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Olha, a legalização da liamba.

por FJV, em 10.01.18

Coleccionador de Erva.jpg

Às vezes Miguel dos Santos Póvoa tem dificuldade em voltar atrás, a esse jantar em que Luís Ferreira o abraça pelos ombros, enquanto estão sentados diante do jardim e o puxa para lhe mostrar o resto da casa – escadarias de granito, retratos em molduras vencidas pelo tempo, salões desabitados, um quarto voltado para a serra, o seu quarto, o escritório repleto de livros, livros, livros, e aquele anexo ao escritório, uma divisão transformada em sala de fumo, com humidificadores onde pensa encontrar charutos. Mas em cada humidificador há marijuanas diferentes, colheitas diferentes, liambas com origens diversas, catalogadas, anotadas, datadas e – mesmo no centro da sala – uma máquina, onde em pontos diferentes se juntam as misturas de tabaco (java, turco, latino) com Cannabis sativa, o papel, o filtro e, no fim, um pequeno tapete onde vão caindo, sucessiva e lentamente, cigarros perfeitos onde o papel do filtro leva um monograma, a letra V. Luís aproxima-se de um dos humidificadores, escolhe uma erva picada na palma da mão, junta-lhe tabaco que retira de uma caixa de madeira, introduz a mistura na máquina e espera a saída do cigarro. E um brilho no olhar, enquanto se aproxima da janela aberta sobre o telhado do alpendre onde estiveram há pouco, apontando o céu claro de Julho.

«Esta paisagem, meu engenheiro de eleição, esta paisagem é uma bênção de Deus, misturada com mar, com o cheiro da resina, com o fumo de uma erva da Costa Rica. Desde há anos que coleciono erva, um pouco de cada parte do mundo e tu, meu engenheiro, vais viajar por todo o mundo. Portanto, em cada parte do mundo vais procurar as ervas mais raras, da Índia à Bolívia, da Turquia à Austrália, o que significa fazeres um pouco da minha felicidade. Serás o meu fornecedor mais precioso, alimentarás um vício proibido e simples.»

 

[…]

 

«O meu engenheiro dos trópicos», ouviu dizer.

«Ele mesmo. Luís, doutor, descobri um exemplar único, nunca me tinha passado pelas mãos uma coisa assim.»

«De que género?»

«Da mais pura. Sativa misturada com Cannabis indica entre bananeiras e fruta-pão, a uma altitude média de quinhentos ou seiscentos metros, com grande humidade. Híbrida. Folhas de seda, Luís. A liamba dos príncipes. Não sei quem a plantou, mas é uma orquestra na minha cabeça.»

«Uma orquestra?»

«Completa. Como numa ópera. Violinos na base, e depois oboés, trombones, fagotes, violoncelos, tímpanos, harpas. E flautas.»

«Estou a ver.»

«Acho que não», disse Miguel dos Santos Póvoa, sorrindo, enquanto uma ondulação mais forte lhe chegara aos pés, molhando as calças e os pés nus, «acho que não consegues ver.»

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«Defendemos uma liberdade de importunar, indispensável à liberdade sexual.» Obrigado, Catherine Deneuve – um módico de civilização no meio disto tudo.

por FJV, em 10.01.18

Nous défendons une liberté d’importuner, indispensable à la liberté sexuelle, é assim que começa o manifesto publicado ontem à tarde pelo Le  Monde, em Paris. Versões no Les Inrockuptibles, no L’Lexpress e na France Info.

 

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