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Identidades e narcisismos.

por FJV, em 04.11.18

Deve-se ao psicólogo John Vasconcellos (1932-2014), filho de pai português e mãe alemã, congressista e senador da Califórnia, a criação – em 1986 – de um Grupo de Missão para a Promoção da Autoestima Pessoal (State Task Force to Promote Self-Esteem). Durante quatro anos, e sob os auspícios do estado da Califórnia, o grupo debateu, discorreu, e concluiu que o mais importante a retirar da Declaração de Independência era a concessão de dignidade e de auto-estima aos cidadãos. Parecia uma conclusão retirada das páginas mais choramingas de Rousseau – mas funcionou, sobretudo na Califórnia herdeira das correntes de contra-cultura dos anos 60, onde hippiese pós-adolescentes tinham decidido que nunca haviam de crescer. 

O resultado foi que, duas décadas depois, as funções do Estado (e das instituições que o prolongam, como a escola e o sistema judicial) já não se limitem a fornecer educação, proteção na pobreza, justiça ou segurança – mas também, e em grande escala, apoio terapêutico para diminuir problemas de baixa auto-estima dos cidadãos, criando uma geração marcada pelo narcisismo e pela “afirmação da identidade” como degrau na construção da felicidade – a dos indivíduos, mas sobretudo a dos grupos. 

Por isso, e de forma crescente, as questões identitárias vão substituindo aquilo que eram combates políticos. Sobretudo à esquerda, a velha luta de classes e os interesses da classe operária perderam-se num conjunto de causas dispersas e cheias de boas intenções – das “questões de género” (que substituiu a emancipação das mulheres), “raça” (que substitui a luta pelos direitos cívicos), à defesa das minorias religiosas, culturais ou sexuais, de braço dado com a chamada “agenda fracturante”. Mas, também à direita, as matérias de identidade adquirem cada vez mais importância. Em ambos os casos, aprisionando a política e os Estados em nome de agendas minoritárias, populistas e provoatórias.

É sobre estes problemas que reflecte o novo livro de Francis Fukuyama (o autor do derrapante O Fim da História, mas também de Ordem Política e Decadência Política), no qual propõe, como um antídoto contra o populismo, a definição de “identidades nacionais” que substituam a guerra de identidades étnico-narcísicas atuais. Inteligentíssimo, como de costume, Fukuyama é um moderado num mundo de gente curta. E o livro é para os dias de hoje.

Francis Fukuyama, Identidades. A Exigência de Dignidade e a Política do Ressentimento. Dom Quixote.

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