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O livro de Régis Debray, Maio de 68. Uma Contrarrevolução Conseguida (D. Quixote), é uma releitura dos acontecimentos de há 50 anos em Paris. Tanto podia ser assinado por um herdeiro de um partido comunista tradicional, como por um conservador desiludido, sem ilusões sobre o sentido da história e das suas vitórias. Sobretudo, contraria o discurso oficial e comemorativo em vigor (o texto original, de 1978, intitulava-se sugestivamente Modesto Contributo para os Discursos e Cerimónias Oficiais do Décimo Aniversário, prevendo a banalização e apropriação da data), que assinala a “dimensão festiva” dos acontecimentos de 1968. A tese é exposta de forma clara, mas está cheia de contracurvas: longe de ter contribuído para a libertação dos indivíduos e da sociedade, o Maio de 68 levou à glorificação do “instante”, das pulsões individuais, do consumismo e da “euforia da opinião”. Segundo Debray (que palmilhou ao lado de Guevara e agora ensina teoria da comunicação), transformou a Europa numa delegação da América. Há um certo exagero nisto, mas vale a pena não descartar a ideia.
Era no tempo em que uma equipa de remo da Faculdade de Letras de Lisboa, imagine-se, se sagrou campeã nacional. Raul Miguel Rosado Fernandes (1934-2018) era membro dessa equipa. Quando se doutorou, em 1962 (sobre Plauto, autor do séc. III a.C., que não consta que tivesse sido bem comportado), apareceu de descapotável vermelho na faculdade, o que não foi bem visto para quem achava que um lente de latim e grego se devia vestir como um viúvo. Rosado Fernandes era um homem jovial, de uma alegria maravilhosa e atrevida, pouco convencional. Professor em Nova Iorque, reitor em Lisboa, traduziu Horácio e Aristóteles, estudou o nosso renascimento, escreveu sobre Píndaro ou Plínio, especializou-se em estudos gregos e em retórica, traduziu a História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides (com Gabriela Granwehr). Foi agricultor e dirigente político – mas o que eu recordarei deste homem incómodo e polémico, além do sorriso, será a inquietação que o levava a procurar nos antigos, nos clássicos, uma espécie de janela sobre a nossa vida. Com a sua morte, ontem, desaparece um clássico.
[Da coluna no CM]
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