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Passam hoje dez anos sobre a morte – trágica – de David Foster Wallace (1962-2008). O seu romance A Piada Infinita é um emblema da literatura americana dos anos da mudança de século (foi publicado em 1996, só em 2012 saiu a edição portuguesa) e, até agora, sem sucessor à altura. Pelo movimento da prosa, pela ironia, pelo pessimismo radical, pela forma como leu o espírito do tempo, A Piada Infinita era o livro ideal para ser esquecido – mas não foi. Wallace ainda começou a escrever um novo romance (O Rei Pálido), uma obra incompleta que arrebatou o Pulitzer postumamente. O livro Uma Coisa Supostamente Divertida Que Nunca Mais Vou Fazer, onde mistura ensaios e reportagens delirantes (um congresso de necrologistas, um cruzeiro nas Caraíbas, a indústria da pornografia, a ficção televisiva, um festival da lagosta, o ténis de Federer, etc.) é o grande guia para a sua obra e a sua dispersão. Wallace suicidou-se aos 46 anos, mergulhado numa profunda depressão que o atormentava sem cessar. Olhando para trás – não há ainda um sucessor desta obra nem da sua energia maníaca.
Para lá do debate sobre o caráter facultativo da leitura de Os Maias no ensino secundário há outras questões que deviam colocar-se acerca dos currículos propostos. Em primeiro lugar, a linguagem usada para justificar os programas – uma trapalhada que, em certos casos, não resiste sequer à primeira leitura. Custa a crer que no Ministério da Educação não exista gente que escreva com clareza, elegância e sem atropelos. Provavelmente não há (duvido), mas o problema não é ‘deste’ ME, mas de qualquer um dos anteriores ‘ME’, onde por vezes parece que um bando de cripto-pedagogos anda à solta com os complicómetros ligados. E, depois, se me permitem, gostava de saber se os professores têm sido ouvidos sobre as alterações curriculares. Se alguém – lá, no céu ministerial onde os cripto-pedagogos congeminam – andou pelas escolas, ouvindo professores que estão todos os dias em contacto com os alunos (não falo daqueles que não dão aulas) e que acumulam anos e anos de experiência. E se esses professores, muito deles o orgulho da profissão, são mesmo ouvidos. Porque merecem ser ouvidos.
Não volto a Os Maias para vos atazanar com literatura, mas por causa da memória. Em 1991, quando Dublin foi capital europeia da cultura, um dos programas turísticos mais populares era o percurso de Ulisses, de Joyce, na capital irlandesa: começava às 8 da manhã, terminava depois da meia-noite e pagavam-se 10 libras da altura (o programa estava sempre esgotado). Dublin está cheia de Joyce – tal como Portugal está cheio de Eça (ou de Camilo, ou de Aquilino, façam a lista). Claro que é possível fazer o percurso de Tormes (e reconstituir o jantar de A Cidade e as Serras), visitar o Solar dos Condes de Resende em Gaia (onde Eça se enamorou de Emília e onde é hoje a sede da Confraria Queirosiana), passar no casarão abandonado de Verdemilho, venerar a estátua de Eça na Póvoa, imaginar a Oliveira de Azeméis de A Capital e a Leiria do Crime, observar o lugar onde foi demolida a casa da Granja. Ao ocupar o Palácio do Ramalhete, Madonna também evoca a nossa memória (mesmo falsa) de Os Maias. É essa a importância dos nossos clássicos. Fingirem, connosco, que estão vivos.
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