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O desejo de limpar o passado e de o ver à luz do que pensamos hoje, ou do que hoje é a verdade oficial, faz-nos correr riscos divertidos. Basta fazer as contas (mas mantendo a calma e evitando rir). Depois de uma universidade americana ter aceite os protestos de uma aluna de arte que se sentia ofendida por ter de olhar o quadro ‘La maja desnuda’, de Goya, e de ter retirado uma cópia da obra, já se fez o mesmo com um quadro de Egon Schiele e se tentou com Balthus. Leonardo Da Vinci será visto como pedófilo e proibido; Neruda e Rafael Alberti escreveram poemas exaltando Estaline; Mark Twain é o que se sabe. Quando a Sade, não vale a pena falar – vamos proibi-lo. Eça era um racista. Simone de Beauvoir ter-se-á apaixonado por duas alunas, e deve ser queimada em efígie. Ghandi gostava de jovens. Camões festejava os combates contra sarracenos. Melville é, como todos sabemos, um inimigo das baleias. Quanto a Lewis Carroll, bom, bom. Fernando Pessoa elogiou Salazar. Hemingway era um machista bêbedo. Jesus contava piadas sobre Deus. E por aí fora. É um admirável mundo novo e limpo.
[Da coluna no CM]
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