Como todas as cidades que vale a pena visitar – e onde vale a pena viver – o Porto tem as suas «singularidades», o seu sotaque, os seus hábitos, a sua maneira de conduzir o automóvel, as suas figuras emblemáticas, os seus aromas ou os seus interditos (que são sempre importantes). Mesmo para um português não é fácil definir nem a cidade, nem os portuenses.
A tradição manda dizer que eles são alegres, espontâneos, bairristas, acolhedores, afáveis e descontraídos. Que prezam muito uma boa anedota, especialmente se for sobre Lisboa (aquela cidade mais abaixo no mapa). Que gostam de festa e que raramente a traduzem por party. Que gostam de comer e de partilhar a comida. Que enfrentam as dificuldades com energia.
Bom. A tradição também manda dizer – embora apenas entre portuenses, e em voz baixa, como se fosse uma confidência entre gente da mesma família – que podem ser o contrário de tudo isso.
- A primeira coisa: os portuenses são mesmo bons. Ou seja, que são os melhores. Em quase tudo. A melhor obra de Eiffel, por exemplo, está no Porto (há aquela torre em Paris, sim, uma tentativa bem conseguida). Os portuenses são tão bons e tão «os melhores» que apreciam muitas coisas que vêm de fora – e de que logo se apropriam – porque houve uma distração as fez nascer noutro lado qualquer.
- Falam alto. Esta ideia é verdadeira de vez em quando, mas não traduz nenhuma indelicadeza ou falta de urbanidade. Pelo contrário: os portuenses não só acham que os visitantes têm dificuldades de audição, como também gostam de lembrar que não têm receio de dizerem o que pensam em voz alta. Alguns exageram – puro excesso de simpatia e cordialidade. Há quem diga que há um sotaque do Porto (no fundo, trata-se de uma forma extremamente musical de falar o português), o que também inclui uma grande variedade de palavrões de grande utilidade. Não tente imitar. Seja cuidadoso.
- Têm orgulho na sua cidade. Com certeza. Portugal nasceu aqui. São João nasceu aqui (não sabia?) e todos os anos a cidade o celebra durante um dia e uma noite explosivas (de 23 para 24 de junho) naquela que é a melhor e a maior festa urbana do país – todas as outras festas que decorrem na mesma data em todo o mundo para assinalar o solstício de verão são inspiradas no São João do Porto. Quem diz São João diz quase todos os outros santos. Também é preciso dizer que os santos, no Porto, não são apenas santos– também são ligeiramente malandros. Como o pessoal do Porto.
- São alegres. É uma ideia tão nobre quanto verdadeira. O portuense inventa piadas e justificações para tudo. Se tudo fizer rir um pouco, tanto melhor. Os portuenses não apreciam gente enfatuada e convencida (claro que há portuenses enfatuados e convencidos, mas não são de cá). Ser alegre não é ser pateta-alegre. Até porque não há tristeza tão genuína como a do Porto; se a tristeza é verdadeira, então, é mesmo a mais triste (mas nada de exibicionismo: não fazem cantiguinhas sobre isso, nem lhe chamam fado). Ninguém leva a melhor aos portuenses, como se sabe.
- Um cêntimo é um cêntimo. Os portuenses têm fama de serem poupados – e não sovinas. Cada tostão é um tostão, mesmo que o tostãojá não se use há décadas. O portuense vive do seu trabalho, preza a poupança e, por vezes (nas anedotas, por exemplo), até a ostentação. «Contas à moda do Porto» diz quase tudo: cada um paga a sua parte.
- Há outros lugares onde se come bem. As tripas. As francesinhas. A costela mendinha. O arroz – o arroz de todas as maneiras (branco, malandrinho de feijão, malandrinho de tomate, de grão, de grelos, de vitela, de polvo, de sardinhas, de frango, de cenoura, de couve – e de arroz). O cabritinho. A broa de Avintes. Os bolinhos de bacalhau. As iscas de bacalhau (o mesmo que pataniscas – uma ideia estranha). As sanduíches de pernil da Casa Guedes. A vitelinha no forno. Os rissóis de peixe. As sardinhas fritas. O bacalhau à Gomes de Sá. A punheta de bacalhau. Os filetes de polvo e de pescada. A aletria e o arroz doce. Claro que há outros lugares – em Portugal e até fora do país, estranhamente – onde se come bem; mas digam lá um lugar, um que seja, vá. Imbatíveis, os portuenses.
- São gente de confiança. Por isso desconfiam. Os portuenses conhecem como ninguém o género humano (basicamente, o género humano nasceu aqui), portanto confiam nele – mas não exageram. Sabem que um certo grau de ceticismo tem o seu charme.
- São espontâneos. Este é um mito posto a circular por gente que não entende que os portuenses gostam de fazer crer que são espontâneos. O que eles são é naturais, diretos, francos, e sem tempo para perder com demasiadas cerimónias. «Gostas?» «Gosto.» «Então.»
- E Lisboa? Todas as cidades se distinguem por detestar outras cidades. Grandes rivalidades, claro que existem: Madrid e Barcelona, Rio e São Paulo, Atenas e Esparta, a lista é imensa. Criou-se o mito de que os portuenses não gostam de Lisboa, de que gostam de contar piadas sobre Lisboa e os lisboetas, de que o melhor lugar de Lisboa é aquele onde fica a placa que diz «Porto: 299 kms», ou de que – finalmente – há uma rivalidade entre o Porto e Lisboa. Mentira. Absolutamente mentira. Em primeiro lugar, porque o Porto não tem rival. E outra coisa: existe uma Praça de Lisboa em pleno coração do Porto; toda a gente sabe que Lisboa se chama Lisboa graças a essa praça portuense – de contrário teria outro nome qualquer, muito menos agradável.
- São antigos. Prezam o antigo, valorizam o contemporâneo (mas brincam com ele). Portugal nasceu aqui. O mais belo rio do mundo, o Douro, encontra o mar aqui. O melhor vinho do mundo guarda-se aqui – como uma preciosidade. Não há razões de queixa.
Na revista UP, da TAP.