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Whitman, todos nós.

por FJV, em 31.05.19

Hoje é dia de ler Walt Whitman, que nasceu há 200 anos em Long Island – cumpridos hoje. A partir dos 4 anos, em Brooklyn, e até morrer (aos 72, em Nova Jérsei, 1892) foi tipógrafo, jornalista e editor, poeta, ensaísta, viajante livre e homem deslumbrado com a liberdade e com a possibilidade de o ser humano ser feliz algum dia. É claro que eu recomendo a leitura de Folhas de Erva, a monumental recolha da sua poesia que, ao longo destes 200 anos, vendeu milhões de exemplares, além de ter sido o livro de cabeceira dos grandes poetas, o livro mais roubado de bibliotecas e livrarias americanas, um dos títulos mais perseguidos e proibidos (ah, as alusões sexuais...), o pioneiro do verso livre. E, sobretudo, o autor de Canto de Mim Mesmo, um poema que influenciou e marcou toda a poesia posterior. Hoje é, portanto, dia de ler Whitman (a quem Pessoa, em 1915, dedicou “Saudação a Walt Whitman”, onde lhe chama “meu velho arado das almas”). Mas, mesmo se não tiver lido, fique a saber que se trata de um grande poeta e que a nossa vida, hoje mais livre e inteira, deve muito a esse homem barbudo e apaixonado.

Da coluna diária do CM.

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Benny Goodman.

por FJV, em 30.05.19

Quem não conhece a música de Benny Goodman (1909-1986) não sabe o que perde – mas o seu clarinete ecoa nos meus ouvidos várias vezes, como uma recordação de grandeza, melancolia e suavidade. Filho de um judeu polaco e de uma judia lituana, Benny (Benjamin) teria de ser influenciado pela tradição musical ‘klezmer’ dos bairros de judeus pobres dos seus países ancestrais; mas o que ele desenvolveu (e que tornou possível, depois, a existência de grandes bandas de swing, como a de Glenn Miller ou Tommy Dorsey), foi muito superior ao jazz – como se acreditasse numa dimensão divina da melancolia. É ela que nos permite dançar ou imaginar que dançamos (Nietzsche dizia que só acreditava num Deus que dançasse). As interpretações de ‘Exactly like you’, ‘My melancholy baby’, ‘More than you know’ ou ‘Someday sweetheart’ enchem-me de alegria. Foi ele que formou a primeira grande orquestra com negros e brancos além de trios, quartetos e sextetos notáveis, fazendo do swing uma memória grata e poética. Goodman completaria hoje 110 anos, o que não fica mal a um músico desta categoria.

Da coluna diária do CM.

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Violência desproporcional.

por FJV, em 29.05.19

Em 2013 protestei por causa da intenção de multar quem não pedia faturas de despesas. Está bem, fi-lo de forma desabrida, mas era um abuso: o fisco estava a atuar em roda livre e transformava-se numa brigada policial que também julgava e executava as próprias sentenças, além de andar – às claras – a cruzar dados sobre os contribuintes. Seis anos depois, uma operação policial juntou ontem a GNR e a Autoridade Tributária: a GNR mandava parar os carros, os funcionários da AT verificavam se os condutores tinham dívidas fiscais, e podiam mesmo – garantiram – penhorar os automóveis. O mais interessante não é perceber como nasceu esta operação ridícula (é o sindicatos dos trabalhadores dos impostos que o diz); é saber por que razão o governo mandou suspendê-la. Por ser ilegal? Não me parece. Há coisas que são legais e continuam a ser ridículas e, no caso, de uma violência desproporcionada. Acho é que a brigada corria o risco de mandar parar alguns dos devedores de milhões à banca e aos portugueses, que – como são “grandes devedores” – continuam de braço dado com altas figuras do Estado. 

Da coluna diária do CM.

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Abstencionistas.

por FJV, em 28.05.19

Apesar dos apelos lancinantes das grandes figuras públicas e pais da pátria, cerca de 70 por cento dos portugueses não foram votar e, dos 30% que lá apareceram, 7% votou em branco ou desenhou bonecos no boletim (ou seja, os três maiores partidos tiveram 10, 7 e 3%, respetivamente). É claro que há quem sugira que a marcação de eleições deve ser decidida em conjunto com o instituto de meteorologia, mas, com sol de praia ou chuva forte, com ou sem futebol (afinal, em dia de bola houve mais eleitores), não há apelo ao voto que resulte se não houver candidatos motivantes ou escolhas que valham a pena, a menos que os eleitores já tenham sido devidamente adormecidos. Há outra via, que é a de obrigar por lei os portugueses a votar – e puni-los se não votarem nos candidatos que lhes apresentem. Não vale a pena fazer ar de tragédia: sobre a Europa – que todos os partidos anseiam amorosamente discutir –, os portugueses não se interessam muito desde que caiam “fundos” (venha a massa!), haja emprego, harmonia e turismo; já sobre os candidatos, a piada está feita e não preciso de explicar mais.

Da coluna diária do CM.

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A Espanha que nos roubam.

por FJV, em 27.05.19

Cresci a amar Espanha, que era – na altura em que não tínhamos Coca Cola, jeans ou calamares estaladiços – um território de liberdade. Um país altivo, orgulhoso, vaidoso, com bons escritores de mau feitio (de que sobram Reverte e Marías) e gente que dava gosto ouvir. Com o tempo e com a ascensão de uma classe política plastificada, apostada em eliminar todo o passado e as tradições que fizeram de Espanha um país original e com gosto pela vida, há cada vez mais vizinhos enfadonhos, chatos, inimigos do riso, que politizam tudo, agressivos (longe da sua truculência divertida, que fez estilo) e dispostos a tudo para serem patetas. Isso eu aguento, porque passámos pelo mesmo. Mas este fim de semana, ao folhear a Hola!, a revista social, tive um choque: onde está a Espanha que amei, cheia de salero, marquesas e gente madura, vaidade, cantoras de flamenco, amantes infiéis, toureiros, escritores, a Espanha de antanho, nobre e colorida? A Hola!, que foi um guia de frivolidade e ilusão, mostra agora apenas palermas da tv e idiotas iguais aos outros. Estão a destruir Espanha, é o que é. 

Da coluna diária do CM.

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O lixo que se escreve.

por FJV, em 24.05.19

Ontem deparei com uma frase fantástica de Tom Waits: “O mundo é um lugar infernal, mas a má escrita está a destruir a qualidade do nosso sofrimento.” Waits sabe do que fala; algumas das suas canções – estranhas e imprevisíveis – são monumentos literários. Justamente, vendem-se cada vez menos livros de literatura (romance e poesia) e o que aparece, na maior parte das vezes, são arremedos de uma banalidade monstruosa; não me admira que a não-ficção (sobretudo história, biografia e ciência) tenha cada vez mais sucesso, diante da crise da ficção literária. A “qualidade do sofrimento” é uma coisa que procuramos valorizar com bons livros. Ao contrário do que dizem certos tolos, a leitura não nos faz melhores cidadãos (ou seja, a não deitar lixo no chão, pagar os impostos, ser amável); desperta-nos para o mistério, para o enigma, para a melancolia, para a maldade e – claro – para o sofrimento, a falta ou o amor. A má escrita é, por isso, um pecado contra a beleza. E, se na escola não houver bons livros a circular, os leitores de amanhã não saberão distingui-la no meio do ruído. E do lixo.

Da coluna diária do CM.

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Chico Camões.

por FJV, em 23.05.19

Toda a vida de Chico Buarque esteve rodeada de livros. Ou pelo pai, professor e historiador (Sérgio Buarque de Hollanda, autor do fundamental Raízes do Brasil), ou por ele mesmo — contista de ocasião, poeta que escreveu algumas das melhores canções da nossa língua, muitas delas relacionadas com livros (ou sendo temas de livros). Canções? Várias da nossa memória, várias da nossa vida, dos nossos amores e das nossas várias juventudes e idades adultas (seria pecado listar apenas dez). Livros? O importante Budapeste, o inaugural O Estorvo, Leite Derramado, ou Benjamim. Com as suas canções — poemas densos, extensos muitas vezes, nada fáceis — mudou o lirismo da língua portuguesa; muitas delas são monumentos que hão de ficar para ajudar a nossa melancolia, a nossa ironia, ou apenas o nosso desejo de escutar frases que não esqueceremos. A sua prosa é discreta, suave, procurando tocar as margens da beleza sem ostentação nem gritaria, de uma elegância rara, fabricando personagens invulgares e situações raras. O Prémio Camões não lhe faz falta — mas a nós, sim.

Da coluna diária do CM.

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Conan Doyle.

por FJV, em 22.05.19

Conan Doyle nasceu há 160 anos, cumpridos hoje. No mundo da chamada “literatura policial”, o seu nome não é tão conhecido como a sua criatura – Sherlock Holmes. Tal como Georges Simenon é ultrapassado pela figura que criou, o comissário Maigret. Ou Chandler por Marlowe. Isso é a glória de qualquer escritor, mas Arthur Conan Doyle (1859-1930) julgava-se aprisionado por Sherlock e, em 1893, decide matá-lo, juntamente com o seu inimigo fatal, Dr. Moriartry – a fim de se dedicar a escrever livros sobre temas históricos e militares. Os leitores de ‘Um Estudo em Vermelho’ ou ‘O Signo dos Quatro’ protestaram com veemência e o detetive acabou por voltar à Baker Street e à amizade com o Dr. Watson, para mais 60 histórias iniciadas em 1903. Doyle não era um grande escritor – mas a figura de Holmes eternizou-o, e ainda bem, no cinema ou na televisão (com Basil Rathborne, Jeremy Brett, Robert Downey Jr. ou Benedict Cumberbatch). Depois de um período trágico na sua vida, dedicou-se a escrever sobre espitirismo – mas nada pôde suplantar uma figura como Sherlock. Elementar.

Da coluna diária do CM.

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Manuel de Brito.

por FJV, em 21.05.19

Só o soube pelo CM: Manuel de Brito deixou-nos aos 68 anos, na madrugada de sábado. Colaborador deste jornal, é como editor que o recordo – e como um homem corajoso, com um grande sentido de humor, uma inteligência maravilhosa. A Contexto, editora que criou nos anos 80, foi o seu lugar de eleição – em redor de livros, rodeado de livros, inventando livros. Lembro a forma como partiu, para Sines, em busca de um poeta então quase desconhecido chamado Al Berto, e como Al Berto nunca esqueceu que foi Manuel de Brito a arriscar tudo para o publicar. Como descobriu Rita Ferro para a ficção, ou Paulo Castilho, ou publicou o primeiro romance de Nuno Júdice, ou a primeira grande biografia de Amália. Ou como lhe devemos a reedição facsimilada das grandes revistas portuguesas do modernismo, livros de Albert Cohen, Leopoldo Alas (Clarín), Helder Moura Pereira, E Tudo o Vento Levou, edições de arte de Agustina, Júlio Pomar, Jorge Molder, Cruzeiro Seixas, Mário Botas – a lista é enorme, pessoal e evoca o gosto do Manuel. Este é um adeus sentido, inesperado e brutal.

Da coluna diária do CM.

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Os cemitérios.

por FJV, em 20.05.19

Ontem, o CM publicou uma interessante peça sobre o acréscimo de turistas nos cemitérios portuenses de Agramonte e do Prado do Repouso, que fazem parte da Associação dos Cemitérios Monumentais da Europa. Já passeei pelos dois – e por vários outros, em Portugal e lá fora. Os nossos cemitérios são mal cuidados, mal desenhados e, em geral, feitos sem gosto. Não deviam. Há belos cemitérios, na Holanda, em Inglaterra, nos EUA, no Canadá, na Noruega (falo dos que vi); lugares tranquilos e arborizados onde as pessoas vão visitar as suas memórias e as memórias dos que lhes foram próximos. Em Portugal, os cemitérios são abandonados e tememos o confronto com a tristeza e a evidência da morte; compreendo esta, mas não entendo o abandono letal. Recentemente, vi o que sucedeu ao do castelo de Sesimbra, um lugar belíssimo à vista do mar – mas um cemitério desleixado e desprezado, o que é uma pena. A forma como tratamos a morada dos antepassados dá uma ideia dos nossos medos, é certo, mas também do nosso desinteresse pela eternidade e pela mais definitiva das moradas.

Da coluna diária do CM.

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Comunidade educativa.

por FJV, em 17.05.19

Anteontem, em Valadares, Gaia, duas familiares (mãe e avó) de uma aluna de sete anos do ensino básico, agrediram uma professora. Professores e funcionários da escola fizeram o que puderam, além de prestar apoio à vítima: um cordão humano de protesto. As agressões a professores têm vindo a multiplicar-se desde que a escola deixou de ser um lugar onde há disciplina,  professores e alunos – e passou a ser a sede de uma coisa estranhíssima chamada “comunidade educativa”, onde entram familiares, encarregados de educação, autarcas e associações cuja existência não se entende. Ao fazerem muitas vezes figuras duvidosas, os professores viram a sua autoridade diminuída; o seu ministério, que não frequenta as escolas há muito, não os protege (pelo contrário, encontra sempre forma de os fragilizar); o governo prepara-se para sacrificar os professores por causa das lutas sindicais, apresentando-os como malandros; e a “comunidade educativa”, à solta, acha que um ralhete ou uma má nota aos seus rebentos merece que se aplique um corretivo nos professores. Isto não é bom – e é uma vergonha. 

Da coluna diária do CM.

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O vilão do momento.

por FJV, em 16.05.19

Que estranha unanimidade em relação a Berardo, o vilão do momento. Como foi possível que, durante tantos anos, o colecionador, o candidato a banqueiro e presidente do Benfica, o investidor e “vastíssimo homem de cultura”, o negociante habilidoso, tivesse sido escolhido como empresário e investidor do ano, emblema do American Express, e peito para duas condecorações como a comenda e a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique? Que seja figura incontornável da “arte contemporânea” não me assusta, porque há lá muito flibusteiro. Tal como na banca. E no jet-set. Mas a ideia de José Miguel Júdice – a de devolver a sua condecoração caso não seja retirada a de Berardo – deve fazer-nos pensar nesse assunto, porque desses anos gloriosos do “beautiful people”, engalanado com cupidez e dinheiro acessível e em alta rotação, não sobra apenas um vilão. O regime, que controla o Panteão e o palanque do 10 de Junho, precisava de ícones – e Berardo era um deles. Mas o glamour desses anos, como se há de ver, produziu imensa espuma que com o tempo não vai distinguir-se do lixo de que é feito.

Da coluna diária do CM.

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Abandonar Berardo.

por FJV, em 16.05.19

Assis Chateaubriand (leiam a bela biografia de Fernando Morais, ‘Chatô, o Rei do Brasil’) foi jornalista, empresário, político, impostor – e um colecionador de arte que dotou os museus do Brasil de obras interessantes de pintura contemporânea. É certo que era um aldrabão; gosta-se dele pela astúcia com que ludibriou tanta gente, como modernizou a imprensa brasileira e pelo seu entusiasmo perto da esquizofrenia. José Berardo é também um colecionador de arte e foi patrão de imprensa – e um investidor que, com o dinheiro da banca (o seu estava resguardado), queria fazer mais dinheiro e juntar-se ao poder, que se babava diante dele. As suas manobras foram ruinosas, mas a aura de colecionador de arte fez dele uma eminência cultural (mais pela roupa muito parvinha). Em 2010, criticar Berardo era perigoso: não só ele era truculento e hábil, como era apaparicado pelas beldades da cultura e pelos jogadores da política e da banca. Dez anos depois, é isto: dá vontade de rir ver tantos cúmplices a quererem desligar-se dele, depois de terem ajoelhado à sua frente. Tudo o mais é vergonhoso.

Da coluna diária do CM.

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Portugal conservador?

por FJV, em 14.05.19

Ui, que medo. Na semana passada vi a edição mais recente da revista Men’s Health cuja capa me apresentava os peitorais do deputado Duarte Pacheco. Não sendo fã, tive curiosidade depois de ler uma entrevista em que Duarte Pacheco justificava a exposição do seu físico esmerado, acusando a sociedade portuguesa – preparem-se! – de ser “conservadora”. Esta classificação irrita-me, porque é injusta. Ninguém criticou o deputado Duarte Pacheco por mostrar os bíceps, tal como ninguém criticou a minha amiga Joana Amaral Dias por se fazer fotografar nua. Portugal tem legislação liberal (em graus diferentes) sobre casamento homossexual, uso de drogas, religião, imprensa, educação, internet, costumes em geral. A questão, caro Duarte Pacheco (o seu físico está excelente!), é que ninguém liga especialmente aos comportamentos individuais. E esse “ninguém liga” significa que as pessoas não se chocam com ninharias, adaptam-se com facilidade, têm opinião, e tanto encolhem os ombros quando veem uma tontice como assobiam para o lado quando o assunto não é com elas. Sociedade conservadora, o tanas.

Da coluna diária do CM.

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Assim vai mundo, meninas.

por FJV, em 13.05.19

O Instituto da Aprendizagem britânico (IfA) determinou que palavras como “ambição”, “desafio” ou “liderança” são muito masculinas e que devem ser evitadas em anúncios de emprego, nomeadamente na chamada “indústria digital”, para estes serem mais atrativos para as mulheres (que apenas ocupam 17% dos empregos). Este último princípio parece-me justo, mas tenho dúvidas sobre a linguagem. Segundo o The Daily Telegraph deste sábado, o instituto quer promover uma linguagem neutral – ou mesmo “mais feminina” – do ponto de vista do género. Para isso, banirá palavras como “ativo”, “decisivo”, “líder”, “ambição”, “desafio”, “objetivo”, “competitividade”, “independência”, “confiança” ou “inteletual”, e apostará em “compreensão”, “simpatia”, “honestidade”, “cooperação” e “apoio”. Não sei o que pensam os lexicógrafos portugueses, mas penso há muitas mulheres que, felizmente, se identificam com palavras como “inteletual”, “confiança” ou “independência” , além de “ativa”, “decisiva” ou “desafio”, para já não mencionar a expressão “não nos tratem como palerminhas”. Assim vai o mundo, meninas.

Da coluna diária do CM.

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Profes.

por FJV, em 10.05.19

Hoje, o Parlamento vota a contagem de serviço dos professores. Mas o que me preocupa, daqui em diante, não é bem o torniquete sindical nem a guerra entre partidos para ver quem deu mais piruetas e mentiu mais. É o tema dos professores, propriamente ditos, uma classe que merecia melhor. Merecia não ter sido invadida por maus exemplos (desinteresse e preguiça, como em todas as profissões). Merecia mais respeito. Merecia mais atenção. E merecia ser mais ouvida e não submetida pelo linguajar absurdo dos técnicos do ministério. Os partidos e os políticos transformaram-na aos olhos da opinião pública em classe detestada, o que é indigno e injusto. Há professores a serem agredidos com a complacência do ministério; as escolas transformaram-se em armazém de adolescentes e os professores em “cuidadores” e em burocratas forçados. Resta-lhes pouco tempo para serem professores; são psicólogos, terapeutas, animadores, pais de substituição, gestores. Apesar do ministério, eles salvaram as escolas. Sempre desprezados. Pacientes e pouco escutados. O que se está a passar é vergonhoso. 

Da coluna diária do CM.

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Trotinetas.

por FJV, em 09.05.19

Em França vai haver multas pesadas para quem circule de trotineta elétrica no passeio. Agradeço as graças recebidas; já fazia falta. Por mim, defendo a liberdade de circulação: se as pessoas querem andar na rua de carro, bicicleta, trotineta elétrica, patins em linha, burro de Miranda ou carruagem puxada por dragões de Komodo, estão no seu pleno direito desde que não atrapalhem a vida de peões e de transportes públicos ou arrumem como deve ser o veículo – e cumpram leis de decência ou o código da estrada. O que me irrita supinamente é a soberba dos utilizadores dos novos meios de locomoção quando olham para peões ou automobilistas do alto da sua superioridade moral. Menciono sobretudo os ciclistas vestidos de licra, com óculos escuros e capacetes espaciais ou trotinetistas supostamente elegantes que passeiam como se fossem o Darth Vader a passar revista às tropas, olhando os outros como se fossem gente atrasada e desatualizada que, coitada, ainda precisa de andar a pé ou de carro, de ir para o emprego ou de transportar mercadorias. Às vezes só desejo mesmo é que chova.

Da coluna diária do CM.

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O terror vegan.

por FJV, em 07.05.19

Salvar o mundo é uma tarefa simples – e prometer a salvação é ainda mais fácil. A primeira coisa é deixar de comer carnes vermelhas e, depois, deixar de comer carne; ficamos logo pessoas melhores e mais pálidas, capazes de grandes gestos de generosidade e abnegação em nome de um mundo melhor e sem ácido úrico. No entanto, o combate dos militantes vegan está a radicalizar-se e a tornar-se violento, tal como os grupos que espalham o terror em Myanmar em nome do budismo. Esta segunda-feira, um comando vegan tomou de assalto um “talho bio” (tomem nota) no mercado de Saint Quentin em Paris (no 10.º Bairro), ferindo o seu proprietário e obrigando ao encerramento da pequena loja. O grupo é conhecido por ter assaltado supermercados, destruindo produtos alimentares e agredindo clientes incapazes de verificar por si mesmos as vantagens de comer  lentilhas e bife tártaro de seitan. Entretanto, caso não tenham visto, 67% de portugueses inquiridos (não sei onde) diz que está de acordo com uma lei que lhes permita levar os animais de estimação para o emprego. Amanhã levo uma iguana.

Da coluna diária do CM.

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Os terratenentes e os filhos mais diletos.

por FJV, em 07.05.19

A história do regime e dos seus terratenentes passa por pequenos episódios. Em 2012, por exemplo, levantaram-se dúvidas sobre o valor autêntico da coleção Berardo e sobre se ela teria sido, afinal, dada pelo proprietário como garantia para certos empréstimos ruinosos contraídos na banca (compra de ações do BCP, supõe-se). Como a operação do Museu Berardo no CCB foi decidida “ao mais alto nível” (de onde resultaram condições muito favoráveis para o empresário), as suspeitas eram explosivas e deviam ter encontrado eco e serem seguidas. Não. As pessoas “amigas do regime” (além das vozes de certos bancos), que coloriam o glamour da época, explodiram, sim, mas em defesa de José Berardo, grande amigo do socialismo e da arte: no fundo, tratava-se de mais um “ataque à cultura” e o comendador, coitado, levava por tabela. O episódio é surreal, mas verdadeiro. O CM de ontem diz que, afinal, três bancos querem agora a coleção Berardo para poderem negociar a dívida. Chegaram tarde, provavelmente. A menos que o regime também abandone os seus filhos mais diletos que tantos favores lhe fizeram. 

Da coluna diária do CM.

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Contorcionismo.

por FJV, em 06.05.19

Há muito tempo que não se decretava uma maioria absoluta do PS depois de uma jogada de risco. Só faltava ser sexta e dia 13. Era sexta. Vejamos: António Costa nunca foi um perigoso esquerdista nem um nostálgico da ‘revolução permanente’; a geringonça resultou da fome de poder e de emprego para tanta gente das fileiras – e funcionou porque Costa meteu a esquerda no bolso (o BE, aceitando sem pudor, e o PCP com cautela), domesticando-a sem ironia e agitando o papão da direita (o que foi indigno). De repente, hostiliza a esquerda (que tem criticado o governo das “políticas de direita”, “amigo dos banqueiros e dos privados”) e parte à conquista dos desavindos do bloco central, munido de um Centeno austeritário e com a sensação de ter domesticado a ala rock’n roll do seu partido. É um cálculo e tanto: “Esqueçam tudo o que eu disse, especialmente a tramóia malcriada que montei em 2015 – vamos agora distribuir paulada no pessoal que quer abanar a estabilidade orçamental, deixem o PSD entregue a esse Rio esquerdista e despesista e abracem-me com vigor.” É de génio. Cuidado com o pescoço.

Da coluna diária do CM.

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