Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
José Afonso (1929-1987) foi um notável autor, poeta e cantor que mudou a história da música popular portuguesa; a par disso, que já não é pouco, é um dos símbolos do 25 de Abril e ‘a voz’ essencial na luta contra a ditadura. Seja como for, não é a proposta de trasladação de José Afonso para o Panteão que está em causa. Em relação ao assunto, e serenamente, a família do músico impôs bom senso, fez prevalecer o respeito pela vontade de José Afonso e evitou uma discussão frívola em terreno minado. A existência do Panteão implica, também, um conjunto de regras que sirvam para unir os portugueses em torno da decisão de incluir, com gratidão, mais um nome naquela galeria de notáveis – não para os submeter a um exame ideológico ou para fazer vingar uma dada leitura do passado. Vinte, trinta, quarenta, cinquenta anos: é um período curto para que o juízo da História assente como uma poeira definitiva. Alterar as leis – como se tem feito, levianamente, ao sabor da ocasião e das euforias – para substituir o tempo pela “comoção popular” é um péssimo serviço à nossa memória.
David Friend, que foi editor da Vanity Fair (e na Life) escreveu um belo livro, The Naughty Nineties (havia um filme de Abbott & Costello com esse título, mas de 1945): os picantes, marotos, pecaminosos anos 90 – ou seja, como viveu a América dos anos Clinton no meio de sexo, alcovas alheias, escândalos, trocas de casais e de fluidos. Norman Mailer já tinha identificado a “energia sexual” dos anos Kennedy no romance O Fantasma de Harlot, de primeira ordem. Os tempos que correm não têm essa energia, nem esse tom alcoviteiro – um presidente ignóbil não dá tesão, e as histórias de sexo são sombras do passado que regressam para vinganças ocasionais. Asia Argento, que fez a agit-prop do movimento #MeToo, acusou Harvey Weinstein de abusos sexuais há 20 anos. Agora, é ela a acusada de ter abusado sexualmente de um jovem ator de 17, há cinco anos. A lei considera crime manter relações sexuais com menores, mas aos 17 um rapaz já tem ereções e Asia não lhe pediu identificação. Comecei a simpatizar com ela: no meio dos sevandijas gerais, abusar de um rapaz de 17 é um gesto romântico.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.