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Salazar foi a velha raposa amoral e prudente que, até ao limite, manteve o país a flutuar entre os dois lados durante a II Guerra. A situação repete-se agora: Portugal parece o funâmbulo equilibrando-se num arame, declarando-se “europeu” mas sem se juntar ao clube. Ora, por detrás da “crise Russa” há um combate entre o Ocidente e a Rússia que não se reduz ao envenenamento de um espião – e tão pragmático como o pragmatismo português, que joga em vários tabuleiros (o da geringonça interna e o das exportações). Putin, o patrão da autocracia eletiva russa, cujo avô foi cozinheiro de Lenine, é um produto da Guerra Fria – e só sabe viver nesse clima, onde a regra é esticar a corda (na Crimeia, na Síria e na internet) e minar o adversário. O cenário é, por isso, o da Guerra Fria num tabuleiro quadripartido, mas com a Europa sem autoridade moral para se opor ao populismo russo e sem energia (e impérios) para comparar com a economia asiática. Churchil, entrou na guerra em nome de valores nobres; hoje esses valores (como o da liberdade) não comovem os europeus. Maus tempos, maus tempos.
[Da coluna no CM]
Eu jogava à bola na rua principal, saltava muros e íamos em bando nadar no rio, regressando a casa ao fim do dia; e os pais que vigiavam ou protegiam demasiado os filhos eram alvo da pequena chacota habitual. Mudou tudo; os perigos aumentaram, os celerados multiplicaram-se; e infantilizámos os nossos filhos até tarde. Vão ao pediatra até aos 18 anos. Os jardins deixaram de ter areia e pedra e os baloiços passaram a assentar em ‘tartan’ para que as crianças não esfolassem os joelhos ou sujassem as calças na erva. Este ano, uma revista universitária de psicologia, em Inglaterra, “descobriu” que, afinal, talvez elas precisassem de se sujar, de se esfolar e de conhecer o cheiro da terra. Tremi de inveja com a descoberta, claro. Esta semana, o estado do Utá, nos EUA, conseguiu fazer passar uma lei (a ‘free-range parenting’) que (atenção!) descriminaliza os pais que deixam os seus filhos ir para a escola a pé ou brincar no parque sozinhos e que os autoriza a participar de algumas atividades sem supervisão parental, “incentivando a auto-suficiência” desde cedo. Talvez ainda haja esperança.
[Da coluna no CM]
Naquela altura não havia hipsters, nem empreendedorismo, nem subsídios ou pão para malucos. Mas, felizmente, houve uma geração que soube viver acima das possibilidades do país e da inteligência média habitual – e que libertou a velha pátria do neo-realismo e da sensibilidade de alcoviteira. O Manuel Reis (1946-2018) foi uma estrela nesse céu do Bairro Alto lisboeta, lugar onde, durante algum tempo, se podia encontrar uma parte do mundo a dançar no Frágil. Essa Idade da Prata era tão frívola como se podia ser em Lisboa, mesmo para um rapaz como eu, que tinha chegado de Trás-os-Montes há pouco tempo. O país mexeu-se aqui e ali a partir daquele empurrão. Os lugares que ele inventou fizeram mais pela libertação sexual e cultural da rapaziada do que os ideólogos e engenheiros sociais posteriores. Manuel Reis (o tipo que criou o Frágil, o Pap’Açorda, a Loja da Atalaia, depois o Lux e a Bica do Sapato) era discreto (falava pouco, era da província) e inovador, conhecia o risco e a graça de olhar as coisas de cima – e sem ter de esperar na fila para entrar. Foi o primeiro a fazê-lo numa Lisboa de papalvos. Lá de cima – o lugar onde está, naturalmente.
[Da coluna no CM]
Morreu na quarta-feira passada e andei estes dias à procura do essencial para dizer acerca de António Andrade Albuquerque, 88 anos (1929-2018), um pacato cidadão de Peniche, onde vivia rodeado do que lhe era mais querido: as recordações familiares, os livros que amou – e o mar. O seu nome civil não diz muito aos leitores de literatura policial, que reconhecem, antes, o de Dick Haskins, que assinou livros como O Sono da Morte, O Isqueiro de Ouro ou o mais do que best-seller Lisboa 44 – e que ajudou a divulgar em Portugal alguns dos clássicos policiais. Como outros portugueses que escolheram ou viriam a escolher pseudónimos americanos (Dennis McShade, Frank Gold, Ross Pynn, Simon Ganett, Rusty Brown ou W. Strong-Ross), Dick Haskins percebeu que o moralismo lusitano não gostava de crimes cometidos na nossa língua – nem mesmo ficcionais. Os seus livros, traduzidos em muitos países, são de uma larga inocência, como ele próprio: um entusiasta do género, uma adolescência prolongada, um humor simples. O que lhe falta em literatura sobra em imaginação e vontade de contar histórias.
[Da coluna no CM]
Desde o célebre “dia de trabalho para a nação” decretado pelo III governo provisório em 1974, e desde a comemoração do título europeu de futebol, que não se via esta mobilização na “sociedade civil”. Prevejo que, com manifestações de júbilo e alegria, envergando trajes regionais ou fatos de treino coloridos, com farnéis às costas, brigadas de portugueses partam para “o Desconhecido” a fim de limpar as matas. Vai o primeiro-ministro, vão os ministros, vão os membros da Associação de Municípios, vão os entusiastas dos telejornais, vai – enfim – a “sociedade civil”. E indo toda esta gente, vai também o Presidente da República. Em rancho, debaixo de chuva, irão esquadrinhar “o Desconhecido” de enxada, tesoura de poda, foice, bússolas e Betadine na mão – limpando as matas. Mesmo gente que não sabe distinguir uma planta de canabis de um eucalipto irá, de cantil a tiracolo, cortar giestas, urze, carqueja e ramos de pinheiro bravo. Deputados dos mais variados clubes associam-se também “a esta nobre causa”. Na segunda-feira, “o Desconhecido” (ou seja, Portugal) estará como novo, rapado.
[Da coluna no CM]
O destrambelhado e maravilhoso romance de Jarett Kobek, Odeio a Internet, publicado em janeiro passado, é uma premonição destes tempos amargos do Facebook, das chamadas “redes sociais”, da explosão das notícias falsas e da manipulação de dados e identidades. No romance, as personagens debatem-se com a perda de privacidade à medida que vão compreendendo que são parte de um negócio nebuloso por parte dos gigantes digitais; mas na vida real as coisas são ainda mais amargas, obscuras e perigosas. A privacidade está posta em causa (vejam o caso Snowden, de que resultou um mau filme, mas muito educativo); o nosso trabalho aqui, no jornal, é desvalorizado por esses colossos que vivem de sugar a propriedade inteletual e explorar – sem pagar – os conteúdos produzidos para a edição em papel. Como os leitores imaginam, depois de alguns anos a alertar para os perigos dessa coisa maravilhosa que é a internet, o alarme social destes dias, contra o Facebook, não surpreendeu: nesse mundo somos instrumentos apetecíveis, manipuláveis apesar da nossa resistência. É uma lição sobre a liberdade.
Ser de esquerda e de direita – como se distinguem as pessoas de cada campo? Provavelmente, pelas suas ideias, pelas suas companhias e comportamento em sociedade. Para investigadores ouvidos pelo diário inglês The Guardian (um jornal de esquerda que frequentemente tem páginas de gazeta cómica), há outros factores: as pessoas que têm maior tendência detestar o cheiro de urina, suor e outros odores corporais são mais propensas a frequentar a ala direita. O título do artigo era notável: “Não gosta de odor corporal? É mais provável que tenha ideias de direita.” A base da coisa é esta: o sentimento de repulsa pelo mau cheiro dos outros pode significar que se alimenta algum género de discriminação social, logo, de “direitista”, “eleitor de Trump” (não estou a brincar) e “autoritarismo”. Acho a ideia, além de imbecil, muito adequada a piadas sobre quem toma banho e se apresenta (retomo uma expressão usada pelo magnífico e saudoso Rui Knopfli) “lavado, barbeado e talqueado” – e quem falha nos seus propósitos de higiene, muito esquerdalhufo, amigo e tolerante. Que nem um banho de ética.
[Da coluna no CM]
Umas almas cheias de arte & cultura escandalizaram-se porque o Facebook (uma plataforma que mostra por que o género humano é como é) censurou os seios no quadro A Liberdade guiando o povo, de Eugène Delacroix (1798-1863), tal como já tinha censurado a Vénus de Willendorf, uma estatueta de calcário com 11 centímetros de altura e com 25 mil anos de idade. A culpa não cabe ao Facebook, que se limitou a fazer na sua página aquilo que museus, câmaras municipais, governos, universidades, estudantes palermas, radicais avariados dos neurónios e empresas públicas fazem por todo o mundo: censura. A diferença entre o Facebook e essa galeria de papalvos é que a “rede social” não analisa as peças uma a uma, utilizando um algoritmo que lhe permite fazer o trabalho por atacado. O metro de Londres censurou Boticelli. Um museu de NY foi instado a censurar Balthus. Estudantes da universidade de Colúmbia, NY, censuraram Henry Moore. Tudo em nome de princípios nobres, o que é mais assustador e imbecil. Este é o mundo em que vamos viver enquanto esta canalha pateta e moralista andar à solta.
[Da coluna no CM]
Em França, desde que se demonstrou que os estudantes têm cada vez mais dificuldade em ler, escrever e compreender a sua língua, está em curso uma reforma do ensino que retoma coisas tão ‘reacionárias’ como os ditados na sala de aula ou as leituras para férias (há escolas portuguesas onde, apesar do desleixo do Ministério da Educação, tenho testemunhado um esforço notável dos seus professores para incentivar a leitura e a boa escrita). Em vez de escolher um ideólogo para presidir a essa reforma, o governo francês escolheu um neurocientista, Stanislas Dehaene, de quem acabo de ler uma entrevista. Para Dehaene, a leitura é o instrumento mais satisfatório para reduzir o stresse, aumentar o amor ao conhecimento e à curiosidade – e melhorar o desempenho do cérebro. Estas qualidades não são menosprezáveis, se bem que pareçam evidências. Por isso, não se trata apenas de ‘ler’, mas – ao contrário dos otimistas que governam as coisas da educação, de ‘ler melhor’, de ‘ler bons livros’, de melhorar a ortografia, de voltar a considerar a boa expressão do Português uma coisa inestimável.
[Da coluna no CM]
Estávamos em 1988 e ‘Uma Breve História do Tempo’ entrava na vastíssima mitologia da edição como um best-seller inesperado. Ninguém imaginava que um livro sobre a origem do universo e do tempo, sobre os buracos negros e o espaço vazio, se convertesse num sucesso editorial – sobretudo quando o autor era praticamente desconhecido. Sabia-se de Stephen Hawking (1942-2018) que ensinava em Cambridge (nasceu em Oxford) e sofria de esclerose lateral amiotrófica, uma gravíssima doença degenerativa, o que fez dele uma personagem mais do que singular: um combatente, um resistente – mas também uma estrela reconhecível nos média. A ciência deve-lhe também isso: Hawking contribuiu, tal como o americano Richard Feynmann, por exemplo, para popularizar temas e livros científicos. Sou incapaz de discutir qualquer teoria de Hawking, ainda que tenha lido esse seu primeiro livro, mas reconheço a sua importância. Ultimamente dedicava-se também a combater pelo ateísmo (a sua ideia de Deus era antiquada e reaccionária); para Hawking, a única religião era a da ciência – o que não lhe assentava mal.
[Da coluna no CM]
Parte ínfima, mas ruidosa, da universidade lusitana está muito indignada porque o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas convidou Pedro Passos Coelho para os seus quadros. Vamos e venhamos, é uma campanha política à boleia do nome do ex-PM, tanto mais que outros políticos de esquerda estão nas mesmas condições de Passos. Ao longo da história académica são numerosos os nomes de professores convidados por universidades para dar aulas (servindo-se da sua experiência), muito embora não tenham obedecido aos trâmites curriculares nem dado as tradicionais facadas nas costas dos seus colegas – uma prática comum na universidade. Geralmente, quem fica a ganhar são as universidades. Acontece que as nossas escolas superiores, salvo exceções localizadas, se perpetuam a si mesmas, se vigiam e avaliam a si próprias com bastante soberba. Neste caso, a hipocrisia é evidente; trata-se de um veto político. Boa parte dos cursos de “ciências sociais” transformaram-se numa irrelevância onde uns falam para outros, aplaudindo-se muito, como se a humanidade em redor fosse um incómodo.
[Da coluna no CM]
Livros que servem para fingir de livros, mesmo quando podem acabar por ser lidos. Gosto da ideia: onde senão num hotel nos podemos entregar ao prazer da leitura sem que ninguém nos incomode? Veja-se, em Nova Iorque, o Library Hotel (na Madison – entre a 6.ª e a 7.ª Avenidas), que espalhou dezenas de milhares de livros pelas suas salas, bares e quartos, além de oferecer aos seus hóspedes uma seleção dos e-books mais vendidos durante cada semana. Em Paris, entretanto, a Librarie du Marais disponibiliza – no piso superior da livraria – uma suite onde as estantes guardam cerca de 4500 livros para os hóspedes que, além de apreciarem o bairro (um dos que mais e melhores alfarrabistas dispõe em toda a cidade), também gostam de estar rodeados de livros. Na Cornualha britânica – naquela paisagem de filme –uma livraria de livros em segunda mão decidiu também abrir quartos a fim de que os seus clientes pudessem ter tempo suficiente para apreciar o seu catálogo; foi uma forma de salvar o negócio e de juntar a perversidade de ler à mania de ficar acordado a noite toda.
[Da coluna no CM]
Apesar do Tratado de Versalhes, e do que se lhe seguiu três meses depois, em S. Germain-en-Laye (que determinou o fim da unidade austro-húngara) , nunca foi clara a vontade de manter uma Áustria independente; Hitler acrescentou dois factores: o “pangermanismo austríaco”, garantido por referendo (a par do poder crescente e ruidoso do partido nazi), e o antisemitismo das ruas, que o deleitava (além de ele próprio ser austríaco). Aquilo que fora uma sociedade livre, aberta e cosmopolita regressava, a pouco e pouco, à nuvem da Grande Alemanha que, do outro lado da fronteira, tinha levado Hitler ao poder e ao crime, diante da passividade de uma Europa que não estava disponível para enfrentar o demónio do novo Reich. A 12 de Março, há 80 anos (em 1938), o exército alemão desfaz as dúvidas e sobe o primeiro degrau da escalada pelo domínio dessa Europa amorfa e desistente, entrando na Áustria com aplauso. No dia seguinte, a Anschluss (anexação) é anunciada oficialmente. A Alemanha estava preparada para começar a guerra com este pequeno passo, esmagando a Áustria a pedido dos austríacos.
Filho de pai irlandês e de mãe escocesa – o que resultaria disto? Mickey Spillane, um dos autores que mais fascinou os leitores portugueses de romances policiais dos anos 50 e 60 em Portugal. Começa por escrever histórias para os heróis da época (Capitão América, Super Homem ou Batman), e participa na II Guerra como piloto. Em 1947 estreia-se com O Juiz Sou Eu, a primeira aparição de Mike Hammer, o detetive protagonista da maior parte dos seus livros. Sem cerimónias, explica a razão por que escolhe o nome ‘Hammer’ (martelo): “Porque o homem, no fundo, gostaria de ser um martelo para esmagar a cabeça do seu próximo.” Vingança, justiça, reparação, nada de sentimentos – nos seus livros mata-se e morre-se. Os títulos são fatais: o melhor deles é A Minha Arma Não Perdoa (My Gun Is Quick), mas há Ofício de Matar, A Vingança É Minha ou O Assassino Implacável. Há um rasto de melancolia em Uma Noite Solitária, mas é coisa pouca; o tom é violento, conservador e sem misericórdia. Nos seus livros há bons e maus, com poucas variantes. Nasceu há exatamente 100 anos, em NY.
Sim, eu gosto de Camille Paglia.
Um elogio ao CM. Há cerca de dez anos que se legislou no sentido de transformar a “violência doméstica” em crime público. Nas páginas do CM já o era há muito, com as altas burguesias a resmungar baixinho, preferindo que essas notícias não aparecessem nas páginas de crime – porque eram coisas de mau gosto. Durante anos, o CM esteve solitário nessa denúncia da violência sobre as mulheres, do machismo mariola, dos namorados que batem nas namoradas, dos maridos que transformam ex-mulheres em cadáveres, da violência que persegue e não deixa só nódoas negras – muito antes de a “imprensa bem educada”, cheia de pudor, ter descoberto que esses crimes eram abundantes e vergonhosos. Ainda assim, eu diria às mulheres: envenenem os maridos que vos batem, castrem os namorados que vos tratam mal, abandonem esses biltres, ponham-lhes laxantes na sopa, chamem a polícia em altos gritos, exijam que os tribunais sejam rápidos, façam macumba para eles ficarem sem tesão, troquem-lhes os medicamentos, eduquem as vossas filhas e ensinem-lhes a usar a inteligência e o varapau em doses idênticas. Respondam.
[Da coluna no CM]
A cerimónia dos Óscares não teve piadas sobre Trump, o que foi um alívio de bom gosto e evitou que pensássemos nele por instantes. Gay Talese, um dos grandes nomes do “novo jornalismo” americano (com Gore Vidal e Norman Mailer constituíam um trio de respeito) resumiu bem a situação numa entrevista recente: “Trump, Trump, Trump todo o dia a merda do Trump. Agora, os jornalistas vêm da mesma classe que o pessoal do mundo financeiro ou político. Vão às mesmas universidades e os seus filhos aprendem a nadar na mesma piscina. Por isso os jornais e as televisões não prestaram atenção à gente que votou em Trump, porque não se misturam com eles.” De entre os candidatos aos Óscares, Três Cartazes à Beira da Estrada é talvez o filme destes anos, o da América silenciosa e magoada. Mas a Academia de Hollywood, compreendendo o cansaço acerca de Trump, não só evitou as piadas sobre o homem, como premiou A Forma da Água, um filme que fica a caminho de qualquer coisa sem ser coisa nenhuma, além de uma bela fotografia, um amor impossível, uma atriz serena e umas cenas de banda desenhada.
Ontem à tarde uma militante do grupo feminista Femen fez ‘topless’ em protesto contra Silvio Berlusconi. Não há nada tão absurdo como mostrar os seios ao italiano, que agradece. Mostrar as maminhas é banal. Corajoso e com sentido era no tempo de Tonia Carrero (1922-2018), que há 40 anos defendeu o gesto na telenovela Água Viva (o seu papel era o de, recordam-se?, Stella Simpson). Tonia Carrero foi um rosto importante para as mulheres do Brasil – e de Portugal. Os seus papéis mostravam uma mulher corajosa, independente, brava nas suas interpretações, parte daquela geração de que fizeram parte Cacilda Becker, Leila Diniz ou Eva Wilma – poderosa, livre, descarada, fazendo o feminismo derivar de outros movimentos libertários (contra a censura, a ditadura e os capangas ideológicos) e não do moralismo atual. Vi-a apenas uma vez em palco, em A Visita da Velha Senhora, de Dürrenmatt (curiosamente, no Teatro Nelson Rodrigues, no Rio), genial; interpretou Shakespeare, Sartre, Goldoni, Ibsen, Tennessee Williams ou Pirandello. A vida das mulheres também foi mais livre com Tonia Carrero.
[Da coluna no CM]
Um dos objetivos da ciência, e do conhecimento em geral, é ajudar-nos a evitar a dor. A contorná-la, a mitigá-la. É por isso que usamos anestesia e analgésicos, químicos que ajudam a regular as reações do nosso corpo, terapias que transformam a nossa vida numa coisa melhor. Num pequeno livrinho lançado ontem, Terapias, Energias e Algumas Fantasias (Fundação Francisco Manuel dos Santos), João Villalobos leva-nos de passeio pelos corredores das chamadas “terapias alternativas”, do Reiki à leitura da aura e ao estudo das “vidas passadas”, dos “tratamentos holísticos” à visitação dos anjos e à hipnose e ao reconhecimento das “energias”. À tentação de muitos leitores – considerar que essas terapias “não servem” porque não curam constipações –, prefiro a generosidade e o espírito de tolerância de Villalobos: tudo serve se o objetivo for o de contornar ou diminuir a dor de viver. A nossa vida é demasiado curta para recusarmos conhecer essas experiências. Sim, podemos até concordar que algumas são fantasias. Mas nenhuma fantasia é dispensável se nos ajudar a encontrar alguma luz.
[Da coluna no CM]
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