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É muito difícil falar de João Gilberto, que morreu anteontem (1931-2019) – mas é sempre necessário porque a sua voz, o seu violão, a sua teimosia e as suas interpretações são o demónio mais fulgurante da música brasileira do século XX. Falo de interpretações porque cada canção é uma canção. Veja-se “Chega de Saudade”, letra de Vinicius, música de António Carlos Jobim (tal como a genial “Garota de Ipanema”) – é boa, muito boa. Mas foi João Gilberto que a transformou em batida, harmonia, harpejo e voz da música brasileira, muito para lá da bossa nova. Preciosista, João Gilberto? Não. Obcecado até ao pormenor, ao mínimo voo de inseto que pode prejudicar a sua melancolia. Voz mansinha, falada. Tom de sussurro. Na verdade, Gilberto é um monumento inesquecível e obstinado; foi graças a essa obstinação que tudo aquilo que criou, no mundo música, do samba ao jazz (e volta), tem a marca de um génio que nada demovia. Na música brasileira não há talento tão influente como ele. Gilberto levou para as canções uma doçura especial. Estamos de luto por vários dias; depois, diremos: chega de saudade.
Da coluna diária do CM.
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