Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Pouco tempo depois da invasão francesa da península italiana, em 1494, o frade dominicano Girolamo Savonarola (nasceu em 1452, alguns meses depois de Da Vinci), pregador e profeta, queria fazer de Florença uma “república popular”. Odiava os Médici e a corrupção do clero, detestava o ambiente de luxo em que os florentinos e a cúria romana viviam, defendia o regresso às virtudes piedosas do cristianismo primitivo e, de seguida, uma boa perseguição, com pancada se possível, aos hereges, pagãos e libertinos. Um dos rituais purificadores passava pelas “fogueiras das vaidades”, durante as quais se destruíam “livros desnecessários” (como os de Ovídio, Dante ou Bocaccio, para simplificarmos), objectos de luxo ou instrumentos musicais, manuscritos clássicos, tapeçarias, pinturas, tecidos, espelhos, esculturas, etc. – e Florença devia passar a ser governada “pela lei de Cristo”. Julgando-se a voz de Deus, foi excomungado pelo papa; acabou enforcado e queimado. Da Vinci emprestou o seu rosto ao Judas da Última Ceia. Amanhã passam 520 anos sobre a sua morte. Não foi um bom destino.
[Da coluna no CM]
Não sei se se recordam, mas o antigo primeiro-ministro José Sócrates era de esquerda. Fizesse o que fizesse, dissesse o que dissesse, promovesse a construção de auto-estradas ou viveiros de marmota, a digitalização da administração pública ou o aumento das tarifas elétricas, fazia-o porque “era de esquerda”. Isto coloca problemas sérios de teoria política – reconhecem-se cada vez menos diferenças entre “ser de esquerda” ou “ser de direita”. E, no caso de Sócrates, mesmo quando tomava decisões declaradamente “de direita” (no primeiro mandato, por exemplo), fazia-o brandindo as bandeiras “de esquerda”, porque era ele que decidia o que era “de esquerda” ou “de direita”. O recente congresso do PS repetiu a anomalia, mas alargando o espectro ao rigor nas contas públicas, ao combate à corrupção ou à diminuição do défice (não se ria em nenhum destes três casos, leitor!, porque a piada fica logo feita). As duas principais correntes socialistas discutiram mesmo quem era mais de esquerda e quem mais iria combater a direita. Vai ser uma competição e tanto para ver quem vai ganhar. Perdendo.
[Da coluna no CM]
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.