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O mundo corre a várias velocidades. Enquanto os fabricantes de automóveis do ocidente fazem experiências com veículos sem condutor (uma coisa vagamente absurda que se traduz na possibilidade de gente rica que não gosta de conduzir poder comprar um carro novo), vale a pena perguntarmo-nos sobre o que significa ter mão sobre o seu destino. A resposta vem da Arábia Saudita, onde as mulheres podem, finalmente, conduzir o seu carro – quer dizer, ter mão sobre o destino ou, pelo menos, sobre um volante que seja seu. Para pessoas avançadas e ilustradas, cheias de tédio, talvez isto não tenha importância – só que o passo é de gigante. Basta perceber que a decisão de alterar a lei civil que proibia a “condução feminina” se deu no país (um dos territórios do wahhabismo e do salafismo) em que havia mais clérigos e teólogos fundamentalistas a teorizar sobre a justeza dessa proibição. O passo mais importante não foi a autorização para conduzir um carro, o que se traduziu numa notícia para as páginas de “curiosidades” – mas a possibilidade de contrariar uma lei que os teólogos locais defendiam.
[Da coluna no CM]
Ontem, enquanto via o Japão-Senegal na esplanada de um restaurante, fiquei a saber que a Cristina ia ver os Chemical Brothers. Essa informação é talvez irrelevante mas veio acompanhada de uma série de revelações sobre a roupa interior da amiga da Cristina, que comia moelas grelhadas e falava ao telefone mesmo na mesa ao lado. Daí a meia-hora, ainda a tempo do 2-2 do jogo, os novos ocupantes da mesa comiam caracóis e conversaram pelo Face Time com um interlocutor (pude vê-lo em mangas de camisa) alojado num hotel que todos elogiaram, enquanto – o telefone estava em alta-voz – trocavam confidências sobre pessoas de família; escuso-me a revelar as suas opiniões, que os tios podem ser leitores do CM. Quem me conhece sabe que sou pouco curioso acerca da vida dos outros (e até um pouco surdo). Estas conversas decorreram a céu aberto e não têm direitos de autor, tal como as dos gestores e executivos que viajam no comboio Lisboa-Porto e que, semanalmente, me informam em voz alta (sem eu pedir) sobre como vai a vida nas suas empresas. A todos agradeço mas preferia que desligassem o telefone.
[Da coluna no CM]
Estive no primeiro Rock in Rio, em janeiro de 1985, num Rio de janeiro chuvoso e tropical: Iron Maiden, AC/DC, Ozzy Osborne, B-52’s, Nina Hagen, Queen, ao lado de Barão Vermelho, Pepeu e Baby Consuelo, Go-Go’s ou George Benson, ou até chatos como Gil e Scorpions. Mas isso são outros tempos (a ideia era levar finalmente o rock para o Brasil, que era relapso nessa matéria). Este ano, um grupo de políticos, entre os quais o Presidente da República, o presidente da AR, F. Louçã e Catarina Martins, vai de boleia ao Rock in Rio Lisboa homenagear Zé Pedro – o Zé Pedro dos Xutos. Li a notícia e não estranhei; Zé Pedro era um músico de eleição e um homem bom, popular, um rocker de primeira linha. A ideia das figuras do Estado é perversa: estando no palco, festejam “o cidadão Zé Pedro”, não o músico libertário e rebelde que ele foi. Ou até podem festejar este último, mas a sua omnipresença devora essa dimensão, porque o Estado devora tudo aquilo em que toca. Por pudor, deviam abster-se desse passo. O Rock in Rio não é Woodstock, muito longe disso – mas Zé Pedro não merece ser banalizado.
[Da coluna no CM]
Se o fenómeno da diminuição de leitores não é português, mas global, há números que são só nossos. E não nos honram.
Os pessimistas são geralmente desprezados por estarem fora de moda (de todas as modas) antes do tempo e porque, ao «invocar o mal», parecem ter gosto em estragar o festim. Vejamos, portanto, alguns números desagradáveis que não servem de conforto a ninguém: o mercado do livro em Inglaterra registou em 2017 um aumento de faturação de 0,09% em relação ao ano anterior; «tamanho crescimento» foi, felizmente, acompanhado de outras boas notícias, como a abertura de novas livrarias (só a cadeia Waterstones abriu mais uma dezena lojas) – infelizmente, isso não impediu que se tivessem vendido menos 2,9% de livros. Ou seja, menos leitores. Bons números em Espanha, pelo que se sabe, onde se registou um aumento de 3% do valor faturado (ou seja, subiu o preço médio por título em venda), o que pode ajudar a compensar perdas anteriores da ordem de 700 milhões nos últimos dez anos, mas os números do índice de leitura per capita mantiveram-se baixos ou diminuíram – enquanto o mercado alemão (um dos mais fortes) parece ter perdido mais de meio milhão de leitores (queda de 1,3% em número de exemplares vendidos) e em França, apesar dos números sempre festivos, se ter registado uma quebra real de 1,1%.
Vamos e venhamos — as estatísticas permitem outras leituras mais otimistas como a que valoriza o facto de os leitores não terem desaparecido da face da terra e estarem preparados, na obscuridade, para aparecerem e melhorar os índices dos anos futuros. Assim seja.
Esta leitura não é pessimista. Para um leitor, esses números são sempre baixos, porque é da sua natureza imaginar um mundo onde a leitura – e talvez a literatura (indiferentemente distribuída por ficção, poesia e não ficção) – é uma das primeiras prioridades. Acontece que não é. Dados disponíveis no Eurostat (2011) informam-nos que apenas 5,2% da população portuguesa lê mais de dez livros por ano (metade da Espanha, que tem uma taxa de 11,7%, e muito menos que a Estónia, com 21,9%, a Alemanha, 22,1%, ou a Finlândia, 24,4%). 9% dos portugueses lê entre 5 a 9 livros por ano. Abaixo de Portugal, nesse inquérito que envolve mais de vinte países, só a Roménia e a Turquia. Bom, talvez dez livros seja demais, bem vistas as coisas. Sigamos o bom exemplo do Presidente da República e procuremos aquilo em que somos mesmo bons: a única contabilidade em que Portugal fica no topo é na honrosa categoria «não leu um livro», em que nos classificamos no segundo lugar — entre os países da UE apenas a Roménia nos bate.
Se o fenómeno da diminuição de leitores não é português, mas global, há números que são só nossos. E não nos honram. Mas há pouco que possamos fazer.
A crescente desvalorização da literatura no ensino do português, onde foi substituída por exemplos de textos em «português normal», está a produzir vítimas a curto prazo, na companhia da banalização conhecida por «entretenimento» (diretamente do inglês entertainment, uma mistura de «espectáculo» com moda, aliás «fashion», cozinha, música pop, viagens, lifestyle, cinema, gossip, festival da canção), onde se mesclam o bom e o mau em doses idênticas, desde que tenham uma «dimensão cultural» e «festiva». Que isto aconteça na vida dos jornais, compreende-se (apesar de muitos deles, sobretudo nos EUA e no Reino Unido, já terem separado as zonas de livros das áreas de lifestyle) – mas que a escola não se preocupe (como acredito que é o seu papel) com a valorização do cânone, com a leitura dos autores e com o conhecimento da história e das ideias que modelaram as nossas literaturas e as nossas sociedades, é razão para ficarmos preocupados.
Seria talvez importante, por isso, avaliar a qualidade do ensino relacionado com a leitura – e ver até que ponto ela reflete e expande essa crescente banalização do banal.
Participei recentemente num encontro relacionado com bibliotecas escolares – onde ouvi as três cantilenas do costume. Uma: que o digital providencia um «absolutamente notável» progresso da civilização, e que esse progresso é inquestionável. Duas: que é necessário transformar a leitura numa «atividade inclusiva», provavelmente banindo «livros difíceis» e «incluindo» cada vez mais literatura popular «que diga alguma coisa às pessoas». Três: que a vida é como é.
Não sendo já possível questionar a utilidade da literacia digital (mas sendo absolutamente necessário expulsar o vocabulário apatetado dos seus guardiães), convinha recordar que o digital não é um fimmas o meio, tal como o conhecimento da gramática do português não é um fim, mas um meio. Tal como convinha dizer que é apenas na escola que muitas crianças e adolescentes terão contacto com os livros do cânone: eliminar esses livros das salas de aula é prestar um grande serviço à analfabetização das novas gerações e um péssimo serviço à democratização da leitura e do livro. O lero-lero da «inclusividade» e da «leitura inclusiva» não é mais do que uma desculpa para perpetuar essa banalização do banal nas nossas escolas.
[Carta do editor, LER 148, Abril]
Tive uma experiência extraordinária um destes dias: confrontar alunos universitários com o pedido de elaborarem uma lista dos dez livros de que mais gostavam. Não a dos dez bares do Cais do Sodré ou a das dez marcas de roupa, ou a dos dez youtubers mais patetas, ou a dos dez rockers deste verão. Como se tratava de alunas e alunos do último ano de humanidades, esperava uma lista condizente e à altura, mas 80% deles foi incapaz de chegar lá. Pensei tratar-se de um problema de memória; mas não: era mesmo falta de conhecimento. Não tinham lido dez livros, não se recordavam de dez títulos (mesmo que os não tivessem lido, romances ou ensaios) nem manifestavam qualquer sentimento de culpa. Eu nem queria clássicos, da Odisseia ao Amor de Perdição ou Cem Anos de Solidão. Queria dez. Ernestine, a professora do romance A Mancha Humana, de Philip Roth, diz a certa altura: “É muito difícil ler os clássicos; logo a culpa é dos clássicos. Hoje o estudante faz valer a sua incapacidade como um privilégio. Deixou de haver critérios, para só haver opiniões.” Fiquei velho de repente.
[Da coluna no CM]
O miúdo cumprimentou o Presidente francês; chamou ‘Manu’ a Emmanuel Macron: “Tudo bem, Manu?” O Presidente lembrou: “Deves chamar-me senhor presidente ou senhor, está bem?” Esta lição de simplicidade e autoridade não comoveu muita gente, que acha que Macron foi (como é que se diz agora?) “arrogante”. Não foi tal. Foi o Presidente francês. E um Presidente representa-nos, mesmo que não acreditemos em nenhuma virtude da República e das suas hierarquias. Às vezes fico incomodado ao ver a forma como os jogadores de futebol, por exemplo, não são informados pelo seu clube sobre a forma como, na tribuna, devem cumprimentar o Presidente da República quando recebem uma taça e festejam um título – um “passou bem” respeitoso e um gesto com a cabeça não custam nada. Na relação entre as pessoas a informalidade não é tudo – é um quase nada que pode ser disparatado, mesmo quando se multiplicam as ‘selfies’ ao lado do nosso Presidente, frequentemente confundido com “o Marcelo”. Na verdade, não são a mesma pessoa – e nenhum “afeto” pode ser confundido com um “excesso de proximidade”.
Foi na Irlanda que, pela primeira vez, deparei com o nome de Amelia Earhart – perto do local onde ela aterrou, em 1932, concluindo o primeiro voo solitário de uma mulher sobre o Atlântico. O filme Amelia, da indiana Mira Nair, com Hilary Swank, não lhe faz inteira justiça: Amelia Earhart é um dos rostos pioneiros da aviação, um modelo notável de mulher independente e livre (o marido era o proprietário da grande editora Putnam), destemida, ousada, lutadora – e uma inspiração para o feminismo americano. Há exatamente 90 anos (entre 17 e 18 de junho) fez o primeiro voo sobre o Atlântico, com piloto e mecânico, entre a Terra Nova e o País de Gales. Repetiu-o, mas na condição de navegadora solitária, quatro anos depois. Desapareceu dos radares durante um “voo mundial”, em 1937 (a 2 de julho), no Pacífico Sul, e o seu corpo nunca foi encontrado (o que motivou várias teorias da conspiração). Restam as suas viagens, o seu pioneirismo, um livro encantador (The Fun of It) e, já agora, uma canção (entre muitas outras) de Joni Mitchell, “Amelia”. Uma pioneira entre as nuvens.
[Da coluna no CM]
Camille Paglia
Os concursos de Miss America deixarão de contar com a prova em fato de banho e, nas avisadas palavras dos organizadores, passarão a avaliar as concorrentes menos pelo “aspeto exterior” do que pelo “interior”. Confesso que não me lembro de ter visto um único desses concursos (que acho razoavelmente pelintras), mas compreendo o júbilo causado por este anúncio. Mas ao contrário: longe de ser uma vitória feminista (basta ler Germaine Greer, a excelente autora de ‘A Mulher Eunuco’, onde criticava estereótipos da feminilidade e à má relação entre as mulheres e o seu corpo), é uma vitória do moralismo americano e do seu horror à beleza, que detesta, também, tanto as novas versões de ‘Os Anjos de Charlie’ como ‘Donas de Casa Desesperadas’ (ou Ursula Andress a sair das águas num filme de James Bond). É o mesmo moralismo que criou a Lei Seca americana e as leis anti-pornografia e anti-liberdade de expressão. Sei que esta posição não é muito popular – mas, lendo os capítulos essenciais da “história sexual da América”, o guião moralista repete-se, refém da censura e dos seus traumas.
Mentiu descaradamente. Infâmia. Canalhice. Execrável e peçonhento. Miserável. Pouca vergonha. Conspurcado. Mentiroso compulsivo. Arruaceiro. Insultuoso e inábil. Reles e oportunista. Repelente, indigente e ordinário. Racista ignóbil. Labrego. Abjeto. Tratante. Carraça autoritária. Fenómeno fisiológico. Traidor. Vendido. Sevandija. Bardamerda. Caloteiro e cobardolas. Mafioso. Embusteiro. Sicofanta. Mimado. Presunçoso. Lamaçal de vitupérios. Canalha. Desprezível e infame. Biltre. Venal. Néscio. Infecto. Afrontoso e hipócrita. Espero que tenha apreciado; a escolha das palavras em discursos públicos tem evoluído bastante desde que J. Sócrates inaugurou o seu peculiar estilo no parlamento e desde que no futebol passou tudo a andar em roda livre. A lista que transcrevo é pública (só acrescentei ‘sevandija’, ‘biltre’ e ‘sicofanta’, de que gosto bastante) e tem sido abundantemente multiplicada. Se, por um lado, esta rispidez pode dar algum uso aos dicionários, também é verdade que dá uma ideia de como vai o truculento e hiperbólico debate público lusitano. Que não se poupem.
[Da coluna no CM]
Parece que Einstein não achava atraentes as mulheres chinesas. Ao ver o retrato da Jiang Qing, a última mulher de Mao Zedong, eu concordo; já Luo Yixiu, a primeira, era bonita. Não me pronuncio sobre as outras duas. A revelação sobre Einstein vem numas páginas inéditas do seu diário consagrado a uma viagem ao Oriente. Para o organizador da publicação, esse fragmento demonstra o racismo de Einstein contra os chineses, por oposição à sua benevolência a propósito dos japoneses ou dos cingaleses: “Seria uma pena se esses chineses suplantarem todas as outras raças.” A acusação de racismo é uma arma potente hoje em dia; basta, aliás, mencionar-se a palavra ‘raça’, como o faz Einstein em 1922. A acusação (vem no ‘Guardian’, claro) é absurda, mas junta-se-lhe pior, a de “não ser sensível ao outro” (acontece que “o outro” é uma invenção recente, do pós-guerra). Estas ideias sobre Einstein são publicadas pelo CalTech, uma das mais poderosas universidades americanas, o que dá uma ideia de como a estupidez se espalha com facilidade, julgando Einstein (morreu em 1955) com as ideias de hoje.
O livro só será publicado em 2020 e o título, ‘We Were Never Here’ (‘Nós Nunca Estivemos Aqui’), de Lara Prescott, não dá a ideia do que trata: é um romance sobre outro romance, ‘Doutor Jivago’, que valeu ao poeta Boris Pasternak (1890-1960) um Nobel que a URSS não o deixou receber (publicado em 1958, mas em Itália, curiosamente por um editor comunista, esteve proibido até 1989 pelas autoridades de Moscovo). O romance de Lara Prescott mostra, através de documentos desclassificados recentemente, como a CIA conseguiu introduzir exemplares de ‘Doutor Jivago’ na URSS – por alguma razão, durante a década de 60 pensava-se que a literatura, especialmente com os seus bons livros, podia ajudar a mudar as sociedades e, sobretudo, a vida das pessoas que os liam. A história assenta muito na relação entre a musa de Pasternak, Olga, a secção de dactilografia que a CIA terá envolvido nesta missão; ambas vivem, cada uma no seu lado dos muros e fronteiras da época, uma tensão de beleza e perigo. No fundo, é isso que dá (ou dava) força à literatura e às suas grandes obras. Já terá acabado esse tempo?
Mudar, tem de ser. Conservador como sou, escrevo de outra maneira: recuperar o que, afinal, estava bem. Explico: o mundo descobriu de repente que estava afogado em plástico, o que obriga a tomar medidas drásticas: acabar com as sacolas de plástico (uma bênção!), com talheres e copos plásticos, a lista é vasta. Isto leva-me, como um melancólico carregado de melancolia, a pensar no tempo em que nem tudo era descartável: as toalhas de mesa, que eram de tecido, as garrafas de água ou refrigerante, que eram de vidro, tal como os copos. Os talheres. O saco de pano para ir comprar pão. Os guardanapos com argola individual. A roupa, que não era descartável e tinha de durar de ano para ano. As solas dos sapatos, que se gastavam e se substituíam – e engraxavam-se os sapatos, claro. Parte dos meus leitores recorda esse tempo. Não comíamos em pratos de plástico nem de cartão. Éramos naturalmente anti-desperdício, antes da era da abundância: gente moderadamente antiga e com uma certa ideia da duração das coisas. Há um tempo em que somos forçados a aceitar o puramente razoável.
Sexo, drogas e rock’n roll. É possível retirar um dos elementos, ou acrescentar uma parcela – mas o essencial está lá, e esteve sempre, na vida de Anthony Bourdain. Recordo o encontro com o seu livro ‘Cozinha Confidencial’ (2000) e a surpresa que foi ler ‘A Cooks Tour’ (que no Brasil teve o título mais adequado, ‘Em Busca do Prato Perfeito’), uma viagem pelas cozinhas do mundo e, num passo inesquecível, pela portuguesa. Nessa altura, a comida, os ‘chefs’ e as taras gastronómicas ainda não eram uma sombra da obssesão de hoje – e o editor João Rodrigues publicou ‘Um Osso na Garganta’, um policial impopular e divertido passado entre cozinhas. Depois veio a televisão, devoradora, apresentar a personagem rock de Bourdain. Nunca foi um grande ‘chef’ (procurava as raízes, a autenticidade e o prazer fora do circuito ‘gourmet’) – foi um português, José Meirelles, do restaurante Les Halles, em NY, que lhe abriu as portas para a ressurreição. Como todas as estrelas, contagiado por drogas e rock’n roll, navegava em águas de uma tristeza profunda. A sua despedida estava anunciada.
[Da coluna no CM]
[Da coluna no CM]
Dara Horn, uma autora estranhamente talentosa (está publicado entre nós O Mundo Que Virá), escreveu para o The New York Times um artigo sobre o legado de Philip Roth, que morreu no passado dia 22. O título é apelativo: “Tudo o que Roth não sabia sobre mulheres dava para encher um livro” (aliás, o que não sabemos sobre mulheres dá para encher bibliotecas). Várias feministas fartaram-se de saltear Roth na frigideira; neste caso, o defunto é acusado de não ter sabido criar personagens femininas complexas, de não ter feito justiça às mulheres e boas profissionais de New Jersey, e de não ter criado verdadeiras mulheres nos seus romances. A acusação procede e é justificada: Roth não estava interessado no assunto. Escrevia sobre o que queria e, quando escrevia sobre mulheres (como em O Complexo de Portnoy, para não ir mais longe), escrevia “do seu ponto de vista”, um judeu sexualmente promíscuo que gostava de gentias e que ignorava questões de género. A polícia da literatura avança a passos largos. Um dia alguém hostilizará Eça por não se ter interessado, vá lá, pela sardinha.
[Da coluna no CM]
Como todas as cidades que vale a pena visitar – e onde vale a pena viver – o Porto tem as suas «singularidades», o seu sotaque, os seus hábitos, a sua maneira de conduzir o automóvel, as suas figuras emblemáticas, os seus aromas ou os seus interditos (que são sempre importantes). Mesmo para um português não é fácil definir nem a cidade, nem os portuenses.
A tradição manda dizer que eles são alegres, espontâneos, bairristas, acolhedores, afáveis e descontraídos. Que prezam muito uma boa anedota, especialmente se for sobre Lisboa (aquela cidade mais abaixo no mapa). Que gostam de festa e que raramente a traduzem por party. Que gostam de comer e de partilhar a comida. Que enfrentam as dificuldades com energia.
Bom. A tradição também manda dizer – embora apenas entre portuenses, e em voz baixa, como se fosse uma confidência entre gente da mesma família – que podem ser o contrário de tudo isso.
Na revista UP, da TAP.
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