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Não sei se vem aí o verão – mas merecíamos um pouco de calor (acalmem, há previsão de chuva, não desanimem). Como piada, diz-se que Portugal está tão na moda que o inverno veio passar o verão entre nós; o fato é que ainda não houve ondas de calor, nem de pânico, nem de aviso laranja da proteção civil para insolações anunciadas. Na literatura, lembro-me de romances em que o verão era abrasador, intenso, canicular, cheio de vagas ardentes – tal como no cinema, em que se transpira, há ventoinhas ligadas ou ar condicionado que não funciona. Este ano é atípico, mas a meteorologia é uma das poucas coisas que me interessam, a par da literatura, da música, do cinema, da culinária doméstica ou das pessoas que conjugam palavras amáveis, enquanto a política vai sendo cada vez mais vencida pela mediocridade e encenação. Quando as eleições se aproximam (falta mês e meio), o país divide-se entre a manipulação e o desinteresse, o que não é bom augúrio – mas é bem feito para quem não merece mais.
Da coluna diária do CM.
Li os relatos das acusações a Placido Domingo e fiquei com a impressão de que se tratava de literatura de terceira classe: pelas descrições, pelos adjetivos das denúncias, pelas circunstâncias, pela natureza do assédio e da insistência. Trinta, quarenta anos depois, essas acusações caem na maravilhosa carreira de Domingo como uma nódoa abominável – algumas delas são explicáveis, mas o “espírito da época” ou o desatino hormonal não serve de almofada para justificações. A única coisa que me causa impressão (ainda assim, sem surpresa) é o lapso de tempo. Trinta anos de silêncio esperavam o momento da vingança ou um “sentido de oportunidade” favorável. O tenor espanhol (um homem adorável e simpático que conheci de passagem e com quem falei de futebol e da sua paixão pelo Real Madrid – fui incapaz de dizer como gostava da sua voz) tem agora a honra a prazo trinta anos depois de ter cometido erros. Não é um bom final, embora levante dúvidas. O passado é sempre uma avalanche de perdas e erros.
Da coluna diária do CM.
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