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Que estranha unanimidade em relação a Berardo, o vilão do momento. Como foi possível que, durante tantos anos, o colecionador, o candidato a banqueiro e presidente do Benfica, o investidor e “vastíssimo homem de cultura”, o negociante habilidoso, tivesse sido escolhido como empresário e investidor do ano, emblema do American Express, e peito para duas condecorações como a comenda e a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique? Que seja figura incontornável da “arte contemporânea” não me assusta, porque há lá muito flibusteiro. Tal como na banca. E no jet-set. Mas a ideia de José Miguel Júdice – a de devolver a sua condecoração caso não seja retirada a de Berardo – deve fazer-nos pensar nesse assunto, porque desses anos gloriosos do “beautiful people”, engalanado com cupidez e dinheiro acessível e em alta rotação, não sobra apenas um vilão. O regime, que controla o Panteão e o palanque do 10 de Junho, precisava de ícones – e Berardo era um deles. Mas o glamour desses anos, como se há de ver, produziu imensa espuma que com o tempo não vai distinguir-se do lixo de que é feito.
Da coluna diária do CM.
Assis Chateaubriand (leiam a bela biografia de Fernando Morais, ‘Chatô, o Rei do Brasil’) foi jornalista, empresário, político, impostor – e um colecionador de arte que dotou os museus do Brasil de obras interessantes de pintura contemporânea. É certo que era um aldrabão; gosta-se dele pela astúcia com que ludibriou tanta gente, como modernizou a imprensa brasileira e pelo seu entusiasmo perto da esquizofrenia. José Berardo é também um colecionador de arte e foi patrão de imprensa – e um investidor que, com o dinheiro da banca (o seu estava resguardado), queria fazer mais dinheiro e juntar-se ao poder, que se babava diante dele. As suas manobras foram ruinosas, mas a aura de colecionador de arte fez dele uma eminência cultural (mais pela roupa muito parvinha). Em 2010, criticar Berardo era perigoso: não só ele era truculento e hábil, como era apaparicado pelas beldades da cultura e pelos jogadores da política e da banca. Dez anos depois, é isto: dá vontade de rir ver tantos cúmplices a quererem desligar-se dele, depois de terem ajoelhado à sua frente. Tudo o mais é vergonhoso.
Da coluna diária do CM.
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