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A plataforma Priberam lançou uma iniciativa curiosa, de mãos dadas com um canal de televisão: a “revisão” da palavra ‘mulher’ e a forma como aparece transcrita no seu dicionário online. A ideia, segundo percebi, e feitas bem as contas, é a de que, por “sugestão dos cidadãos” desapareçam conotações negativas de ‘mulher’ e que estas sejam substituídas por outras moralmente mais adequadas. As palavras, como sabemos, têm uma história, um passado e uma genealogia; submetê-las a votação tem graça e supõe até um interessante aparelho publicitário (como neste caso). Para todos os efeitos, ‘mulher’ há de ser sempre ‘ser humano do sexo feminino’ e ‘mulheraça’ há de ser sempre ‘mulheraça’, a menos que deixemos de usar a palavra, tal como ‘rapaziada’ e ‘mulherio’. Mulherzinhas há de ser sempre conotada com o livro de Louisa May Alcott, e não tem significado “negativo”. Acontece que – por muito que se engrace com a iniciativa da Priberam – há gente a pensar em alterar, por decreto ou televoto, o significado das palavras, o que prova que há tontos e tontas para tudo. Nos dois géneros.
[Da coluna no CM]
Há cinquenta anos, a velha França – reacionária, gaullista, de faixa republicana a tiracolo, empertigada, herdeira do pós-guerra e do trauma da Argélia – foi abalada pelo “Maio de 68”, sobre quem este mês se preparam celebrações incessantes, uma espécie de visita guiada de revolucionários aos lugares onde levantaram as pedras da calçada e dormiram ao relento. Compreende-se a celebração da festa, das frases surrealistas, da euforia anarca desse mês, da greve geral, das barricadas e das assembleias universitárias; é um belo repositório de imagens televisivas, a que se acrescenta o folclore tradicional. E de algumas heranças de que beneficiamos todos (ao contrário do que se esperava, o individualismo, por exemplo); parte delas são anunciadas desde o início da década, da minissaia ao rock, da lei do desejo à falência do estalinismo, e explodem durante esse mês. A verdade é que 1968 – uma ventania de recusas e revoltas – não foi apenas em Paris e começou antes das frases de grande impacto. O efeito libertador também trouxe mandarins pataratas, o que não foi grande resultado.
[Da coluna no CM]
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