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Preparamo-nos para “os tempos que hão de vir” — é esta a lei de cada dia. Fazemos algum exercício, forçamos caminhadas, moderamos a preguiça do corpo; vigiamos a hipertensão, o colesterol, o coração; tentamos que a nossa vida seja mais saudável, ludibriando a idade ou as sucessivas perdas. Muitos esforçam-se para lá do razoável, impondo-se disciplina, vigilância médica, alimentação regrada e ar puro. E, de repente, há Iker Casillas. Claro que um enfarte acontece apesar de toda a vigilância, lembrando que a vida está também sujeita à desordem e à sorte e que, por isso, ela nos mostra o muito frágeis que somos. Uma lotaria, lembram-me aqui e ali, ou seja, uma aposta sobre “os tempos que hão-de vir”. O que se pode fazer? Quase nada, quase tudo: viver como se houvesse amanhã (por causa dos que amamos, dos filhos, dos que nos são próximos) mas deixando tudo preparado para o derradeiro aceno. Iker Casillas – um homem belo, feliz, tranquilo, no pleno da idade – mostrou-nos como tudo pode ser tão frágil e tão inesperado. E como a vida deve ser vivida na procura de alguma plenitude.
Da coluna diária do CM.
Um amigo mostrou-me o frontispício de uma edição americana das obras de Kant (1724-1804) onde se lê um aviso: que as opiniões do filósofo sobre raça, género, sexualidade e relações interpessoais são produto do seu tempo e que tudo já mudou entretanto. Claro que apetece mandar prender o editor e deportá-lo para o Ártico. Mas entretanto lembro que passam hoje 500 anos sobre a morte de Leonardo Da Vinci e que mais vale estar prevenido: as opiniões e as realizações de Da Vinci (1452-1519) sobre sexo, género, relações humanas, etnicidade ou religião dizem respeito à passagem do século XV para o século XVI e que o pintor, matemático, escultor, engenheiro, botânico, poeta, gastrónomo, anatomista e arquiteto florentino está fora de moda, deve ser entendido como um produto do seu tempo e não devemos acreditar em tudo o que disse, ou pensou, ou deixou registado. 500 anos depois, Da Vinci é uma excrescência num mundo de patetas e tolos encartados. Tenho medo que esta gente de espalhe o seu vírus e nos faça esquecer que a nossa espécie produziu génios como Da Vinci. Tenho muito medo.
Da coluna diária do CM.
O regime venezuelano, de que Nicolás Maduro é uma excrescência cómica e trágica, só existe porque a esquerda europeia o apaparicou sem reservas, alimentando-o ideologicamente e declarando-o como exemplo do “socialismo do século XXI”. No fundo, o “regime bolivariano” é uma mistura de caudilhismo regional, autoritarismo militar e folclore linguístico. Enquanto havia dinheiro do petróleo, a Venezuela de Hugo Chávez canalizou fundos para partidos amigos e cavalheiros que andavam necessitados de dinheiro para as suas obras pias; depois, falida e destruída, passou a ser suportada por um complexo diplomático que ia da Rússia ao Irão, como contraponto à influência americana (que, como de costume, é hábil a fazer tudo o que não deve fazer). Para a esquerda europeia, o “bom revolucionário” existiria em abundância na América Latina para substituir o “bom selvagem” de outros séculos. O resultado não é famoso, como se está a ver: é penoso e doloroso ao mesmo tempo. Ou Maduro tem o fim trágico de um flibusteiro, como se supõe, ou a agonia venezuelana se prolonga desnecessariamente.
Da coluna diária do CM.
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