse à compita com Paredes de Coura. O dr. Rio, logo a seguir, depois de mencionar que esse Erasmus do interior é uma “oportunidade para os jovens portugueses conhecerem o seu próprio país”, informa, na qualidade de candidato ao parlamento, que a condição de deputado “não o entusiasma completamente”, mas que lá estará. Como Jerónimo de Sousa mantém que nunca apoiou o governo que agora vitupera, e que nem o conhece, só nos faltava André Silva, do PAN, a garantir a obrigatoriedade da existência de sombra para animais nos pastos, e de animais adoptados nas escolas. Apesar de ainda estarmos em setembro, ficamos conversados.
Da coluna diária do CM.
Mais cómico do que um padre católico a tentar justificar a Inquisição (um dia destes trago-vos um deles, lusitano e tudo), só mesmo os arrepios de anticlericais militantes – veja-se o burburinho quando se soube que, a 5 de outubro, o Presidente da República ia a Roma assistir à cerimónia da elevação a cardeal de Tolentino de Mendonça. Ai que não pode ser – e então a República, os vivas ao dr. Afonso Costa, a banda na Praça do Município e a chapelada da ordem? Sendo óbvio que o PR pode bem assistir às cerimónias e voar para Roma – ou vir de Roma a tempo de assistir o desfile da GNR e ao fecho das urnas –, é preciso explicar que a escolha do poeta e sacerdote Tolentino de Mendonça pelo Papa Francisco não é apenas matéria eclesial vaticana: reconhece o seu lugar (e o seu futuro) nas novas orientações da sua igreja. No contexto atual, significa bastante mais (trata-se da mais meteórica ascensão na moderna hierarquia católica), mesmo para almas anticlericais que se excitam com facilidade. E sim, nestas condições, o PR deve assistir à cerimónia de Roma. E marchar para casa, em podendo.
Da coluna diária do CM.
O discurso sobre não comer carne ou peixe porque isso esgota os recursos do planeta já ultrapassou a imbecilidade – é pura ignorância e demência. Há 50 anos, antes da massificação alimentar e do desperdício dos programas do Masterchef (onde destroem um peixe inteiro para lhe retirar um filete lindinho), comíamos com moderação e penúria. Comer carne não era comer bife e comer peixe não era comer lombo de garoupa ou salmão. Aliás, depois do prato de carne, havia massa tenra, rissóis, tortas, empadão e o que fosse. O pudim, os rissóis e os pastéis de peixe reaproveitavam tudo. E não havia prato que não tivesse vegetais. As “novas gerações” habituaram-se à abundância e desdenham desses hábitos que tanto eram de economia doméstica como de ecologia prática – e daqui a umas décadas estarão de novo a “esgotar os recursos do planeta” depois de se fartarem de beringelas, seitan, abacate e quinoa. Era bom que nós, portugueses, pudéssemos explicar à ONU que a nossa culinária já era “sustentável” antes desta palermice. Mas, infelizmente, os palermas locais já tomaram conta da ocorrência.
Da coluna diária do CM.
Votar no partido dos animais, tão simpático, é uma boa alternativa para muitos eleitores que estão cansados dos partidos maioritários ou gostam de publicar imagens de gatinhos no facebook. Gatinhos e comida vegan parece um dueto inocente – mas, atrás deste tango, vem uma orquestra de metais. O PAN quer tribunais especiais (para a corrupção, por exemplo), comida vegetariana como menu oficial do Estado, aumento do IVA da hotelaria e restaurantes para investir na cultura, uma secretaria de estado para os animais (que passariam a ter um SNS próprio), praias para cães, mais miminhos nas escolas para estudantes e professores (que incluem redução dos programas escolares e sua adaptação à ideologia emocional do PAN, além de ioga, mindfulness e relaxamento), penalização da maquilhagem e do uso de produtos de beleza ou pensos higiénicos, “estatuto especial” para nutricionistas e psicólogos, e um belo etcetera que vos convido a ler. Que mal vem daqui ao mundo? Aparentemente nenhum, se o PAN não chegar ao governo, como pode vir a acontecer. Deus nos livre dos que querem mandar na vida dos outros.
Da coluna diária do CM.
Jules Maigret nasceu em 1887 perto de Lyon (onde fez estudos de medicina) – mas em 1907 fixa-se em Paris, onde subirá ao cargo de inspetor-chefe dos homicídios da polícia judiciária. É aí que se tornará famoso como “comissário Maigret”, trabalhando no famoso edifício do Quai des Orfèvres e vivendo no Boulevard Richard-Lenoir com “madame Maigret”. O primeiro livro em que figura é Pietr o Letão, de 1931, a que se seguem cerca de outras cem histórias escritas pelo belga Georges Simenon, o mais prolífico dos escritores de língua francesa. Viajante incansável, apaixonado, insubmisso, mulherengo, com uma energia infinita e uma capacidade de trabalho desafiadora, Simenon é uma figura trágica das letras: escreveu mais de 170 romances, sem mencionar contos, novelas e uma monumental autobiografia (Memórias Íntimas), e várias histórias suas foram adaptadas ao cinema por Renoir, Melville, Tavernier ou Chabrol. Dizer isto é pouco, porque Simenon (1903-1989) e as suas criações fazem parte da nossa memória sentimental. Passam amanhã 30 anos sobre a sua morte. Vale a pena relê-lo sempre.
Da coluna diária do CM.
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