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A censura que esbarra na beleza.

por FJV, em 14.01.19

Por vários motivos veio parar-me às mãos um parecer dos serviços da PIDE, datado de 4 de outubro de 1966 (é o relatório n.º 7.882), relativo a Dona Flor e os seus Dois Maridos, sem dúvida um dos melhores, senão o melhor romance de Jorge Amado. O ‘leitor’ (é assim que ele assina, como um crítico literário encartado pela polícia política) Estêvão Martins aparece rendido ao livro, que é picante: “Romance cem por cento brasileiro de índole muito maliciosa em que são descritas algumas cenas pouco edificantes, senão imorais.” Bastaria isto para proibir o livro? Sim. Mas o colaborador da PIDE leu as cenas entre D. Flor e Vadinho, o defunto licencioso que regressa do Além para importunar os desejos da esposa – e não resiste: “Porém, a beleza da prosa e a delicadeza com que são apresentadas as brejeirices forçam-nos a uma certa condescendência favorável na nossa apreciação.” O texto é curto mas uma peça maravilhosa de “juízo literário”. A esta distância, Estêvão Martins, ai dele, merece a nossa simpatia: em nome da beleza e da “categoria literária do autor” salvou um livro das masmorras.

Da coluna diária do CM.

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